Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 06, 2009

Mírian Leitão Sem horizonte

Panorama Econômico -
O Globo - 06/10/2009

Os investimentos ainda não voltaram. Siderúrgicas retomaram apenas 10% dos projetos cortados na crise. Montadoras, 7%. Mineradoras continuam cortando. As empresas contam que para investir é preciso estar sobretudo confiante de que no futuro haverá mercado para seu produto. O governo cobra dos empresários, mas não tem feito a parte dele. Investe pouco, gasta mal

As empresas, mesmo as de setores ajudados pelo governo na crise, não retomaram totalmente seus projetos.

É o caso da siderurgia, que se beneficiou com aumento de alíquotas para protegerse do aço importado da China. O setor cortou R$ 36 bilhões de investimentos previstos e só retomou R$ 4 bilhões. O setor automotivo, que teve a vantagem da redução do IPI, suspendeu R$ 15 bilhões e retomou apenas R$ 1 bilhão.

Investimento é crescimento futuro, é capacidade para produzir mais. Só que as empresas não estão tão certas do que têm pela frente.

A demanda externa continua enfraquecida e economistas têm alertado para o risco de uma segunda onda de recessão mundial. O tal cenário de crise em W. O governo quer empresas investindo e justifica que a demanda vai subir rapidamente no próximo ano. Mas quem garante? — Pressão não funciona.

E o governo não tem razão em fazer essa pressão. Nenhuma empresa deixa de investir tendo a necessidade e as condições. A lógica de uma empresa capitalista é de se expandir, fazer mais negócios — afirma Flávio Castelo Branco, economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

As empresas de uma forma geral tomam decisões de investimento com base em três fatores: segurança sobre o futuro; elevado uso da capacidade instalada; e boas condições de financiamento.

Esses fatores melhoraram nos últimos meses, mas não são suficientemente consistentes.

Os empresários industriais continuam menos confiantes do que antes da crise. Segundo sondagem da FGV, o nível de confiança está em 109,5 pontos, ainda abaixo dos 115 pontos de antes de setembro de 2008. O dado mais recente da CNI mostra que o uso da capacidade instalada estava em 79,9% em julho, também aquém dos 83,1% do período anterior. E o crédito para as empresas não voltou tão bem quanto o para pessoas físicas.

Sem esses fatores, algo como R$ 98 bilhões em investimentos foram cortados de setembro a dezembro do ano passado, no pior momento da crise. Desde então, em torno de R$ 30 bilhões foram retomados (cerca de 30%), segundo recente estudo do BNDES. Outros R$ 20 bilhões surgiram em investimentos novos em áreas como petróleo e saneamento básico, um caso à parte.

O governo prega os investimentos, mas também não os faz. Cobra dos empresários, mas investe muito menos do que poderia. E gasta mal. Tem R$ 50,5 bilhões autorizados para investir neste ano, mas até a semana passada apenas 38% desse valor foi efetivamente aplicado. E essa bolada já considera o desembolso de restos a pagar do ano passado, segundo dados do Siafi analisados pela ONG Contas Abertas. O governo cansou de dizer que isso significa um crescimento na faixa de 20% sobre o ano passado, o que parece promissor. Só que no ano passado o Congresso demorou a aprovar o Orçamento, e sem ele não se pôde fazer investimentos.

Ou seja, a base de comparação é muito baixa.

O governo também troca as mãos pelos pés quando tenta acelerar as obras. O Tribunal de Contas da União (TCU) acaba de divulgar relatório em que recomenda a paralisação de 41 obras com irregularidades, algumas com problemas graves. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, reclamou que o TCU vai atrasar os projetos. A pressa não pode ser argumento para justificar erros.

— O governo cobra investimentos, mas também precisa fazer a parte dele — afirma Castelo Branco.

Os setores mais ligados ao mercado externo foram os mais afetados, e também os que mais cortaram investimentos e empregos.

Mas a demanda externa continua baixa e cheia de incertezas. Isso tem abalado, por exemplo, o setor de mineração. O presidente da Anglo Ferrous Brazil, Stephan Weber, afirma que existe consenso que o setor vai se recuperar, a questão continua sendo quando.

— Os economistas falam de dois a sete anos para se recuperar o patamar do pré-crise — afirma.

A mineração cortou R$ 20 bilhões entre agosto e dezembro do ano passado, e mais R$ 6 bilhões até agora.

O investimento não voltou porque, além da demanda, o crédito não é mais como antes.

Meses atrás, no pior momento da crise, a Anglo Ferrous Brazil adiou de seis a 12 meses investimentos no projeto Minas-Rio, de US$ 3 bilhões.

Na época, esse adiamento foi apresentado no contexto da crise. Hoje, a empresa diz que licenças atrasaram e que o projeto segue normalmente.

Roberto Padovani, economistasênior do banco WestLB, afirma que a saída do Brasil da recessão no segundo trimestre vai melhorar o clima para os investimentos, mas que isso não basta. O mercado esperava um crescimento de 4% para a economia em 2009. Agora a previsão é de crescimento zero. Em economia, o que se deixou de ganhar é perda.

— Tem gente falando que foi uma marolinha. Eu discordo.

O Brasil saiu rapidamente e bem da crise, mas não saiu melhor. Não recuperamos ainda o que foi perdido.

Houve uma pancada de 4%. São bilhões perdidos.

É importante ter essa noção.

A estagnação deste ano, em vez do crescimento que teríamos, é uma perda ainda não neutralizada. Os investimentos suspensos ou adiados significam menos empregos, produção, impostos.

O país precisa ainda melhorar mais para recuperar o tempo perdido

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