Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 11, 2009

JOÃO UBALDO RIBEIRO O ideal olímpico

O GLOBO

Aqui na ilha, depois do advento da televisão e das transmissões por satélite, acompanhamos de perto todos os eventos esportivos em que o Brasil se envolve, mantendo nossa intransigente tradição patriótica.

Bem verdade que, de início, ocorreu certa estranheza quanto a alguns esportes a que não estávamos afeitos.

Nos primeiros jogos de vôlei aqui exibidos, houve aqueles que comemoravam quando o Brasil metia uma bola na rede, na convicção de que, como no futebol, vôlei é bola na rede. A marcha, para citar apenas um outro exemplo, é desdenhosamente designada por muitos como “o remelexo” e a crença geral é de que o brasileiro não entra nessa modalidade porque pega muito mal aparecer rebolando na televisão para todo mundo ver, inclusive ou principalmente a sogra.

A questão do espírito olímpico também ocasionou mal-entendidos, como aconteceu com meu saudoso amigo Luiz Cuiuba, a cuja figura de filósofo, autor da máxima “pior seria, se pior fosse”, já tive oportunidade de me referir inúmeras vezes.

Depois de assistir a diversos eventos atléticos e ouvir os narradores falando no ideal olímpico, ele me confessou que não podia aceitar esse ideal. Como é que um burro de uma mulher daquele tamanho, que ele vira arremessando peso, mais fortezinha do que a zaga do Bahia toda junta, ia ser o ideal de alguém? “Pode ser o ideal olímpico, lá deles”, me disse ele. “O meu é que nunca vai ser, o diabo é que queria chegar da rua com uma elefanta dessas esperando para tirar pergunta, Deus é mais.” Tentei esclarecer esse ponto, mas receio não ter tido muito êxito, porque acho que ele morreu desconfiado do ideal olímpico.

Os tempos são outros e a ilha também.

No bar de Espanha, a escolha da cidade-sede dos Jogos Olímpicos foi acompanhada com grande interesse e o resultado final devidamente brindado e comemorado. Mas o primeiro dever do jornalista é para com a verdade, e a verdade é que o aplauso, embora amplamente majoritário, não contou com a adesão dos setores da opinião pública que seguem de perto as opiniões de Zecamunista.

Mas que é isso, Zeca, você está contra o Rio de Janeiro? — Não botem más palavras na minha boca! — bradou ele, levantandose indignado. — Não façam o jogo sórdido dos manipuladores! A capital da minha República Socialista Brasileira vai ser o Rio de Janeiro! O Rio de Janeiro está no meu coração! O Rio de Janeiro é o maior símbolo do Brasil, depois aqui da ilha! Sim, como não, continuou ele, podia mesmo considerar-se um carioca honorário, mais carioca do que muitos que no Rio nasceram e não sabem amá-lo, carioca desde os bons tempos do Cassino da Urca e da inigualável boate Bolero e seus lindos amores fugazes. Carioca do Maracanã, carioca do samba, mangueirense fanático, era isso o que ele era.

— Sim, meus caros senhores, brasileiro que sou, meu coração também bate forte no peito, quando o nome da grande cidade do Rio de Janeiro é evocado! E é por isso que comunico em primeira mão que estou inaugurando, assim que ultimar os preparativos, o Movimento Morda Aqui, com sede no Rio de Janeiro, na minha querida Lapa, que sempre será a Lapa! — Como é mesmo o nome do movimento? — Morda Aqui! O nome completo é Morda Aqui para Ver se Sai Leite, mas, para fins de mobilização, abreviase para Morda Aqui somente. Eles acham que o carioca é otário, mas o carioca não é otário, nem o da gema, nem o honorário.

— Mas o carioca não está sendo otário.

— Pode não estar, mas eles acham que está. Aliás, não somente os cariocas, mas todos os brasileiros que vão morrer na grana que rolará.

— Não sei por quê, os Jogos só vão trazer benefícios.

— Para os mesmos! Os mesmos! Nos Jogos Pan-Americanos, não iam fazer tanta coisa? Não iam até despoluir a Baía de Guanabara? O que é que os Jogos Pan-Americanos renderam? Vá perguntar no Tribunal de Contas! Se a cidade precisava disso tudo que eles dizem que vão fazer agora, por que não fizeram antes? Tem que haver pretexto? Dinheiro tinha, tanto assim que dizem que já está à disposição. Então não faziam, vamos dizer, por esquecimento, não é? Não tem nada a ver com as eleições de 2010, tem? — Que é isso, o governo fez um grande esforço para trazer as Olimpíadas.

— Fez, fez, e dizem que gastou somente algumas milhas, saiu barato, embora eu ache que não deu Chicago por causa de Atlanta, não deu Madri porque 2012 já vai ser na Europa e não deu Tóquio porque teve Ásia em 2008.

— De qualquer forma, houve um esforço, você não pode negar.

— Claro que houve e vai compensar! No Pan-Americano, eles disseram que iam gastar quatrocentos milhões, não foi? Gastaram quase quatro bilhões, dez vezes mais! Em quê? Pergunte de repente a qualquer carioca, assim para ele dizer na tampa: em quê? O que é que ele está vendo, que consumiu esses quatro bilhões? — Tudo bem, mas agora vai ser diferente.

— Vai, sim, vai. Agora a previsão é de uns quarenta bilhões, não é uma beleza? E daqui pra lá deve aumentar bastante, são muitas boquinhas a alimentar e ainda tem que sobrar um restinho da grana, para fazer algumas obras.

— Assim também não é possível, Zeca, é preciso acreditar.

— Mas eu acredito. E acredito também em Papai Noel. Morda aqui.

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