Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 04, 2012

Não suporto mais cotas - ETHEVALDO SIQUEIRA

O ESTADÃO - 04/03/12

A questão das cotas criadas pela lei 12.482 interessa muito mais a
nós, cidadãos, assinantes desse serviço, do que às operadoras de TV
por assinatura ou aos produtores nacionais de conteúdos. Somos 42
milhões de brasileiros que pagam para ter opção, para ver algo
exclusivo, diferenciado, segmentado, que não encontramos na TV aberta.
Em 4 anos, seremos mais de 100 milhões. Esse é o critério em que me
baseio para combater as cotas.

Somos, portanto, socialmente muito mais importantes nesse debate. E
queremos que seja preservado nosso sagrado direito de escolha do que
vamos ver na TV paga, sem interferência do Estado. Nossa liberdade
como assinantes-telespectadores não pode ser condicionada a qualquer
outro interesse, nem, muito menos, a critérios ideológicos,
partidários ou corporativos.

Não queremos ser tutelados, até porque o maior valor a ser preservado
nessa área é nossa liberdade, ou seja, o direito de escolher
livremente, seja entre os filmes ou documentários do mais alto nível,
seja entre os enlatados da pior qualidade ou os mais estúpidos reality
shows, como, em geral, costumam ser.

Duas faces da lei. É claro que a lei 12.482 tem aspectos positivos, ao
unificar a legislação setorial e promover a abertura do mercado. Mas,
em contrapartida, criou coisas inaceitáveis como as cotas para
produtoras nacionais de cinema e TV e conferiu à Agência Nacional de
Cinema (Ancine) o poder de dizer o que podemos e o que devemos ver na
TV paga.

O que aconteceu com a lei 12.482 é resultado de um velho vício do
legislador brasileiro, que é desfigurar a maioria dos projetos com a
inclusão de dezenas de emendas oportunistas e demagógicas. O projeto
inicial, oriundo da Câmara dos Deputados, tinha apenas dois objetivos
centrais: unificar a legislação de TV por assinatura e regular a
entrada das empresas de telecomunicações (as Teles) nesse mercado.
Mas, acabou virando esse monstro jurídico, cheio de penduricalhos e
emendas protecionistas.

O que os defensores das cotas (ou cotistas) deveriam levar em conta é
que a TV aberta e a TV por assinatura são mundos muito diferentes.
Enquanto a TV aberta exige regulação especial, mais rígida, por ser
universal, gratuita e por utilizar um bem público finito e não
renovável, que é o espectro de frequências eletromagnéticas, a TV
paga, por sua vez, destina-se a um público muito mais segmentado, que
paga para ver algo mais condizente com seu gosto e sua cultura.

A polêmica que se trava agora decorre da tentativa de normatização da
lei pela Ancine, após a consulta pública que se encerrou ontem. Por
isso, diante de uma ação do Partido Democratas (DEM) e de outras ações
que deverão ingressar no Supremo Tribunal Federal, questionando a
constitucionalidade das cotas, é preciso aprofundar o debate sobre o
tema.

Cotas para tudo. O Brasil virou o país de cotas. A começar de cotas
raciais - coisa que repugna a qualquer país civilizado. Essa política,
entretanto, é defendida e preferida pelos cotistas e pela esquerda
mais atrasada e míope que domina alguns segmentos do Executivo e do
Legislativo do País.

Corporativistas, estatizantes e xenófobos, eles se dizem patriotas e
defensores da cultura nacional. No entanto, nada os irrita mais do que
ouvir a defesa do critério da qualidade, do mérito ou da competência
nessa questão. Experimente dizer a um deles que esse critério é o
melhor. Ele reagirá ficará furioso e xingará você de "reacionário,
elitista, neoliberal e inimigo do produtor e da cultura nacional".

Pessoalmente, tenho paixão por bons conteúdos nacionais. Mas, não
quero ver xaropadas para ajudar produtores medíocres ou por razões
ideológicas. O leitor sabe que os bons filmes não precisam de reserva
de mercado nem de cota protecionista, como, por exemplo, Central do
Brasil ou Tropa de Elite 1 ou 2.

Hoje, 70% dos assinantes veem mais canais abertos via TV paga do que
os canais pagos de conteúdo específico. Ou seja, já privilegiam a
cultura nacional.

O caminho certo. A melhor estratégia para se proteger legitimamente o
produtor e o conteúdo nacional baseia-se em financiamento, fomento,
incentivo, pesquisa, desoneração fiscal e educação, bem como
patrocínios públicos e privados aos projetos de maior relevância.

O pior caminho, em contrapartida, é o da fixação de cotas
compulsórias, com a reserva de fatias de mercado e espaços,
equivalentes a 3 horas e meia de programação nacional por semana, em
horário nobre.

Ele enxerta produções nacionais nas grades dos diversos canais, sejam
eles ou não de boa qualidade. Não há qualquer critério de mérito nessa
inclusão.

A nova lei confere à Ancine o poder de definir o que é o horário nobre
para uma emissora de TV paga. E até de punir os canais que não
seguirem suas determinações. A nova lei amplia os poderes legais da
Ancine e dão a essa agência a incumbência inconstitucional de regular
conteúdos e a programação dos diversos canais de TV por assinatura.

Pior ainda: nem a Ancine, nem o Ministério das Comunicações, nem os
cotistas dão uma única palavra sobre os canais abertos comerciais
alugados, ilegalmente, em tempo integral ou parcial, a igrejas de
todas as confissões, muitas delas pedindo dinheiro a cada minuto.

Nossa liberdade não pode ser condicionada a qualquer outro interesse

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