O Globo
O Banco Central do governo Dilma é, definitivamente, bem diferente do BC da era Lula. É menos autônomo, aceita mais interferência, as comunicações têm novo estilo. Os últimos dois meses mostraram isso. A queda dos juros agora, no entanto, são, na visão do professor Luiz Roberto Cunha, uma chance bem aproveitada. O IPCA que será divulgado hoje, que pode ficar em 0,4%, vai confirmar a tendência de queda da inflação.
Cunha acha que a inflação continuará caindo até maio, quando deve encostar em 5% em 12 meses, numa curva inteiramente oposta à do ano passado. Só que as taxas de junho, julho e agosto do ano passado foram muito baixas, perto de zero, o que significa que qualquer elevação este ano pode realimentar a inflação em 12 meses.
Ele acha que neste cenário o país pode chegar ao fim do ano com a economia embalada, crescendo em ritmo anualizado de 4%, e com a inflação em 12 meses em 5%.
- Temos um Banco Central com um duplo mandato, que está visando também o emprego, e, principalmente, o emprego industrial. A indústria é afetada pelo câmbio, e o BC está claramente tentando afetar as expectativas cambiais do mercado. Um bom sinal foi dado pelos juros futuros de 360 dias, que caíram. Seria muito ruim se tivessem subido - disse Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio.
A redução da taxa de juros se explica em parte por esse cenário de inflação em queda, pelos maus números da economia - principalmente da indústria - e também pelo quadro internacional de muita liquidez. Baseado nisso o BC tomou sua decisão.
Mas há várias esquisitices no meio do caminho. Uma delas é o fato de que até o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, informou de véspera que os juros seriam reduzidos. Esse Banco Central é tolerante às interferências e cede a algumas delas, ainda que depois revista a sua decisão com argumentos econômicos.
O BC acertou ao prever a piora do quadro internacional no final do ano passado. Aconteceu exatamente o previsto pelo órgão. Mas não há nenhuma novidade neste momento que justifique a aceleração da queda dos juros. As previsões são de novas quedas, que levem a taxa para 8,5% ou 8,75%. Será excelente isso, se não houver uma realimentação da inflação que torne necessária nova alta dos juros. Essa volatilidade da taxa básica acaba afetando a taxa de risco embutida em todas as operações de crédito e torna o dinheiro mais caro.
Luiz Roberto Cunha acha que algumas mudanças no padrão de comportamento do Banco Central se justificam pelo contexto internacional:
- Temos que entender que o BC está em um contexto internacional muito confuso, em um ambiente de extrema flexibilidade monetária. O Fed disse claramente que vai manter os juros em zero até 2014. Foi isso que fez o Banco Central introduzir na última ata o parágrafo sobre juros de um dígito. Em um ambiente de extrema complexidade no mundo, o BC brasileiro também está confuso. Para ele, trazer a inflação para 4,5% agora não é prioridade; ele prefere olhar para o ritmo do crescimento.
Todo mandato de um Banco Central é duplo: tem que manter a inflação na meta ao menor custo do produto. Então ele tem mesmo que olhar o ritmo de crescimento, para preservar o que for possível. Mas sua prioridade só pode ser o seu mandato explícito: as metas de inflação. Se o BC achar que cabe a ele restaurar a confiança da indústria e depreciar a moeda para incentivar as exportações vai ficar perdido num cipoal. Há mais coisas que o governo pode fazer pela indústria que não estão na alçada do Banco Central.
Os economistas começam a apostar em novo corte de 0,75%. Ótimo, se houver espaço para isso. Mas o BC não pode agir achando que faz isso para ajudar a recuperação industrial. Tem que ser por não haver risco inflacionário, e assim colher como consequência uma melhora no ritmo da economia. É uma sutil diferença, mas é aquela que separa um Banco Central técnico de um que tenta agradar os seus críticos no governo. Esse é um campo minado no regime de metas de inflação.
O economista Luis Otávio Leal concorda que temos um Banco Central diferente do que era anteriormente:
- Tínhamos um BC mais independente do governo. Hoje ele é mais alinhado com os objetivos da Fazenda, incorporou as decisões da área econômica. É um BC que ajuda a atingir as metas do governo. Pode ser bom, por não ficar batendo cabeça com a Fazenda; pode ser ruim, dependendo da política econômica. O órgão está assumindo mais riscos; se der errado, pode perder as expectativas para o ano que vem. Mas seria precipitado dizer que ele vai errar.
Outros economistas estão convencidos de que o BC quer testar novas mínimas. Ninguém acredita que a inflação ficará na meta nem este ano nem no ano que vem. A inflação está caindo, mas a meta está se deslocando para um outro patamar, o que é ruim num país cuja meta já é em si bem alta para os padrões internacionais.
Para Luiz Roberto, o governo deu um bom sinal do ponto de vista fiscal ao aprovar o Fundo de Previdência Complementar. O Fundo está em tramitação ainda e só vai fazer diferença nas contas no longo prazo, mas é um sinal de que o governo não abandonou completamente a agenda de reformas.
Hoje, quando o mercado faz previsões de queda mais forte de juros mesmo com inflação acima da meta é porque sabe que o Banco Central não está buscando de forma rígida o centro da meta. Negocia no seu entorno. Aceita números maiores se isso evitar atritos dentro do governo.