O GLOBO
DAVOS. O que está fundamentalmente em discussão aqui nesta edição do Fórum Econômico Mundial é o modelo de capitalismo incentivado pelos Estados Unidos nos últimos anos, e não o capitalismo em si. Um modelo definido como "insustentável", por exemplo, por duas vozes de peso entre os chineses. O primeiro-ministro Wen Jiabao criticou o modelo baseado em "baixa poupança e alto consumo", e o vice-presidente do Banco da China, Zhu Min, disse que, apesar de continuar acreditando na globalização, "o modelo americano foi muito longe" e o mundo vai ser obrigado agora a conviver com "uma América frugal".
Essa mudança de padrão de vida nos Estados Unidos, que deverá prevalecer pelos próximos 10 ou 20 anos, pelo menos, é uma necessidade e, ao mesmo tempo, uma ameaça, pois o padrão de consumo americano deve se retrair em, no mínimo, 10%, com uma perda de cerca de US$1 trilhão que não tem como ser reposta.
Em uma das mesas que discutiram o futuro da economia mundial sem o padrão de consumo americano, Ken Rosen, professor emérito da Universidade da Califórnia, em Berkeley, resumiu a situação em uma frase: "Nós gastamos um dinheiro que não tínhamos em coisas das quais não precisamos".
E disse que estava na hora de mudar o paradigma: "O modelo dos Estados Unidos está errado. Se o mundo todo utilizasse o mesmo modelo, nós não existiríamos mais".
O consenso de que o modelo baseado no consumo dos Estados Unidos terá que ser alterado foi registrado em diversos debates, e há também um consenso sobre a necessidade de haver um grande gasto governamental em obras de infraestrutura, para substituir esses gastos.
Ganhou abrangência durante os dias da reunião do Fórum Econômico Mundial a ideia de que será preciso um esforço coordenado entre os governos para que os países emergentes - que estão sendo atingidos por essa crise internacional de maneira indireta, mas muito fortemente, pelo aumento da rejeição ao risco e consequente falta de financiamento internacional - possam ser ajudados.
Depois do megainvestidor George Soros ter sugerido um "fundo dos fundos" formado pelos fundos soberanos de alguns países e coordenado pelo FMI, foi a vez do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, falar sobre a necessidade de os países desenvolvidos ajudarem a dar liquidez aos emergentes.
Ao mesmo tempo em que um painel de especialistas não conseguiu encontrar uma moeda que nas próximas décadas substitua o dólar como referência internacional, em vários momentos aqui em Davos, inclusive nesse debate sobre o dólar, surgiu a possibilidade de o mercado asiático se unir mais a partir dessa crise, abrindo a possibilidade do surgimento de uma moeda forte naquela região: o yen japonês ou o renminbi chinês.
A presente crise abre perspectivas de negócios intra-asiáticos, à medida que companhias regionais possam usar suas vantagens competitivas para atuar nos países vizinhos. O Japão, por exemplo, com uma base bem desenvolvida de tecnologia e vasto capital, poderia ser um parceiro importante nos projetos de obras de infraestrutura que estão sendo desenvolvidos na Índia e na China.
Yasuo Hayashi, presidente da Organização de Comércio Exterior do Japão, considera que, embora seja uma integração que demanda tempo, já há avanços importantes em negociações de acordos econômicos de China, Índia e Japão, os "três grandes" da Ásia, com a Associação das Nações do Sudeste Asiático.
Todos esses movimentos sugerem uma necessidade de haver uma solidariedade internacional, sem a qual será difícil sair da crise. Stephen Roach, presidente do Morgan Stanley para a Ásia, lembrando que foi uma surpresa para o mundo financeiro a maneira com que a crise atingiu tão fortemente das três grandes economias da região, advertiu:
"Com o aumento do fluxo de capitais, informação e trabalho, o mundo é muito mais interligado do que antes, e nenhuma região está mais ligada na rede internacional de comércio do que a Ásia, dependente de exportação".
Essa interligação entre as economias internacionais foi o que fez o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton ressaltar que seu país depende da China para superar a crise, mas que a China também precisa de uma economia forte nos Estados Unidos para poder exportar seus produtos.
Por isso, a decisão de incluir uma cláusula protecionista no programa de recuperação econômica da nova administração Barack Obama caiu como uma bomba entre os participantes do Fórum.
O perigo de que uma onda protecionista tome conta do mundo já fora levantado no pronunciamento do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, que defendeu o estabelecimento de uma nova ordem econômica "mais justa, igualitária, saudável e estável". E também por um assessor do governo russo, que disse que o fato de os Estados Unidos estarem aumentando seu déficit na certeza de que outros países, como o Japão e a China, comprarão seu bônus do Tesouro, representaria, em última instância, "uma espécie de protecionismo".
Contra o protecionismo, os países emergentes, encabeçados por Brasil e Índia, estão defendendo a retomada da rodada de Doha, para a ampliação do comércio internacional como maneira de superar a crise econômica.
A Índia e a China, que foram os grandes causadores do insucesso da última negociação, estão dispostos, dentro do bloco asiático, a negociar concessões e aberturas na área agrícola e de serviços. O que impediu a negociação foi a proteção à agricultura familiar na Índia e na China, contra o agronegócio, que, naquela ocasião, unira o Brasil aos Estados Unidos e à União Europeia.
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