Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 10, 2009

Nobel Obama ganha o Prêmio da Paz

O prêmio preventivo

Barack Obama é o terceiro presidente americano a
ganhar o Nobel da Paz durante o mandato. A diferença
é que, desta vez, ele não foi homenageado pelo que fez,
mas pelo que se quer impedir que ele venha a fazer


Thomaz Favaro

Gerald Herbert/AP
A justificativa do comitê
Obama foi escolhido por "dar ao mundo a esperança de um futuro melhor". Matar o terrorista Osama bin Laden e eliminar a Al Qaeda daria ao mundo um futuro melhor. Isso contou na escolha?

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Seu nome não aparecia na lista dos favoritos. Robert Gibbs, porta-voz da Casa Branca, reagiu com um "uau!" quando soube por um jornalista que Barack Obama havia sido o ganhador do Nobel da Paz de 2009. Ele é o terceiro presidente americano a levar o prêmio enquanto dá expediente na Casa Branca. O primeiro foi Theodore Roosevelt, em 1906, pelo desempenho como mediador da paz entre russos e japoneses, que estavam em guerra pelo controle de territórios no Extremo Oriente. Woodrow Wilson conquistou o prêmio em 1919 por ter sido o inspirador da criação da Liga das Nações, a organização precursora da ONU. A diferença é que, desta vez, o presidente americano não foi lembrado por ações efetivas em favor da paz. Obama foi escolhido por ser Obama – e talvez na vã esperança de que ele continue sendo Obama mesmo quando o telefone tocar às 3 da madrugada com alguma notícia que o obrigue a fazer chover Tomahawks na cabeça de um inimigo qualquer. Pela natureza eminentemente política do prêmio, seu ganhador é escolhido por uma comissão formada por cinco membros do Parlamento da Noruega. A escolha reflete a hegemonia política de momento na casa legislativa norueguesa. Obama foi escolhido como uma manifestação tardia mas simbólica de condenação a George W. Bush, seu antecessor.

O ex-primeiro-ministro norueguês Thorbjorn Jagland, um dos responsáveis pela premiação, diz que a homenagem serviu "não apenas para endossar como para realçar o tipo de política internacional e a atitude defendidos por Obama". Que política? Que atitude? Fora o descomunal carisma, a voz agradável, os discursos elegantes e o sorriso permanente, Obama nada fez nesses seus nove meses de governo para merecer o prêmio. Não mediou com sucesso uma guerra, não aplacou a fome de legiões de famintos, não destronou ditadores sanguinários, não arbitrou conflitos potencialmente desastrosos. Falar em um mundo sem armas atômicas ou aliviar uma tensão sem consequências com a Rússia, cancelando a instalação de mísseis na Polônia, não lhe dá assim o perfil de um Mahatma Gandhi – que, aliás, apesar das inúmeras indicações, nunca ganhou o Nobel da Paz. Também não parece muito mais do que propaganda a linha de conduta de tentar esgotar os recursos diplomáticos com o Irã ou a Coreia do Norte, países que buscam obcecadamente a construção de um arsenal nuclear agressivo disfarçado de "uso pacífico da energia atômica". A retirada das tropas americanas do Iraque, que parece inevitável, deve intensificar a matança entre as facções fratricidas locais. Aumentar a sangria no Iraque também não se qualifica como um gesto pacífico.

Não é a primeira vez, entretanto, que o Nobel é concedido antecipadamente, recompensando mais a intenção do que os atos. Em 1971, Willy Brandt, primeiro-ministro da Alemanha Ocidental, ganhou o prêmio pelo seu esforço para normalizar as relações de seu país com o bloco soviético, incluindo a Alemanha Oriental. A intenção só se concretizou um ano depois, com a assinatura do Tratado Básico, em que pela primeira vez as duas Alemanhas estabeleciam relações formais. Em 1994, o palestino Yasser Arafat e os israelenses Yitzhak Rabin e Shimon Peres receberam o prêmio pelas negociações de paz – que até hoje estão paralisadas. O mais adequado talvez fosse ter dado a Obama o "Nãobel da Paz", um prêmio pela inação.

Fotos Hulton Archive/Getty Images e Bettmann/Corbis/Latinstock

Legados
Theodore Roosevelt e Woodrow Wilson, presidentes laureados com o Nobel:
o primeiro mediou o fim de uma guerra; o outro criou a Liga das Nações

Há lógica nas ciências

As premiações em Física, Medicina e Química
seguem um padrão que permite acompanhar
a evolução do conhecimento humano


Adriana Dias Lopes, Naiara Magalhães e Paula Neiva


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Muitas das pesquisas contempladas com o Nobel no campo das ciências são indecifráveis para a maioria das pessoas ou têm aplicação restrita no cotidiano. Os vencedores dos prêmios de Física, Química e Medicina (ou Fisiologia) deste ano pertencem a outra categoria. São pesquisadores cujas contribuições promoveram revoluções de ordem prática, ainda que indiretamente, na vida das pessoas. O engenheiro elétrico Charles K. Kao, um chinês radicado nos Estados Unidos, que ficou com metade do 1,4 milhão de dólares do prêmio de Física, tornou possível o uso das fibras ópticas para a transmissão de informações a longas distâncias. Sem esse recurso, a internet de banda larga, entre outros avanços, seria inviável. Os físicos americanos Willard S. Boyle e George E. Smith, que dividiram a outra metade do prêmio, desenvolveram o circuito semicondutor capaz de captar e reproduzir imagens, usado em câmeras digitais. Cada vez que alguém tira uma fotografia digital deveria agradecer aos dois.

