Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 10, 2009

Miriam Leitão Em Westminster

O GLOBO



De tailleur, meia fina e salto alto achei que estava preparada para um almoço no Parlamento inglês.

“Quer conhecer a Câmara dos Lordes?”, perguntou o professor e lorde Anthony Giddens. Eu disse que sim, e ele disparou para a escada, subiu correndo e pulando degraus. Não tive saída a não ser correr atrás dele. “É assim que eu faço exercício”, brincou. Na sala, imponente, sobressai o enorme trono da rainha.

O Palácio de Westminster, onde funciona o Parlamento, foi construído na Idade Média, parcialmente destruído pelo incêndio de Londres e bombardeado pelos nazistas.

Impõe respeito. Giddens me levou a um salão magnífico, por onde passa a rainha antes de entrar no Parlamento, na abertura da sessão. Achei que ele me apontaria os tesouros do salão, mas o comentário foi outro: — Veja só que perigo essa sala para a mudança climática! Ela consome energia demais! O sociólogo Anthony Giddens foi o criador da ideia da Terceira Via. Hoje, está mergulhado em mudança climática, assunto do seu último livro “The Politics of Climate Change”. A ideia original era irmos para um restaurante próximo. O problema é que o trânsito de Londres estava difícil. Me atrasei, e ele tinha um encontro logo depois do almoço. Por isso, fomos comer lá mesmo na House of Lords. Adivinhem onde? No bandejão do palácio! — O almoço não vai ser muito bom, mas em compensação é por uma boa causa. Vou ter uma reunião em seguida para tentar convencer o Parlamento a entrar na campanha 10/10.

É a campanha para a redução de dez por cento das emissões em 2010, que está mobilizando empresas, instituições e pessoas. A ideia é que cada um pode reduzir suas emissões um pouco no ano que vem. Ele diz que os governos discutem o que fazer em 2020 e não o que vai acontecer em 2010.

Giddens acha que muito provavelmente os conservadores ganharão a próxima eleição, na Inglaterra, mas avalia que isso não vai alterar a maneira como o governo inglês está lidando com a mudança climática.

— Os conservadores vão ganhar. Sinto muito. Mas isso não vai mudar os compromissos de combater a mudança climática. É meio perturbador que nos EUA essa questão ponha os democratas de um lado e os republicanos de outro. Esse assunto tem que ser suprapartidário.

Aqui no Reino Unido todas as leis aprovadas sobre energia e mudanças climáticas tiveram apoio do governo e da oposição. A maioria dos governos de centrodireita na Europa têm posições firmes, como o Sarkozy, com a defesa de um imposto sobre carbono — disse ele, que concluiu: — Pessoas de direita, de esquerda, tradicionalistas ou modernizadores podem ter a mesma atitude em relação à mudança climática.

Giddens não usa mais o termo Terceira Via. Disse que o conceito foi mal usado e mal interpretado como se fosse alguma coisa entre o capitalismo e o socialismo, e o que ele queria era apenas uma reconstrução da socialdemocracia, diante dos desafios da globalização.

Hoje acha que o mais emergencial é encontrar mecanismos para que a sociedade e os governos trabalhem juntos para derrotar os riscos do aquecimento global. Ele não está particularmente animado com a reunião de Copenhague, mas acha que é possível procurar outros caminhos: — Nunca fui a favor de se jogar tudo em Copenhague.

A gente tem que esperar um bom acordo entre as partes, há coisas importantes como transferência de tecnologia, financiamento para a floresta. Mas é preciso continuar negociando depois. É preciso fazer acordos bilaterais e setoriais.

Ele diz que sempre foi multilateralista, mas acha que, em mudança climática, é preciso haver negociação entre Estados Unidos e China, que representam 45% das emissões globais.

— Há muito trabalho pela frente. Mesmo se houvesse um acordo maravilhoso na Dinamarca, muita coisa ainda precisaria ser feita.

No seu livro, ele cria o conceito do “Paradoxo de Giddens”, que é o seguinte: os riscos da alteração da temperatura do Planeta não são visíveis, quantificáveis e tangíveis agora, quando ainda há tempo de fazer alguma coisa; quando forem tangíveis, não haverá mais tempo.

Ele acha que a sociedade atual, com todas as mudanças e o desafio climático, criou uma pesada tarefa para a teoria política.

Pedi que me explicasse melhor o paradoxo. Ele olhou à mesa do lado, onde quatro mulheres conversavam mais alto do que deveriam.

— Pergunte a essas jovens ladies como voltarão para casa.

Provavelmente irão em seus carros. Em alguns casos, carros grandes. As pessoas não querem alterar o estilo de vida. Por que fazem isso, se o futuro pode ser catastrófico? Mesmo com todo o consenso científico, 40% das pessoas não acreditam em mudança climática. Nós vivemos numa sociedade insustentável.

No seu novo livro, Giddens diz que há muita dificuldade de passar para todas as pessoas a dimensão do risco da mudança climática e faz um paralelo com Martin Luther King. Diz que o pastor negro jamais teria conseguido tantos seguidores se, em vez de dizer “eu tenho um sonho”, ele dissesse “eu tenho um pesadelo”.

Ele saiu apressado do almoço, sonhando com uma missão que parecia impossível: engajar o velho Palácio de Westminster na campanha de redução de emissões já no ano que vem.

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