Aloísio de Toledo César |
O Estado de S. Paulo - 08/10/2009 |
Alguns milhões de brasileiros devem ter visto pela televisão a imagem de um trator de sem-terra que no interior paulista invadiu fazenda de produção de laranjas e passou a destruir as plantações. Imagino o que seria deles se fizessem isso nos Estados Unidos, a nação mais aberta do mundo, e até mesmo no Irã, quem sabe a mais fechada e rancorosa. Muitos de nós nos sentimos como se o trator tivesse passado por cima do Brasil e, por isso, virão uns dias de mau humor, alguns discursos de parlamentares ruralistas e depois tudo continuará na mesma, por uma razão de clareza solar: o País está com medo dos sem-terra. Se um cidadão comum invadisse a fazenda com seu trator, certamente seria preso e responderia a processo criminal, talvez até mesmo encarcerado. No caso dos sem-terra, a situação é muito diversa, eles a toda hora dão o exemplo que faz lembrar a velha anedota: pode sentar e passar a mão que o leão é manso. Alguém vai preso? Vai nada. Manso, manso mesmo, está o País, que percebe a degradação progressiva das instituições e se mantém inerte, anestesiado ou, para ser mais claro, frouxo ao extremo. Neste ano que antecede as eleições, cabe uma pergunta bastante elucidativa: qual o governante que tem coragem de enfrentar os sem-terra? O principal deles, com aprovação popular de quase 80%, empenhado na eleição do sucessor, vê os sem-terra como preciosos aliados, e talvez sejam mesmo, porque servem para propagar a errônea ideia de que este é um governo voltado para o social, que distribui não só dinheiro às classes menos favorecidas, mas também terra à vontade. Terra para todo mundo, menos para os verdadeiros lavradores! Estatísticas do IBGE mostram que 22% das terras do Estado de São Paulo, na enorme região do Pontal do Paranapanema, hoje são constituídas de assentamentos de sem-terra, que se assemelham, em grande parte, a favelas rurais. Os sem-terra não são lavradores, são antes cidadãos urbanos espertos que se agruparam, participaram do movimento e conseguiram um lote para produção agrícola. Mas, pelo fato principal de não serem lavradores, não sabem produzir. Isso faz com que aquela parte do território paulista, que sempre foi a mais pobre, fique mais empobrecida ainda, em consequência da queda da produção. Esse quadro aponta para uma inacreditável contradição, prestes a concretizar-se. A mais recente decisão imperial de Lula, de exigir maior produtividade dos produtores rurais, sob pena de desapropriação das terras, se levada à risca, poderia resultar na tomada dos lotes da grande maioria dos assentados. Eles não sabem e não conseguem produzir, com raríssimas exceções. E aqui se chega ao paradoxo: o companheiro Lula será capaz de tomar terra dos sem-terra? Se cumprir a lei, é claro que teria de fazê-lo. Mas, temos visto, cumprir a lei não é o lado forte do presidente. Ao assumir o cargo, jurou cumprir as leis e a Constituição federal, mas logo se esqueceu (ou ignorou) que esta, nos capítulos iniciais, impõe como cláusulas pétreas a existência de um Estado de Direito e o direito de propriedade. O Estado de Direito é aquele em que os direitos subjetivos e fundamentais são obrigatoriamente respeitados. Nele tudo se conduz conforme a lei e jamais conforme a vontade imperial de um governante que deve ser temporário. Neste ponto, é necessário dar um desconto e concluir que o presidente Lula talvez necessite mesmo de atos de governo que o compensem psicologicamente, apesar das contradições. A primeira delas, que o atormenta, é a de ser um homem de esquerda a realizar um governo de direita na área econômica. Realmente, quem tiver o trabalho de fazer comparações entre a sua administração e a de Fernando Henrique Cardoso logo concluirá que as diferenças são pouco expressivas, tendo havido, isso sim, uma continuidade do trabalho dos burocratas dessa área. Enfim, cristalizou-se nos dois governos completa submissão ao capitalismo. É possível que Lula, para não se render por completo àquilo que mais odiava - o regime que o discriminou no início de sua escalada política -, estabeleça para si próprio a referida compensação psicológica. Como precisa dormir à noite, e deve doer-lhe a cabeça por verificar que seu governo é mesmo um governo rendido ao capital, verdadeira maldição para um homem de esquerda, ele estimula com a mão do gato movimentos que buscam se contrapor ao capitalismo. Talvez se divirta com isso, rindo não de si mesmo, mas, quem sabe, de nós. Daí os seus devaneios venezuelanos e a rendição ao grosseiro presidente vizinho, que também se diverte, à sua moda, produzindo coca, da qual se extrai a cocaína vendida ao Brasil e que necrosa progressivamente o tecido social. Sempre se diz que a reforma agrária tem por finalidade aumentar a produção de alimentos e estabelecer a paz no campo. No trabalho Agropecuária - Atividade de Alto Risco, Nelson Ramos Barreto e Paulo Henrique Chaves mostram claramente que a produção de alimentos diminuiu, com os assentamentos rurais, e a violência quintuplicou. De forma assustadora, eles mostram que 70% das terras brasileiras estão "engessadas", ou seja, praticamente impedidas de produzir, em função das reservas indígenas, florestas de preservação permanente, reservas legais das encostas e assentamentos rurais. Nesse quadro, o território brasileiro ocupável para a verdadeira produção estaria restrito a mais ou menos um terço, ou seja, o tamanho de nossa concorrente Argentina. Deus mostre que é brasileiro e nos ajude. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, outubro 08, 2009
O País com medo dos sem-terra
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