O 6.º Fórum Mundial da Água, realizado de 12 a 17 deste mês em
Marselha (França), não deixou margem para dúvidas: ou se investe
decididamente na proteção dos recursos hídricos do planeta ou a
civilização humana padecerá de terrível escassez. Que já se manifesta.
Relatório da ONU apresentado no encontro aponta a irrigação agrícola
como séria questão a ser enfrentada. Primeiro, porque tal técnica
demanda muita água, cerca de 70% do total; segundo, dada a dramática
necessidade de alimentar uma população que deverá atingir 9 bilhões de
pessoas em 2050. Conforme as revisadas, e mais precisas, estimativas
da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO),
a produção de comida precisa crescer 60% nesse período, e isso só
parece possível aumentando as áreas irrigadas no campo.
Resultado: vai aumentar a necessidade de água para as lavouras, em
especial nos áridos países do Oriente Médio, que, aliás, importam cada
vez mais alimentos. Mudanças climáticas devem alterar o padrão das
chuvas, causando secas mais prolongadas e derretimento de geleiras.
Tudo conspira contra o abastecimento. Estudos indicam que sem
decididas políticas de manejo de água 40% da população mundial viverá
em áreas de alto estresse hídrico até 2050.
Estimativas de longo prazo, claro, sempre carregam muita incerteza. A
terrível seca, porém, que afetou, em 2011, as grandes planícies
norte-americanas, prejudicando a irrigação e restringindo a água para
consumo humano, pareceu um aviso recente dos céus. No Brasil,
novamente o fenômeno climático La Niña provocou forte estiagem,
derrubando a safra e arrancando os cabelos dos agricultores sulinos.
Dentre as dúvidas, uma certeza: preservar os mananciais d"água será
estratégico nas políticas sustentáveis do futuro.
A situação anda preocupante. Cerca de 25% das áreas agrícolas mundiais
se degradam, de forma mais ou menos severa, em decorrência da má, e
intensiva, agricultura. Esta depaupera os recursos hídricos, reduz a
fertilidade dos solos, aumenta a erosão. A contínua irrigação tem
levado à salinização dos solos em certos locais, fazendo decair a
produtividade agrícola. Lençóis freáticos, bombeados para a
superfície, aprofundam-se, prejudicando o enraizamento das plantas; o
desmatamento e os ventos causam desertificação. Na Espanha, na
Austrália, nos Estados Unidos, na África, por onde se procura se
percebem ameaças à segurança alimentar.
Olhos enviesados atribuem à agricultura o papel de vilã na equação
mundial da água. Algo injusto. Acontece que, mesmo gastadora, a
prática da irrigação rural pouco compromete a qualidade da água,
exceto quando esta se contamina com resíduos de agrotóxicos
persistentes, comuns no passado, mas pouco utilizados hoje em dia.
Depois de regar as plantas, via aspersão ou gotejamento, o precioso
líquido se percola pelas entranhas da terra, corre para os riachos ou
se evapora, cumprindo o ciclo natural da água.
No uso urbano, ao contrário, o abastecimento das residências polui
organicamente as águas nos vasos sanitários, na pia da cozinha e na
lavanderia ela se mistura ainda com detergentes e saponáceos. Já nas
unidades industriais, as águas utilizadas contaminam-se com solventes
e demais produtos químicos, que lhes roubam a vida. Nas cidades, que
ninguém duvide, a demanda e a poluição são tremendas.
O Fórum Mundial da Água de 2012 contou, entre as 180 delegações
participantes, com a presença de uma orgulhosa comitiva paulista. Ela
representava o bem-sucedido Pacto das Águas São Paulo, um programa que
nasceu há três anos às margens do Rio Jacaré-Pepira, no município de
Bocaina. Ali, tendo à frente o então governador José Serra, centenas
de prefeitos e outras autoridades municipais se comprometeram a aderir
ao Consenso das Águas de Istambul (Turquia), documento histórico que
define tarefas na gestão descentralizada dos recursos hídricos.
Esse azulado movimento ambientalista, organizado pela Secretaria do
Meio Ambiente do Estado (www.ambiente.sp.gov.br/pactodasaguas),
cresceu sem parar, ultrapassando as expectativas iniciais. Dentre os
1.070 signatários, oriundos de 49 países, do Consenso das Águas de
Istambul, 595 adesões originam-se nos municípios paulistas. Notável. O
Pacto das Águas São Paulo configura o maior programa já realizado no
Brasil em defesa dos recursos hídricos, com foco na gestão local,
dentro das bacias hidrográficas. Lição de casa bem feita.
Em fins do ano passado, o governo paulista promoveu uma avaliação do
desempenho dos municípios, premiando os primeiros colocados. Entre os
de maior população, 94 municípios cumpriram as metas estabelecidas no
programa em defesa das águas, capitaneados por Sorocaba, Tupã,
Paulínia, Itapira e Batatais. Já entre os pequenos municípios, abaixo
de 20 mil habitantes, 135 deles mostraram os melhores resultados,
liderados por Regente Feijó, Bilac, Bocaina, Lindoia e Santo Antônio
do Jardim. Podem tirar o chapéu para eles.
Por todo o Estado de São Paulo corredores ecológicos se formam
sinuosamente, acompanhando os córregos. A recuperação dessa mata,
chamada ciliar, como se os olhos abrigassem, garante a plena função
ambiental da biodiversidade, promovendo a junção do verde (vegetação)
com o azul (água). Na beirada dos riachos, no entorno das nascentes,
ao redor dos lagos, nessas paragens a vida selvagem floresce, a
natureza torna-se exuberante. Água é vida.
Neste próximo dia 22 de março se comemora o Dia Mundial da Água. Mais
do que discursos, gestos de simpatia e lembranças nos bancos
escolares, esperam-se ações concretas - coletivas e individuais - em
defesa da agenda azul.
Água potável, mundo sadio.
*Agrônomo, foi secretário de Agricultura e secretário do Meio Ambiente
do Estado de São Paulo.