A recente e tardia decisão do governo federal de enfrentar o péssimo
estado da infraestrutura aeroportuária deu margem a loas de quem
conhece a precariedade de nossos aeroportos e a justificativas
envergonhadas por parte de dirigentes petistas, segundo os quais
"concessões" não são privatizações, como se ambas não fossem
modalidades do mesmo processo.
Passados tantos anos das primeiras privatizações de empresas e
concessões de serviços públicos, e dada a sua continuidade em governos
controlados por partidos que se opunham ferozmente a elas, a
relevância ideológica da discussão é marginal. Só o oportunismo
eleitoral pode explicar por que insistem num tolo debate que sustenta
ser "patriótico" manter sob controle estatal um serviço público, ao
passo que concedê-lo à iniciativa privada, com ou sem a venda da
propriedade, é coisa de "entreguista".
Esvaziar o Estado de funções econômicas não passou pela cabeça dos
constituintes, nem dos congressistas ou dos governos que
regulamentaram ou modificaram a Constituição para adequá-la às
transformações da realidade produtiva. Ainda no final dos anos 80
houve privatização de empresas de menor importância que se haviam
tornado estatais porque o Estado as tinha salvado da falência, nas
chamadas operações-hospital do BNDES.
No começo dos anos 90, já regulamentadas em lei, as privatizações
ganharam corpo. Alcançaram, por exemplo, o obsoleto parque siderúrgico
do País, que desde então passou por imensa modernização, com apoio do
BNDES, não mais na função de socorrer empresas falidas, mas de
promover a atualização do setor produtivo. Na segunda metade dos anos
90, quando se tratou de atrair o capital privado para os investimentos
que o Estado já não podia fazer na oferta de telecomunicações,
energia, petróleo, etc., flexibilizaram-se monopólios estatais e se
criaram as agências reguladoras para assegurar a competição nesses
setores, evitando o surgimento de monopólios privados. O governo atuou
não apenas para aumentar a concorrência nos leilões - e, portanto, o
ágio recebido pelo Tesouro -, mas também para apoiar, por meio do
BNDES, o investimento privado que se seguiu à desestatização.
No caso do petróleo, depois da quebra do monopólio, em 1997, a
Petrobrás transformou-se numa verdadeira empresa moderna, menos
sujeita a influências político-fisiológicas, que hoje se insinuam
novamente. Diziam que o governo queria privatizá-la, quando, na
verdade, estava comprometido a fortalecê-la. Mantida sob o controle da
União, mas submetida à competição, tornou-se uma das cinco maiores
petrolíferas do mundo. A participação acionária do setor privado na
companhia, existente desde o período Vargas, foi ampliada, até com a
possibilidade de uso do FGTS para a compra de ações por parte dos
trabalhadores. As contas da empresa tornaram-se mais transparentes
para o governo e para a sociedade. A quebra do monopólio veio
acompanhada de uma política de indução ao investimento local na
indústria do petróleo, com a fixação de porcentuais de conteúdo
nacional já nas primeiras licitações realizadas pela ANP. Medida
adotada, no entanto, com o equilíbrio necessário para evitar aumento
nos custos dos equipamentos e atrasos em sua produção, como agora se
verifica.
Nas telecomunicações houve uma combinação de privatização e concessão
de serviços. No caso da telefonia celular poucos foram os ativos
transferidos, pois ela praticamente inexistia no País. Estamos
vendendo vento, brincava Sérgio Motta, então ministro das
Comunicações, que sonhava com o dia em que celulares seriam vendidos
em todo canto. Pena ter morrido antes de ver seu sonho realizado. Hoje
existem no Brasil mais celulares do que habitantes. Na desestatização
do Grupo Telebrás houve transferência de ativos. A divisão da holding
em várias empresas foi classificada de esquartejamento, quando
pretendia assegurar a competição no setor. Graças a esse novo ambiente
e às regras estabelecidas pelo governo, as empresas privatizadas foram
obrigadas a fazer pesados investimentos para acompanhar os avanços
tecnológicos e ampliar o acesso às linhas, inclusive à internet,
deixando-nos sem saudades do antiquado sistema de telefonia
pré-privatização.
Já no caso da Vale do Rio Doce, assim como da Embraer, houve
privatização pura e simples, com a ressalva de que, nesta última
empresa, o governo manteve uma golden share, com direito a veto; e o
BNDES adquiriu e manteve uma posição importante, de cerca de 20%, no
controle da mineradora. Para não falar na participação dos fundos de
pensão das empresas estatais. Na privatização da Vale, os críticos
diziam que o governo estava alienando o subsolo nacional - uma
afirmação descabida, já que este era e continuou a ser propriedade da
União, conforme manda a Constituição. Falavam também que a empresa
terminaria "desnacionalizada", com número menor de empregos - retórica
que os fatos posteriores desmentem sem margem à contestação. Ainda se
escutam murmúrios do surrado argumento de que a mineradora, que hoje
vale muito mais do que o bom preço por ela pago à época, foi vendida
por valor vil (não foi o que se viu no leilão, vencido por um grupo
nacional que ousou no preço bem mais do que o considerado razoável
pelos demais concorrentes). Ora, se hoje a Vale tem valor em bolsa da
ordem de US$ 100 bilhões, é porque, liberta das amarras estatais, pôde
chegar aonde chegou.
Os que criticam as privatizações são os mesmos que se gabam dessas
empresas e de sermos hoje a quinta economia do mundo. Esquecem-se de
que isso se deve em muito ao que sempre criticaram: além das
privatizações, o Plano Real, o Proer, a Lei de Responsabilidade
Fiscal, enfim, a modernização do Estado e da economia. Mas atenção:
não basta fazer concessões e privatizar. É preciso fazê-las com
critérios predefinidos, elaborar editais claros, exigir que se cumpram
as cláusulas das licitações e evitar que as agências reguladoras se
transformem em balcões partidários.
Esperemos para julgar o que ocorrerá com os aeroportos.