O GLOBO
O governo está usando até o limite da irresponsabilidade a permissão para gastar dada aos governos nacionais pela crise financeira que se abateu sobre o mundo a partir de setembro do ano passado, com a quebra do banco Lehman Brothers nos Estados Unidos.
Por ser um emergente que vem há anos mantendo seu equilíbrio fiscal e a inflação sob controle, o Brasil parece ter uma “licença especial” do mercado financeiro internacional, e a deterioração das contas públicas em curso não assusta a curto e médio prazos.
O novo aporte de R$ 80 bilhões para o BNDES incentivar setores da economia, especialmente bens de capital, deve aumentar a dívida bruta mais ainda. Um número que passa a ser observado com atenção mesmo que não afete as estatísticas fiscais.
O Ministério da Fazenda está usando o que o mercado identifica como “um truque” para repassar recursos aos bancos públicos sem aumentar a dívida líquida, esse sim um número que o mercado financeiro acompanha, especialmente sua relação com o PIB.
Desde junho de 2008, o volume de crédito do BNDES, que era insignificante para as contas públicas, subiu bastante, ficando em torno de 5% do PIB. Com as novas medidas anunciadas ontem, vai a bem mais. O governo também está usando os bancos públicos como a Caixa Econômica e o Banco do Brasil para expandir o crédito.
A dívida pública bruta passou para 66,5% do PIB, e deve chegar a mais de 70% em 2010 com os novos repasses.
Países que têm investment grade como o Brasil possuem uma dívida bruta em torno de 40% do PIB, embora os Estados Unidos já tenham chegado aos 80% devido às medidas que tomou por conta da crise.
Não há uma situação dramática, mas ela exige algumas decisões e provavelmente ajustes no ano que vem, como a subida dos juros, e outras, mais aprofundadas, para 2011, no começo do mandato do novo presidente.
A relação dívida líquida/ PIB hoje é de 44%, e com o PIB um pouco maior, até mesmo por revisões periódicas que o IBGE vem fazendo, vai cair um pouco mais. Estamos com um superávit primário bem menor em relação a anos anteriores, mas este ano tudo perdeu relevância diante de um contexto anômalo.
Só que a partir do ano que vem o mundo volta ao normal, e provavelmente o governo vai utilizar os recursos do fundo soberano do pré-sal de 0,5% do PIB como forma de suavizar o resultado primário.
Com a queda dos juros, inclusive na expectativa de longo prazo, foi possível reduzir o superávit primário.
Mas há indicadores que provocam alerta.
Segundo um estudo do economista Fabio Giambiagi, publicado ontem no site do BNDES, “o salto da despesa primária do governo central impressiona: ela era de 13,7% do PIB quando as estatísticas passaram a ser apuradas na sua forma atual, em 1991; alcançou 16,5% PIB em 1994, ano do lançamento do Plano Real; cresceu até 19,5% do PIB no último ano da administração FHC, em 2002.” Segundo o estudo, estimase que esses gastos cheguem a 23,6% do PIB em 2010, último ano do governo Lula, apesar de na década atual o PIB ter se expandido depois de 2003 a um ritmo mais rápido que nos anos anteriores — mesmo considerando a crise de 2009.
Esses gastos, que correspondem especialmente a benefícios do INSS, pagamento de pessoal e transferências a estados e municípios, aumentaram nada menos que 7,5% do PIB.
A decisão do governo de dar também aumento real para os aposentados que ganham mais de um salário mínimo, se por um lado evitou o pior, que era um projeto de lei do Congresso que igualava todos os aposentados, por outro introduziu mais um gasto público na conta já alta.
Nos últimos 15 anos, a variação acumulada real do salário mínimo foi de 109,20%, e os aposentados que ganham mais de um salário tiveram ganho real de 22,05% nesse mesmo período.
Com esses reajustes acima da inflação, o salário mínimo deixou de ser um instrumento de correção de injustiças sociais, pois seu valor avançou na escala de rendimentos, estimando-se que em 2007 tenha alcançado 41% do rendimento médio.
Segundo estudo de Fabio Giambiagi e Samuel Franco, o salário mínimo já representava “um valor correspondente a mais de duas vezes o rendimento médio dos 20% mais pobres e quase 20% superior ao rendimento médio dos 50% mais pobres em nível nacional e, no Nordeste, seu valor era inclusive maior do que o rendimento da média dos 90% mais pobres”.
No caso das aposentadorias, há estudos que mostram que mais de ¾ daqueles que recebem valor equivalente ao salário mínimo estão localizados entre o quarto e o oitavo décimo da distribuição de renda.
No caso das pensões, 85% estão entre o quarto e o nono décimo da distribuição. A maior parte das pessoas que recebem o salário mínimo no trabalho, em pensões ou aposentadorias, segundo esses estudos, não pode ser considerada pobre pelo padrão brasileiro.
A dinâmica da dívida ainda não é um problema, na opinião de alguns analistas, mas desde que o crescimento da economia seja forte e os juros possam continuar a cair. A previsão para o próximo ano é de um crescimento entre 5% e 6% do PIB, mas nada indica que esse ritmo possa ser mantido nos próximos anos e, mais que isso, é provável que os juros tenham que subir, mesmo que lentamente, para conter esse crescimento a médio prazo.
No primeiro ano do próximo governo, no entanto, será preciso aumentar o superávit primário para cerca de 2,50% do PIB — maior que o 1,5% deste ano e bem menor do que os anteriores, maiores que 4% do PIB.
Uma coisa que já está contratada é a redução do investimento público em 2011, pela necessidade desses pequenos ajustes fiscais. Caso contrário, ou o superávit não poderá aumentar ou terá que haver um aumento da carga tributária, já considerada excessiva