O Estado de S.Paulo - 02/03/2010
A pesquisa Datafolha registrando as perdas (para José Serra) e os ganhos (para Dilma Rousseff) da pré-disputa eleitoral nos últimos dois meses não surpreendeu, mas abalou os nervos da oposição e deve alterar a agenda do PSDB para o mês de março.
O governador de São Paulo continua firme na decisão de só anunciar oficialmente a candidatura no início de abril, o que faz com que seus companheiros de partido antevejam um período de adversidades daqui até lá. Será uma travessia dura de aguentar, constatam.
Serra já sabia que as pesquisas apontariam o crescimento de Dilma e havia sido alertado que poderia mesmo haver um empate técnico. Ainda assim, no sábado, quando os números da pesquisa já circulavam dando conta da redução da dianteira do tucano para 32% e do aumento do porcentual da petista para 28%, o tucanato constatou que, se algo não for feito no campo da comunicação com a sociedade, na próxima pesquisa Dilma poderá passar à frente de Serra.
Esse "algo" teria também o objetivo de pôr um fim às especulações de que o governador desistiria da candidatura presidencial para concorrer à reeleição.
Essa hipótese está fora de cogitação na seara tucana. É disseminada pelo PT, por motivos óbvios, e, segundo identificou o PSDB, por lideranças do partido que ainda apostam na possibilidade de o governador Aécio Neves vir a disputar a Presidência.
Como antecipar o anúncio Serra não vai, o mais provável é que faça gestos no sentido de confirmar a candidatura, deixando claro que a data do anúncio não altera a decisão, já tomada, de se candidatar.
Que tipo de gesto? Por exemplo, semelhante ao feito no carnaval, quando Serra compareceu a camarotes em desfiles no Nordeste. Não o fez por amor a Momo, mas para marcar presença de candidato.
No PSDB a expectativa é de que o primeiro desses "gestos" seja feito nos próximos dias em Minas Gerais, durante a festa em comemoração aos 100 anos de nascimento de Tancredo Neves, avô do governador Aécio e sonho de consumo de 11 em cada 10 tucanos interessados na chapa puro-sangue.
Cautelosos, os correligionários de José Serra não ousam falar na possibilidade de o governador de Minas fazer a gentileza partidária de, na ocasião, dar algum sinal de que está viva a hipótese da composição dos dois em uma chapa e mortíssima a ideia de ser o candidato no lugar de Serra.
Não falam, mas torcem para que ocorra algo nessa linha.
Qualquer coisa para fazer frente à ofensiva governista, que, além da campanha de Lula, ainda teve a seu favor a realização do Congresso do PT com o lançamento da candidatura de Dilma Rousseff e o noticiário desfavorável ao PSDB por causa das enchentes em São Paulo.
Por mais que o partido procure manter a frieza e analisar os números com racionalidade face às circunstâncias, em disputas políticas desprovidas de conteúdo como as nossas, o que vale são as aparências.
Até agora, o que sustenta o ânimo da oposição é a dianteira de Serra a despeito da campanha explícita, diária e poderosa do presidente Luiz Inácio da Silva em prol de sua candidata.
Se Dilma assumir a liderança, o trunfo se perde. Ainda que não signifique uma representação real do cenário da campanha propriamente dita, isso tem influência na composição de alianças com partidos que compõem a base governista e não pretendem abdicar do posto seja quem for o presidente.
Pacto sinistro
Qual seria a opinião da combativa Dilma Rousseff se um presidente soi-disant de esquerda, de país democrático, autor de um plano de defesa dos direitos humanos que visitasse o Brasil durante a ditadura militar e ignorasse os presos e torturados, tripudiasse de suas agruras, para se confraternizar com o regime?
A dúvida não inclui o então sindicalista Luiz Inácio da Silva, que já se manifestou mais de uma vez sobre sua alienação a respeito do que se passava no País para além do ufanismo do "Brasil grande" em que a economia era celebrada e as liberdades, as garantias e os direitos civis ignorados.
Mal comparando, é mais ou menos como ocorre hoje em relação ao caráter excludente entre os conceitos de ética e governabilidade.
Refém do autoritarismo, prisioneira nos subterrâneos do arbítrio, a jovem militante Dilma teria todos os motivos para desconfiar da sinceridade dos propósitos democráticos do governante em questão.
Pois é exatamente essa semente da suspeição que Lula plantou nas mentes que tanto o admiram no plano internacional com as declarações desumanas que fez em Havana a respeito da greve de fome, da morte e em apoio ao tratamento que a ditadura cubana conferiu ao caso do dissidente Orlando Zapata.
José Mindlin
Não é sempre, mas de vez em quando soa injusto quando a natureza aplica a regra geral da inexorabilidade da partida
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