O GLOBO
Aqui na ilha, depois do advento da televisão e das transmissões por satélite, acompanhamos de perto todos os eventos esportivos em que o Brasil se envolve, mantendo nossa intransigente tradição patriótica.
Bem verdade que, de início, ocorreu certa estranheza quanto a alguns esportes a que não estávamos afeitos.
Nos primeiros jogos de vôlei aqui exibidos, houve aqueles que comemoravam quando o Brasil metia uma bola na rede, na convicção de que, como no futebol, vôlei é bola na rede. A marcha, para citar apenas um outro exemplo, é desdenhosamente designada por muitos como “o remelexo” e a crença geral é de que o brasileiro não entra nessa modalidade porque pega muito mal aparecer rebolando na televisão para todo mundo ver, inclusive ou principalmente a sogra.
A questão do espírito olímpico também ocasionou mal-entendidos, como aconteceu com meu saudoso amigo Luiz Cuiuba, a cuja figura de filósofo, autor da máxima “pior seria, se pior fosse”, já tive oportunidade de me referir inúmeras vezes.
Depois de assistir a diversos eventos atléticos e ouvir os narradores falando no ideal olímpico, ele me confessou que não podia aceitar esse ideal. Como é que um burro de uma mulher daquele tamanho, que ele vira arremessando peso, mais fortezinha do que a zaga do Bahia toda junta, ia ser o ideal de alguém? “Pode ser o ideal olímpico, lá deles”, me disse ele. “O meu é que nunca vai ser, o diabo é que queria chegar da rua com uma elefanta dessas esperando para tirar pergunta, Deus é mais.” Tentei esclarecer esse ponto, mas receio não ter tido muito êxito, porque acho que ele morreu desconfiado do ideal olímpico.
Os tempos são outros e a ilha também.
No bar de Espanha, a escolha da cidade-sede dos Jogos Olímpicos foi acompanhada com grande interesse e o resultado final devidamente brindado e comemorado. Mas o primeiro dever do jornalista é para com a verdade, e a verdade é que o aplauso, embora amplamente majoritário, não contou com a adesão dos setores da opinião pública que seguem de perto as opiniões de Zecamunista.
Mas que é isso, Zeca, você está contra o Rio de Janeiro? — Não botem más palavras na minha boca! — bradou ele, levantandose indignado. — Não façam o jogo sórdido dos manipuladores! A capital da minha República Socialista Brasileira vai ser o Rio de Janeiro! O Rio de Janeiro está no meu coração! O Rio de Janeiro é o maior símbolo do Brasil, depois aqui da ilha! Sim, como não, continuou ele, podia mesmo considerar-se um carioca honorário, mais carioca do que muitos que no Rio nasceram e não sabem amá-lo, carioca desde os bons tempos do Cassino da Urca e da inigualável boate Bolero e seus lindos amores fugazes. Carioca do Maracanã, carioca do samba, mangueirense fanático, era isso o que ele era.
— Sim, meus caros senhores, brasileiro que sou, meu coração também bate forte no peito, quando o nome da grande cidade do Rio de Janeiro é evocado! E é por isso que comunico em primeira mão que estou inaugurando, assim que ultimar os preparativos, o Movimento Morda Aqui, com sede no Rio de Janeiro, na minha querida Lapa, que sempre será a Lapa! — Como é mesmo o nome do movimento? — Morda Aqui! O nome completo é Morda Aqui para Ver se Sai Leite, mas, para fins de mobilização, abreviase para Morda Aqui somente. Eles acham que o carioca é otário, mas o carioca não é otário, nem o da gema, nem o honorário.
— Mas o carioca não está sendo otário.
— Pode não estar, mas eles acham que está. Aliás, não somente os cariocas, mas todos os brasileiros que vão morrer na grana que rolará.
— Não sei por quê, os Jogos só vão trazer benefícios.
— Para os mesmos! Os mesmos! Nos Jogos Pan-Americanos, não iam fazer tanta coisa? Não iam até despoluir a Baía de Guanabara? O que é que os Jogos Pan-Americanos renderam? Vá perguntar no Tribunal de Contas! Se a cidade precisava disso tudo que eles dizem que vão fazer agora, por que não fizeram antes? Tem que haver pretexto? Dinheiro tinha, tanto assim que dizem que já está à disposição. Então não faziam, vamos dizer, por esquecimento, não é? Não tem nada a ver com as eleições de 2010, tem? — Que é isso, o governo fez um grande esforço para trazer as Olimpíadas.
— Fez, fez, e dizem que gastou somente algumas milhas, saiu barato, embora eu ache que não deu Chicago por causa de Atlanta, não deu Madri porque 2012 já vai ser na Europa e não deu Tóquio porque teve Ásia em 2008.
— De qualquer forma, houve um esforço, você não pode negar.
— Claro que houve e vai compensar! No Pan-Americano, eles disseram que iam gastar quatrocentos milhões, não foi? Gastaram quase quatro bilhões, dez vezes mais! Em quê? Pergunte de repente a qualquer carioca, assim para ele dizer na tampa: em quê? O que é que ele está vendo, que consumiu esses quatro bilhões? — Tudo bem, mas agora vai ser diferente.
