Entrevista:O Estado inteligente

domingo, março 25, 2012

A visita de Zecamunista João Ubaldo Ribeiro

O Estado de S.Paulo

Relutei em voltar a falar em Zecamunista pela terceira vez em pouco
tempo, mas os pedidos foram muitos em toda a vizinhança, que ele
visitou brevemente, nos três dias de sua estada no Rio de Janeiro.
Revolucionário de um lado e profissional do pôquer de outro, desde
seus precoces 14 anos, habituou-se à clandestinidade, a codinomes,
endereços secretos e disfarces dos mais variados, de maneira que,
segundo ele, o primeiro impulso que sente ao despertar é se esconder
da repressão. Só depois de um minuto ou dois, ele acorda de vez,
suspira aliviado e canta a Internacional em voz alta, ritual
cotidiano. Entre seus disfarces, o mais célebre e sempre lembrado na
ilha é do tempo em que ele, ainda bem antes dos 14, fazia sucesso com
mágicas de baralho em todo o Recôncavo, de turbante e usando o nome
artístico de Abdul Saladim, em alusão a suas origens árabes. Daí para
o pôquer foi um pulo e rendam graças aos céus os jogadores de pôquer
do Rio por ele ter vindo por motivos estritamente políticos e, como
sempre, subversivos.

A pedido dele, fui encontrá-lo na orla, ainda de manhã bem cedo. Ele
me esperava de óculos escuros e chapéu enterrado na cabeça,
contemplando o mar e usando seu inseparável brochinho da foice e
martelo na lapela.

- Mas isto aqui é a paisagem mais linda do mundo - disse ele, com a
voz um pouco embargada. - Nem em toda a União Soviética se encontrava
uma paisagem que rivalizasse com esta. Nem em Itaparica, a verdade é
esta. Até o nome é bom.

- Rio de Janeiro?

- Gua-na-ba-ra, a gente enche a boca. Você sabe o que quer dizer
Guanabara em tupi-guarani?

- Eu li não sei onde que quer dizer "baía grande".

- Errado! Ignorância! Alienação! Os índios nem sabiam o que era baía,
quanto mais se era grande ou pequena, eles só conheciam esta. A
interpretação certa é "seio-mar", isso sim, faz justiça a esta baía
extraordinária. Um grande peitão marítimo, um grande, farto e
acolhedor regaço feminino! Você não acha que a Baía de Guanabara tem a
forma de um peitão, o Grande Peitão?

- Bem, sinceramente, eu já olhei no mapa e nunca me pareceu isso.

- Os índios não tinham Google, para eles era um peitão! Olhada daqui é
um peitão absoluto, o Grande Peitão, um peitão magnífico e
arrebatador, como somente a carioc... Você reuniu algumas candidatas a
se alistar na ala feminina dos Bem-te-vis da Pátria?

- Bem, eu devo confessar que não tenho muito jeito para isso.

- Eu já esperava, você não presta nem como linha auxiliar, nem como
inocente útil você tem serventia.

- Eu falei com algumas amigas, mas a verdade é que elas ficaram um
pouco desconfiadas do exame que você quer fazer nelas.

- Nelas não! Com elas! Olhe a regência, você quer me difamar, atenção
no quinta-colunismo! Eu não vou fazer nada nelas, eu nunca faço nada
nas mulheres, eu faço com elas, atenção na preposição, eu mando uma
carta de protesto para a Academia e acabo com seu cartaz lá, se é que
você tem algum!

- Que é isso, Zeca, também não precisa se exaltar.

- Desculpe, mas eu fico transtornado com essas coisas. Somente um
cafajeste é que vai chegar para uma mulher, ainda mais a carioca, e
dizer que quer fazer um negócio nela. Ele diz que quer fazer um
negócio com ela, é diferente, é ali junto. É por essas e outras que
desde o tempo de menino que você tenta apanhar mulher e não consegue,
muito menos uma carioca, e para arranjar quem o aguentasse teve que
engabelar uma jovem inocente em Birigui.

- Bem, de qualquer forma, quando eu disse o nome do exame, elas não gostaram.

- O psicotoque? É preciso ser muito maldoso, para condenar um exame de
tanta utilidade, que eu mesmo desenvolvi a partir de certas
descobertas de Pavlov. Ele fazia isso com cachorros, mas eu, modéstia
à parte, faço com as mulheres, elas ficam babando que nem os cachorros
dele, quando me veem, é reflexo condicionado. Mas essas suas amigas
ficaram intimidadas foi com sua preposição insidiosa. Acharam que eu
queria fazer o psicotoque nelas, mas eu quero fazer é com elas. Você
tem obrigação de escrever isso no jornal, eu não quero me ver obrigado
a entrar na justiça contra você, por difamação e injúria.

- Tudo bem, eu escrevo, mas não vai adiantar nada, acho que seu
movimento não começou bem.

- Porque ainda não começou. Resolvi adiar o lançamento nacional aqui
na Guanabara, preciso de uma preparação mais cuidadosa, não pensei que
ainda por cima seria sabotado por amigos falsos e conterrâneos
pérfidos. Você ainda ouvirá falar muito na ala feminina dos Bem-te-vis
da Pátria. Eu tive uma ideia mercadológica, de vez em quando é preciso
usar as armas do capitalismo, eu trabalhei muito em agitação e
propaganda lá na ilha.

- Desde que eu nasci, nunca vi agitação na ilha.

- Não aceito insinuações. E minha decisão já está tomada. Vou fazer um
anúncio naiternet, somente para as cariocas: "Seja uma comandante dos
Bem-te-vis da Pátria! Venha fazer seu psicotoque com Zecamunista em
Itaparica! Uma semana com todas as despesas pagas! Para melhor
concentração, pais, maridos e namorados não serão aceitos! Não perca
esta oportunidade!".

- Até que pode dar certo, Zeca, mas de onde virá a grana?

- Patrocínio. O psicotoque é de interesse nacional, quem já fez
confirma. E a mulher carioca é cultura, estou tranquilo, acho que vou
de Petrobrás.

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