O Globo - 21/03/12
As cenas de corrupção explícita mostradas pelo último "Fantástico", da TV Globo, têm lugar garantido na seleção dos piores momentos - ou melhores, a depender do ponto de vista - das reportagens publicadas nos últimos anos pela imprensa profissional de denúncia do roubo do dinheiro do contribuinte tramado no setor público.
As tratativas de representantes de quatro empresas interessadas em contratos de fornecimento a um hospital da UFRJ, no Rio, feitas com um repórter da emissora passando-se por burocrata responsável pelas compras do estabelecimento, são um mergulho no escabroso cotidiano de um Estado que avança cada vez mais sobre o bolso do contribuinte e sem maiores zelos com o destino do dinheiro alheio.
As cenas já fazem parte da mesma galeria de vídeos em que está um empregado dos Correios, Maurício Marinho, no ato de embolsar um maço de dinheiro oferecido por um empresário, uma espécie de fio da meada que levou Roberto Jefferson (PTB), "padrinho" do funcionário, a denunciar o mensalão. Juntam-se também ao registro do patético pedido de propina feito sem rodeios por Waldomiro Diniz, ainda assessor do chefe da Casa Civil José Dirceu, ao bicheiro Carlinhos Cachoeira. E à farta distribuição de dinheiro vivo no governo de José Roberto Arruda, no caso do "Mensalão do DEM".
Uma das peculiaridades do material mostrado pelo "Fantástico", e ampliado no "Jornal Nacional" de segunda-feira, é registrar a tranquilidade e destreza com que representantes de empresas com tradição em negócios com o poder público - Locanty Soluções, Toesa Service, Bella Vista Refeições Industriais e Rufolo Serviços Técnicos e Construções - articulam o pagamento de propinas, falam sobre superfaturamento para financiar o "por fora" do funcionário público sentado do outro lado da mesa, e fraudam uma concorrência. Parece fazer parte do trabalho diário de todos. E deve fazer.
Existem indicações de que há uma roubalheira disseminada e institucionalizada do dinheiro do contribuinte, sob patrocínio de maus servidores, com ramificações no mundo da política. Para ficar no bilionário universo da saúde pública, apenas 2,5% dos enormes repasses federais a estados e municípios, feitos no âmbito do SUS, são auditados. Assim, entre 2007 e 2010, R$ 154 bilhões fluíram de Brasília para o resto do Brasil sem qualquer controle. Quanto deve ter sido desviado? Fiscalizações feitas por inspetores da Controladoria Geral da União (CGU), por amostragem, em municípios, apontam a possibilidade de desaparecerem 30% dos repasses federais, apenas entre prefeituras.
A denúncia da falcatrua arquitetada no hospital da UFRJ atraiu declarações fortes contra a corrupção. Mas, como sempre, nada deverá ocorrer. O Ministério Público investigará e, quando o caso chegar à Justiça, há um amplo arsenal de recursos à disposição dos advogados das firmas para mantê-las em operação como fornecedoras do estado. Estas mesmas empresas já haviam sido "punidas" em 2010, por iniciativa do MP estadual. Como se viu, nada foi para valer. A faceta grave em todas estas histórias de corrupção é a impunidade, um eficiente incentivo para o crime continuado. Tanto que agentes de empresas negociam assaltos ao contribuinte como se fosse um negócio normal. No dia em que corruptores e corrompidos forem mesmo condenados a penas condizentes, este cenário mudará. Caso contrário, novos vídeos virão.