Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, março 09, 2012

Liberdade x igualdade - JOÃO MELLÃO NETO

O Estado de S.Paulo - 09/03/12



Um debate ideológico que já estava esgotado na maioria das nações civilizadas voltou. E voltou com especial virulência. É a monótona discussão entre a direita e a esquerda, que parecia de início não ter sobrevivido à passagem do século. Ao que se percebe, agora, é que ela se tem limitado ao Continente Americano. A novidade, desta vez, é a entrada em cena do conflito também no seio dos Estados Unidos.

Nós, aqui, na América Latina, sempre cultivamos heróis e mártires que combinavam em seu discurso nacionalismo, esquerdismo, e antiamericanismo. Só mesmo por aqui poderiam ter dado certo o populismo e a Teologia da Libertação. A tese que os dois defendem é de fácil assimilação: "Somos pobres, sim, mas por culpa deles!". E quem são eles? A resposta já vem na ponta da língua: "Os imperialistas que desde sempre nos exploraram". Sejam eles quem forem: os portugueses, os espanhóis, os ingleses, os norte-americanos e, em breve, os chineses. Ora, se na lamuriosa América Latina - um subcontinente em que quase todas as nações adquiriram a sua independência há quase dois séculos - esse tipo de discurso ainda faz sucesso, algo não vai bem na saúde mental de seus povos. Parecem fazer parte da nossa cultura a paranoia e a terceirização das responsabilidades.

Nós acreditávamos ingenuamente que todas essas doenças infantis de nossa civilização já tinham ficado para trás. Qual não tem sido a nossa surpresa ao perceber que elas voltaram. Na Venezuela - onde há tanta abundância de petróleo e tamanha carência de estadistas - quem ocupa o espaço público é um esperto coronel que há 14 anos se mantém no poder sob o pretexto de estar implantando o "socialismo bolivariano". Como ninguém sabe exatamente do que se trata, e enquanto a oposição permanecer desunida, ele se vai perpetuando no comando. Hugo Chávez conta com a bênção de Fidel Castro. Aliás, basta acenar com ajuda econômica que os irmãos Castro abençoam todo mundo.

Na Bolívia há um ditador que afirma estar no poder para lutar pela restauração de uma civilização indígena que nunca foi, de fato, uma civilização. No Paraguai, o governante é um prolífero (e promíscuo) bispo progressista. Na Argentina há uma presidente populista que governa dentro da mística trágica e melodramática do peronismo. No México um líder radical de esquerda por muito pouco não venceu as eleições presidenciais. Nas universidades de todo o continente ainda há muita gente que acredita que Salvador Allende foi um bom presidente do Chile. O Uruguai é governado pelos legendários tupamaros. E, por fim, temos o próprio Brasil, que há quase uma década vem sendo governado por uma elite que diz estar lá justamente para nos defender das elites.

Esquerdismo e populismo não são apenas uma rima, são também uma fórmula política. Uma música que faz sucesso, não importa quantas vezes é reeditada, sempre faz sucesso. Desacatar um embaixador norte-americano, vociferar contra um primeiro-ministro inglês, falar mal em público do presidente dos Estados Unidos, tudo isso é recebido com entusiasmo por aqui. Faz bem à nossa tão propalada "macheza latina".

O que não se esperava é que coisas assim chegassem ao Hemisfério Norte. O atual presidente, oriundo do Partido Democrata, tem-se revelado tão desastrado que logrou uma verdadeira proeza: conseguiu fazer os setores mais obscurantistas da sociedade norte-americana serem ouvidos, ganharem respeito, e acabarem por ter influência decisiva na política nacional. Vale lembrar que, na nomenclatura de lá "liberal" não significa a mesma coisa que no resto do mundo. Os liberais norte-americanos equivalem aos social-democratas, gente que se situa à esquerda no espectro ideológico.

Mas, afinal, o que significa, de fato, ser de direita ou ser de esquerda? Sem me alongar em maiores detalhes, o que existe na sociedade são duas concepções de mundo logicamente impecáveis e realistas, mas inconciliáveis em grande parte: é a liberdade em contraposição à igualdade. Estas são as duas maiores aspirações da sociedade desde o Iluminismo, foram muito bem resumidas por Rousseau e acabaram sendo insculpidas no pavilhão da Revolução Francesa.

Acontece que esses dois princípios, em parte, se excluem entre si. Os seres humanos não nascem todos iguais. Eles diferem em talento, capacidade e empenho. Numa sociedade que aplica o princípio da igualdade como valor maior, os melhores não se poderão destacar e o sistema será opressivo para eles.

Por outro lado, numa sociedade em que a liberdade se mostrar total, alguns se sairão melhor do que outros. Em consequência, eles se tornarão cada vez mais ricos. E assim se gerará a desigualdade.

A questão permanece inconclusa 200 anos depois: a esquerda defende a igualdade, os direitos sociais e a ideia de que os mais fortes têm a obrigação de ajudar os mais fracos. Já aos olhos da direita as questões que importam são bem distintas. A direita defende a liberdade, os direitos humanos e o direito de cada um vencer na vida e buscar a felicidade à sua maneira.

No ano passado ocorreu um célebre diálogo entre os presidentes dos Estados Unidos e da China, as duas maiores potências do planeta. A China adotou o capitalismo sem grande convicção, apenas por entendê-lo como útil para o desenvolvimento econômico e para não ficar atrasada em relação às outras nações. Já os Estados Unidos fazem do capitalismo o seu próprio modo do de ser.

Barack Obama questionou Hu Jintao sobre as recorrentes violações dos direitos humanos e da democracia na China. Hu Jintao, diplomaticamente, reconheceu a importância desses assuntos, mas disse que, por enquanto, isso não é prioridade. "Prioritário, para nós, é alimentar, vestir e abrigar o povo chinês".

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