O Globo - 09/03/12
O compositor Tom Jobim costumava dizer que "o Brasil não é para amadores". Ele se referia a facetas dos usos e costumes nacionais, como o de leis que não "pegam", do parece que é, mas não é, e vice-versa. A arguta constatação tem sido comprovada no cotidiano de incontáveis atividades. Sequer a análise econômica escapa. Se um economista desavisado, um "amador", se debruçar sobre a contabilidade pública, sem considerar peculiaridades da inventividade na montagem de números sob medida para melhorar a imagem do governo, ele será vítima do "teorema de Tom": nenhum não "profissional" em coisas nossas, de qualquer ramo, conhecerá o verdadeiro Brasil.
O bloqueio de R$ 2,96 bilhões do FGTS, numa decisão unilateral do governo, pode ter várias interpretações. A mais direta e superficial é que se trata de um confisco ilegal, inaceitável, de dinheiro do trabalhador. Mas, diante da reação de sindicatos, noticiada pelo GLOBO, o governo prometeu remunerar o dinheiro acima da taxa Selic, um pedágio pelo uso dos recursos. Assim, revoga-se a ideia da tunga, mas não se consegue esconder a verdadeira intenção da manobra: inflar o superávit primário, num ano em que o governo está pressionado pelo impacto bilionário do aumento de 14% do salário mínimo e por sua própria índole de gastar cada vez mais em despesas de custeio.
Estes bilhões do FGTS, oriundos de um adicional cobrado sobre demissões sem justa causa, para financiar reposições de perdas causadas por dois dos pacotes dos tempos de superinflação (Planos Verão e Collor I), já foram até contabilizados nos R$ 55 bilhões de "cortes" no Orçamento anunciados pelo ministro Guido Mantega. Ou seja, bilhões de propriedade alheia, do FGTS, para embonecar o superávit primário. Pelo "aluguel" dos recursos anunciado pela ministra Ideli Salvatti, depois da grita sindical, é que se pagará mais que os juros básicos. Mas não resolve o problema de fundo: a maquiagem das contas públicas.
Cumprir a meta de pouco mais de 3% do PIB de superávit primário, para financiar o máximo possível do pagamento da conta de juros da dívida interna, é imprescindível na construção de uma imagem de seriedade fiscal do Planalto - mesmo que, para isso, seja necessário levar as estatísticas a uma funilaria ou torturar os números. É devido a esta "contabilidade criativa" que o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, costuma calcular o "superávit primário ajustado", depois que as autoridades divulgam seus números - para os "amadores". Há dúzias deles em Wall Street, no FMI, Bird, na City londrina. Em artigo na "Folha de S.Paulo", Schwarstman afirmou que o superávit de 3,1%, de 2011, cai para 2,5% quando deduzidas as inclusões de recursos inadequados para efeito deste tipo de cálculo.
Somam-se ao bolo, por exemplo, os depósitos judicais, e até a cessão de direitos de exploração à Petrobras no pré-sal virou "receita". O objetivo é sempre o mesmo: mascarar os anunciados ajustes fiscais, nunca tão profundos na realidade como previstos. Neste jogo de espelhos em que a contabilidade pública está se convertendo, há, ainda, um orçamento paralelo que injeta massa enorme de recursos de dívida pública no BNDES, contabilizados apenas na dívida bruta, pouco acompanhada no Brasil. É difícil o ofício de tentar entender o que se passa de fato nas finanças públicas. E cada vez mais, à medida que as margens para continuar a gastança se estreitam.
O bloqueio de R$ 2,96 bilhões do FGTS, numa decisão unilateral do governo, pode ter várias interpretações. A mais direta e superficial é que se trata de um confisco ilegal, inaceitável, de dinheiro do trabalhador. Mas, diante da reação de sindicatos, noticiada pelo GLOBO, o governo prometeu remunerar o dinheiro acima da taxa Selic, um pedágio pelo uso dos recursos. Assim, revoga-se a ideia da tunga, mas não se consegue esconder a verdadeira intenção da manobra: inflar o superávit primário, num ano em que o governo está pressionado pelo impacto bilionário do aumento de 14% do salário mínimo e por sua própria índole de gastar cada vez mais em despesas de custeio.
Estes bilhões do FGTS, oriundos de um adicional cobrado sobre demissões sem justa causa, para financiar reposições de perdas causadas por dois dos pacotes dos tempos de superinflação (Planos Verão e Collor I), já foram até contabilizados nos R$ 55 bilhões de "cortes" no Orçamento anunciados pelo ministro Guido Mantega. Ou seja, bilhões de propriedade alheia, do FGTS, para embonecar o superávit primário. Pelo "aluguel" dos recursos anunciado pela ministra Ideli Salvatti, depois da grita sindical, é que se pagará mais que os juros básicos. Mas não resolve o problema de fundo: a maquiagem das contas públicas.
Cumprir a meta de pouco mais de 3% do PIB de superávit primário, para financiar o máximo possível do pagamento da conta de juros da dívida interna, é imprescindível na construção de uma imagem de seriedade fiscal do Planalto - mesmo que, para isso, seja necessário levar as estatísticas a uma funilaria ou torturar os números. É devido a esta "contabilidade criativa" que o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, costuma calcular o "superávit primário ajustado", depois que as autoridades divulgam seus números - para os "amadores". Há dúzias deles em Wall Street, no FMI, Bird, na City londrina. Em artigo na "Folha de S.Paulo", Schwarstman afirmou que o superávit de 3,1%, de 2011, cai para 2,5% quando deduzidas as inclusões de recursos inadequados para efeito deste tipo de cálculo.
Somam-se ao bolo, por exemplo, os depósitos judicais, e até a cessão de direitos de exploração à Petrobras no pré-sal virou "receita". O objetivo é sempre o mesmo: mascarar os anunciados ajustes fiscais, nunca tão profundos na realidade como previstos. Neste jogo de espelhos em que a contabilidade pública está se convertendo, há, ainda, um orçamento paralelo que injeta massa enorme de recursos de dívida pública no BNDES, contabilizados apenas na dívida bruta, pouco acompanhada no Brasil. É difícil o ofício de tentar entender o que se passa de fato nas finanças públicas. E cada vez mais, à medida que as margens para continuar a gastança se estreitam.