Um abismo conceitual separa os vários Nobel de ciências, de um lado, e os da Paz e da Economia, de outro. Os critérios usados na escolha desses dois últimos são, por natureza, políticos e efêmeros. O prestígio dos laureados pode não resistir à passagem do tempo, e nem sempre é fácil traçar uma linha coerente ligando os premiados desde 1901. No caso das ciências, o fator decisivo da premiação é a contribuição objetiva de uma pesquisa. O prestígio dos laureados resiste ao tempo e dá credibilidade a todo o seu trabalho posterior. Poucas vezes a escolha foi um equívoco. Um deles foi o prêmio concedido ao português António Egas Moniz pela invenção da lobotomia, cirurgia que extirpa parte do cérebro a pretexto de curar distúrbios mentais. Essa mutilação inútil está hoje totalmente desmoralizada. "As premiações parecem seguir um padrão, que muda de tempos em tempos. Ou seja, em determinado momento histórico, algumas áreas são mais valorizadas", disse a VEJA o biólogo molecular e bioquímico americano Tom Steitz, vencedor do Nobel de Química deste ano.

Apesar das oscilações, há coerência na sequência. Se tomarmos como ponto de partida os premiados deste ano, por exemplo, é possível observar a lógica evolutiva entre eles e contemplados no passado. A árvore genealógica de suas pesquisas tem raízes em trabalhos laureados anteriormente. Nesse caso é o estudo da luz, cujo rol de premiados inclui Albert Einstein, o ícone da genialidade científica (veja o quadro).

Os laureados em Química e Medicina deste ano desvendaram dois dos mais importantes processos biológicos relacionados à reprodução celular e, por consequência, à manutenção da vida. "Fomos motivados pela simples curiosidade em entender como as células preservam a porção final de seu DNA. É maravilhoso pensar que nossa pesquisa básica abriu novos rumos na luta contra o câncer e as doenças degenerativas", disse a VEJA o biólogo americano Jack W. Szostak, professor de Harvard, que levou um terço do prêmio de Medicina e agora se dedica a desvendar como as primeiras células se formaram no planeta, bilhões de anos atrás. Talvez o trabalho que ajudou a explicar parte do funcionamento de nosso material genético ajude a esclarecer, no futuro, como o homem surgiu no planeta.

Com reportagem de Laura Ming, Carolina Romanini e Juliana Cavaçana


Perseguida e consagrada

Jack Mikrut/Scanpix Sweden
DESGRAÇA POLÍTICA
Herta Müller: o comunismo foi uma "experiência avassaladora"


Pouco conhecida fora dos círculos literários europeus, Herta Müller, de 56 anos, é a 12ª mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. Nascida na Romênia, mas parte da minoria de fala alemã no país, Herta foi perseguida pela ditadura de Nicolae Ceausescu, um dos regimes mais draconianos da Europa comunista. Em 1987 - dois anos antes de Ceausescu ser deposto e executado -, ela se exilou com o marido na Alemanha, país onde já publicava suas obras, para fugir à censura romena. Adotou cidadania alemã e hoje vive em Berlim. Embora seus livros - dezenove, incluindo romances e coletâneas de contos e poemas - tenham alcançado uma boa reputação crítica, está claro que a motivação da Academia Sueca, que concede o prêmio, foi (como de costume) mais política do que literária. No anúncio oficial do prêmio, na quinta-feira 8, falou-se de Herta como uma escritora que dá voz aos "despossuídos". Peter Englund, secretário da Academia, elogiou a "precisão das palavras" da escritora - e também sua capacidade de dar ao leitor "a noção do que é viver sob uma ditadura". Um prêmio, enfim, para marcar os vinte anos da queda do Muro de Berlim, que deu início ao fim do terror comunista na Europa.

O Compromisso, o único livro da autora publicado no Brasil, pela editora Globo (tradução de Lya Luft), narra a história de uma operária da indústria têxtil que, na Romênia comunista, costura bilhetes nos bolsos de calças destinadas à Itália, com a mensagem "case comigo". Ela cai em desgraça quando a polícia descobre seu ingênuo estratagema para fugir do país. A própria autora passou por tribulações semelhantes. De 1977 a 1979, trabalhou traduzindo manuais técnicos em uma fábrica de tratores. Seus colegas no serviço eram todos colaboradores da Securitate, a polícia política de Ceausescu. Instada a colaborar também, a escritora se recusou e foi demitida. A partir de então, viveu acossada por ameaças, até deixar a Romênia. "A experiência mais avassaladora da minha vida foi a ditadura. Viver na Alemanha não apagou esse passado", disse Herta.

Em 2008, pouco antes do anúncio do prêmio para o francês Jean-Marie Gustave Le Clézio, o então secretário da Academia Sueca, Horace Engdahl, deu uma entrevista criticando o suposto caráter "insular" da literatura americana - e afirmando a centralidade das letras europeias. Englund, seu sucessor no cargo, fez afirmações no sentido contrário antes do anúncio da semana passada: disse que os membros da academia deveriam se vigiar para não ser "eurocêntricos". Essas declarações deram a impressão de que neste ano o prêmio iria para um americano. Não foi o que ocorreu: a distinção foi para uma autora que deu voz ao passado de sombras do Leste Europeu. Um escritor como Philip Roth, americano que nunca viveu sob um regime totalitário, terá de esperar.

Jerônimo Teixeira

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