O GLOBO
O Chile sempre foi apontado como modelo na região. Foi o país de crescimento mais rápido na América Latina em duas décadas, foi o que fez reformas mais cedo, tem a maior renda per capita, a melhor situação fiscal, e foi o que primeiro começou a se preparar para dias mais difíceis do ponto de vista fiscal. O dia difícil chegou. E agora se verá a vantagem de estar preparado.
Neste momento, a solidez fiscal ajudará a reconstrução de um país onde a terra tremeu numa dimensão que nenhum brasileiro, que não estava lá na hora, pode imaginar.
Deve ter sido aterrorizante para pessoas de um país que dorme no meio de estáveis placas tectônicas.
Como disse, de lá, a escritora Ana Maria Machado, em entrevista, se a noção de segurança para os seres humanos vem da terra firme, o que se pode dizer quando a terra não fica firme? O custo humano e econômico do terremoto é alto, mas o que o Chile está ensinando é que vale a pena se preparar.
Na economia, o país decidiu assim que o cobre começou a subir — junto com todas as outras commodities metálicas —, a partir de 2003, que era necessário constituir um fundo de reserva.
O nosso fundo foi feito na undécima hora. O deles, na primeira.
Em 2003, o país conseguiu com o cobre, que representa 50% das exportações, US$ 7,8 bilhões. No ano seguinte, o dobro disso, e continuou aumentando, até chegar a 2007, no pico, em que a exportação do produto rendeu US$ 37 bilhões ao Chile. Nos anos seguintes, caiu (veja o gráfico).
Nesse boom, de 2004 a 2007, o Chile decidiu constituir fora do país um fundo que impedia que a entrada excessiva de dólares da exportação valorizasse exageradamente o peso, e ainda promovia uma reserva para contingências. Isso, além do aumento das reservas cambiais e do ajuste das contas públicas.
Ele não é perfeito. Tem um aleijão fiscal que é a lei que determina que parte das receitas da Codelco, estatal de cobre, seja uma espécie de recurso extra-orçamento que financia as Forças Armadas. Esse atalho fiscal criado pelo governo militar nunca foi corrigido em duas décadas de governo civil de centro-esquerda.
O novo presidente, Sebastián Piñera, do partido de direita, prometeu alterar isso. A conferir.
As contas ajustadas, as reservas cambiais, o fundo de reservas off-shore, a reputação de ser fiscalmente responsável, tudo isso ajudará agora o Chile na hora da reconstrução.
O terremoto é doloroso seja qual for a situação. As primeiras contas mostram a necessidade de reconstruir 1,5 milhão de residências, o setor mais afetado.
Parte da infraestrutura foi atingida, o que complica a vida de um país que tem modelo exportador e é a economia mais aberta da América Latina.
O novo governo, que assumirá em oito dias, herdará o caos provocado pelo terremoto, a desordem civil criada pelo surto de saques, e o descontentamento social.
Assumirá o país que teve, depois de longo crescimento, uma recessão de 1,9% no ano passado e que em 2010 estava começando a retomar o crescimento.
Os analistas das diversas consultorias internacionais, que se debruçam sobre o Chile agora para fazer projeções, coincidem em que o primeiro trimestre foi definitivamente afetado.
Em março, a economia cresceria no ritmo de 4%, e ninguém sabe se vai crescer.
As previsões são otimistas no geral. A ideia é que o país retomará a normalidade na produção de cobre — o Chile é responsável por 35% da exportação mundial do metal — e voltará a atrair investimentos.
Tanto que o cobre subiu na segunda-feira, num primeiro momento, mas depois cedeu um pouco com a melhora das expectativas em relação à capacidade do país de voltar à normalidade. O peso se desvalorizou, para se recuperar ontem.
O Chile, no período do seu crescimento sustentado, reduziu drasticamente seus problemas sociais. De 1990 a 2006 diminuiu em 21% a desigualdade entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres. Reduziu o percentual de pobres em 64% e de extremamente pobres em 75%. Tem os melhores indicadores educacionais da região. Além disso, sabedor de que é uma área sujeita a terremotos e tsunamis, investiu no reforço da defesa civil.
Mesmo com todas as prevenções contra crises e desastres, o país está contando seus mortos e se preparando para um longo trabalho de reconstrução. De qualquer maneira, o Chile prova que o responsável é sempre se preparar para dias piores. Ele precisará de ajuda internacional e o custo será alto, mas o país tirou o melhor proveito dos momentos de abundância e terra firme. Já fez um bom trabalho por anos a fio, agora precisa de sorte. E solidariedade.
Que tenha os dois
Entrevista:O Estado inteligente
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