Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 02, 2011

Clientelismo corporativo - Suely Caldas



O Estado de S. Paulo - 02/10/2011
 
 JORNALISTA, É PROFESSORA DE , COMUNICAÇÃO DA PUC-RIO , E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR, SUELY, CALDAS, JORNALISTA, É PROFESSORA DE , COMUNICAÇÃO DA PUC-RIO , E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR - O Estado de S.Paulo
A crise de conflito no Poder Judiciário, que quase inutilizou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - único e solitário órgão que tenta, e às vezes não consegue, punir juízes que praticam o que a presidente Dilma Rousseff chama de "malfeitos" -, é mais uma expressão da fragilidade do nosso sistema de defesa e preservação da ética na função pública.
Os "bandidos de toga", denunciados pela corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, não agem só no Poder Judiciário. À paisana, sem toga, eles estão espalhados também pelos Poderes Legislativo e Executivo Brasil afora - nos governos federal e estaduais, nas prefeituras, nas Assembleias Legislativas, nas Câmaras Municipais e, obviamente, no Congresso Nacional, onde sua ação é mais escancarada e condenada pela opinião pública.
Criado em dezembro de 2004, o Conselho Nacional de Justiça é o caçula da turma. No Executivo federal há a Comissão de Ética Pública, vinculada à Presidência da República e nascida em 1999, com a missão de instituir regras de conduta para o funcionalismo público e sugerir providências ao presidente quando essas regras são violadas. Mas não tem poder de investigar e punir, como tem o CNJ. O Poder Legislativo também tem o seu Conselho de Ética, o mais antigo dos três órgãos, o que mais trabalha (afinal, deputados e senadores dão muito trabalho nessa área) e o que menos pune.
Além disso, nos três Poderes há as chamadas corregedorias nas diversas unidades do Legislativo, do Judiciário e em determinados órgãos do Executivo, como a polícia. O sistema é completado pela Controladoria-Geral da União (CGU), com poder de investigar e sugerir punição a funcionários fraudadores do bem público, e pelo Tribunal de Contas da União (TCU), cuja função é zelar pela aplicação do dinheiro dos impostos pagos pela população.
Órgãos de controle existem, mas muito raramente funcionam porque carregam o erro de nascença de companheiros investigarem companheiros. Ou seja, em todos eles o corporativismo está impregnado, fingem que investigam, mas estão ali é para barrar punições, proteger seus pares fraudadores. Afinal, quem sabe, o julgador de hoje será o réu de amanhã?
Foi o que ocorreu há dias na Câmara dos Deputados, que absolveu a deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF), flagrada em vídeo recebendo dinheiro do delator do mensalão do DEM de Brasília, Durval Barbosa. A defesa de Jaqueline argumentou que ela recebeu propina antes de se eleger deputada e que a cassação de seu mandato criaria um precedente perigoso para todos os presentes naquele plenário. Como a maioria ali tem rabo preso no passado, Jaqueline foi absolvida (em votação secreta, escondida do eleitor) por 265 votos a favor, 166 contra e 20 abstenções.
Na mira da opinião pública, o Poder Legislativo é o mais exposto, até porque seus representantes são campeões em irregularidades, além de exímios pizzaiolos. Na quarta-feira, o Conselho de Ética da Câmara arquivou acusação contra o deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP), envolvido em fraudes no Ministério dos Transportes, sem sequer abrir investigação.
Reincidente, Costa Neto é réu no processo do mensalão e foi um de seus principais atores. Renunciou ao mandato para não ser cassado e voltou triunfante à Câmara dos Deputados, com todos os poderes no Ministério dos Transportes, que o ex-presidente Lula entregou ao seu partido. Em defesa de Costa Neto, o relator do processo, o deputado do PT Amauri Teixeira, argumentou: "Não se pode banalizar o Conselho de Ética". Ou seriam os deputados que banalizaram a corrupção depois que Lula instituiu o perdão para os corruptos?
O mais corporativo - Embora o Legislativo seja o mais exposto, o Judiciário é o mais corporativo dos três Poderes. A reação imediata e indignada do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, à denúncia da corregedora Eliana Calmon contra os "bandidos de toga" é o retrato vivo desse corporativismo.
A disposição da corregedora de investigar e punir juízes que vendem sentenças e praticam outras irregularidades assustou Peluso, que viu nela um risco real de punição da classe e de tornar públicas ações suspeitas dos companheiros de toga. Ele propôs ao STF voltar às corregedorias dos tribunais a responsabilidade de investigá-los e puni-los. Com isso esvaziava e tirava o poder do CNJ, no qual Eliana Calmon atua como corregedora nacional.
E como as corregedorias dos tribunais brincam de investigar, tudo ficaria como dantes no quartel de Abrantes. Mas a pronta reação da opinião pública e do Congresso Nacional - que se sente injustiçado por carregar o peso maior da história - levou Peluso e o STF a recuarem.
Em seis anos de existência, o CNJ efetuou 50 condenações e a pena máxima tem sido a aposentadoria compulsória. Ou seja, o juiz é afastado, não trabalha nem profere mais sentenças, mas continua recebendo salário. É o caso do juiz Abrahão Lincoln Sauáia, do Maranhão, acusado de proferir sentenças estranhas, como a que obrigou a Vasp a pagar indenização de R$ 1,7 milhão a um passageiro que teve sua mala extraviada.
No Poder Executivo, a Comissão de Ética Pública tem sua ação limitada a fiscalizar o cumprimento de regras de conduta dos funcionários, mas não investiga nem pune.
Em 2007, a comissão sugeriu ao ex-presidente Lula que demitisse o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, caso ele insistisse em acumular o cargo de presidente do PDT, incompatível com a função de ministro. Lupi deixou apenas formalmente a presidência do partido, mas continua participando das reuniões e aparelhou o Ministério do Trabalho com muitos filiados ao PDT. E tudo ficou como dantes no quartel de Abrantes.
Mais recentemente, a mesma comissão recusou avaliar o rápido enriquecimento do patrimônio do ex-ministro Antônio Palocci. Seu presidente, Sepúlveda Pertence, considerou isso desnecessário.
A Controladoria-Geral da União tem poder de investigar fraudes, mas concentra a sua apuração em casos menores. Naqueles que envolvem ministros e funcionários poderosos a CGU só age (e quando age) provocada pela imprensa.
Em recente declaração, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse temer a substituição do clientelismo político pelo corporativismo que impeça o Estado de defender o interesse da população para se concentrar nos interesses de grupos organizados. Ele foi generoso. Há muito tempo clientelismo e corporativismo convivem no poder público.

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