— Vai, sim, vai. Agora a previsão é de uns quarenta bilhões, não é uma beleza? E daqui pra lá deve aumentar bastante, são muitas boquinhas a alimentar e ainda tem que sobrar um restinho da grana, para fazer algumas obras.
— Assim também não é possível, Zeca, é preciso acreditar.
— Mas eu acredito. E acredito também em Papai Noel. Morda aqui.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2009
(3759)
-
▼
outubro
(331)
- CESAR MAIA Narcovarejo
- CELSO MING - O preço eleitoral
- Dora Kramer A praxe do colegiado
- MERVAL PEREIRA - Ecologia, saída ou escape?
- Miriam Leitão Sinais de Honduras
- Carlos Vereza Pacifista às avessas
- Villas-Bôas Corrêa Catadores de papel e formadores...
- Eliane Cantanhêde Massacre na TV
- Veja Carta ao leitor
- Sucessão Marqueteiros já moldam o discurso de Dilma
- Drogas O desafio do crack
- Crise Os Estados Unidos saem da recessão
- IPI baixo só para eletrodomésticos eficientes
- Venezuela O desastre da estatização da economia
- Argentina De volta ao sistema bancário internaci...
- Honduras Pressão americana leva a um acordo
- Espaço Uma visão do início dos tempos
- Especial O apocalipse em 2012
- Saúde Marketing ajuda bancos de cordão umbilical
- Sociedade Manual da civilidade
- Educação Má gestão
- mprensa Lula agora quer editar os jornais
- VEJA Entrevista Robert Aumann
- Lya Luft Não fui eu!
- Radar Lauro Jardim
- Maílson da Nóbrega O estado voltou?
- Diogo Mainardi Manual de sabotagem
- Roberto Pompeu de Toledo Woody Allen no Rio
- AUGUSTO NUNES O PAC da Conversa Fiada
- Miriam Leitão É o fim da crise?
- Fernando Gabeira O ovo da serpente
- Merval Pereira A busca da utopia
- Transgenifobia Celso Ming
- No meio do caminho Dora Kramer
- É um lamentável fato consumado Rubens Ricupero
- Câmbio: mais lenha na fogueira LUIZ CARLOS MENDON...
- Bênção e maldição NELSON MOTTA
- A verdade única da transposição Washington Novaes
- Vinicius Torres Freire O pior dos mundos e fundos
- Celso Ming O salto no crédito
- Miriam Leitão Maquiagem verde
- José Nêumanne Freios e contrapesos, cheques e bala...
- Fernando Rodrigues DEM, biruta de aeroporto
- Dora Kramer Parceiros indóceis
- Merval Pereira Mulheres e terror
- Rituais vazios José Arthur Giannotti
- Míriam Leitão Papel da oposição
- Merval Pereira Além da guerra de religiões
- Editoriais 27/10/2009
- Visão de vanguarda - Dora Kramer
- O dólar, nos derivativos - Celso Ming
- Novo colonialismo ou novas oportunidades? Rubens B...
- Só o Brasil tem armas para crescer mais este ano A...
- A censura está de volta Roberto Muylaert
- VINICIUS TORRES FREIRE Quem é bom de bolha?
- ELIANE CANTANHÊDE Fiscalização já!
- Qual Estado para qual democracia? Lourdes Sola
- O paradoxo que complica Suely Caldas
- Luiz Carlos Mendonça de Barros Um olhar - preocupa...
- RUY CASTRO O pé não esquece
- FERNANDO RODRIGUES Hegemonia em construção
- Os mistérios da redenção segundo Lula José Augusto...
- Excesso ou regra? DENIS LERRER ROSENFIELD
- Ricardo Noblat -Quem se importa?
- DANUZA LEÃO O pior inimigo é o falso amigo
- FERREIRA GULLAR Beleza não põe mesa
- Adeus, macroeconomia ELI NOAM
- VINICIUS TORRES FREIRE A bolha e a balbúrdia no g...
- Lembram-se quando afirmei que Obama era a chegada ...
- JOAQUÍN MORALES SOLÁ Removiendo en los submundos d...
- MARIANO GRONDONA La fuerza y la violencia en nuest...
- Miriam Leitão O destino do Rio
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Singrando os ares
- Camisa de força
- Lula e o desconforto das leis
- Ruy Fabiano -O paradoxo chamado Serra
- O direito à violação Mauro Chaves
- Câmbio chinês ameaça economia mundial PAUL KRUGMAN
- CESAR MAIA Voto da direita
- DORA KRAMER - Companheiro Iscariotes
- CELSO MING - Problemas no biodiesel
- Miriam Leitão Fim da era dólar?
- VEJA CARTA ao leitor
- Entrevista Paulo Renato Souza
- Claudio de Moura Castro
- Radar
- O gangsterismo explícito nas entidades de classe
- Dilma pavimenta a estrada rumo a 2010
- As consequências da taxação do capital externo
- O terceiro mandato de Daniel Ortega
- Uma só encrenca
- O papa abre as portas aos anglicanos
- Tomadas e plugues vão mudar
- Verdades incômodas sobre o crime no Rio
- Centro analisa exames a distância
- O minicarro elétrico de Jaime Lerner
- Fogo no acervo de Hélio Oiticica
- Às Cegas, de Claudio Magris
- Perfil do compositor J. Adams
- Boatos sobre a morte de Kanye West tumultuam a rede
-
▼
outubro
(331)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA