Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 03, 2009

Henrique Meirelles no PMDB: o sonho de ser vice

De olho no planalto

O presidente do BC, Henrique Meirelles, filia-se ao PMDB
como parte de um plano só esboçado para transformá-lo
em vice na chapa da ministra Dilma Rousseff.
Se vai dar certo, é outra história


Alexandre Oltramari

Fotos Dida Sampaio/AE
A ECONOMIA E A URNA
Meirelles (à esq.) entrou no PMDB em clima de quermesse, mas seu projeto não tem nada
de amador: estratégia de Lula para dobrar o PMDB e impor um aliado como vice de Dilma em 2010


Às 10 horas e 21 minutos da última quarta-feira, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, desembarcou em Goiânia para participar de uma cerimônia atípica. Terno azul-escuro, camisa branca e gravata com as cores da bandeira brasileira, ele demorou a aparecer no saguão do aeroporto. Seus assessores estavam preocupados. Havia apenas um cinegrafista, um fotógrafo e dois repórteres aguardando sua chegada. Meirelles aparece e abre um sorriso tímido. Explica que sua filiação ao PMDB, marcada para dali a alguns minutos, significa apenas uma possibilidade de ele vir a se candidatar a algum cargo eletivo – e que nem isso é certeza ainda. "Vou continuar 100% focado no BC. Minha candidatura ainda está em aberto", garante. Uma hora depois, abrigado do sol forte sob uma mar-quise, Meirelles discursa para cerca de 100 pessoas. A maior autoridade política em seu palanque, o prefeito de Goiânia, Iris Rezende, comemora: "Posso profetizar. Vamos ter muitas alegrias juntos". Explodem os fogos de artifício e toca o Tema da Vitória, a trilha que celebrava as façanhas do piloto Ayrton Senna na Fórmula 1. Henrique Meirelles, o guardião da moeda e um dos servidores públicos mais importantes da República, transforma-se em trunfo eleitoral do PMDB.

Apesar da aparência paroquial da cerimônia, a filiação do presidente do Banco Central ao PMDB, partido que banalizou os escândalos políticos no país, esconde uma tática eleitoral bem mais complexa. Em sua estratégia para fazer o sucessor, o presidente Lula pretende consolidar uma aliança do PT com o PMDB. Henrique Meirelles seria uma opção confiável para integrar a chapa de Dilma Rousseff como candidato a vice-presidente, blindando o governo de uma influência direta de figuras como Renan Calheiros e José Sarney, cujas peripécias recentes falam por si. Como tática, a presença de Meirelles também reeditaria a fórmula vitoriosa do PT. Em 2002, Lula escolheu como vice o empresário José Alencar, que ajudou a eliminar as desconfianças que havia contra ele por parte de alguns setores econômicos. Ter um empresário a tiracolo, desde então, parece que se tornou uma exigência política – e não apenas visando ao cofre da campanha. A presidenciável Marina Silva, do PV, conquistou o seu na semana passada. É Guilherme Leal, fundador da Natura. O também presidenciável Ciro Gomes, do PSB, cooptou dois de uma vez: o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, e o presidente da CSN, Benjamin Steinbruch.

Os planos do governo para Henrique Meirelles, porém, esbarram em algumas dificuldades, a começar pelo próprio PMDB. Antes de se decidirem pela filiação, Meirelles e o presidente Lula conversaram sobre todas as possibilidades, inclusive a principal delas, a Vice-Presidência. Ficou combinado que, para evitar problemas, a hipótese não seria discutida explicitamente, pelo menos por enquanto. Tanto que, em uma reunião com o presidente da Câmara, Michel Temer, o preferido do partido para formar chapa com Dilma Rousseff, Meirelles afirmou que seu plano era, a princípio, disputar uma vaga no Senado por Goiás. O presidente do BC revelou a VEJA planos menos específicos. "Com exceção do governo estadual, posso ser candidato a tudo. Fico no BC a pedido do presidente Lula e em março decido que rumo tomar", disse. Em conversas reservadas, Temer revela conhecer a real intenção do governo ao incentivar a entrada de Meirelles no partido, mas acha muito difícil que as lideranças do PMDB aceitem um recém-chegado para ocupar o posto de maior destaque que a agremiação terá em 2010.

O presidente do BC não é o único integrante do primeiro escalão do governo de olho nas urnas. Dos 37 ministros, apenas seis não são filiados a partidos políticos. O último a fazer esse movimento foi o das Relações Exteriores, Celso Amorim, que assinou sua ficha de filiação ao PT na semana passada. "Daqui a um ano e três meses, na melhor das hipóteses, se o presidente Lula não me mandar embora antes, vou deixar de ser ministro. Então, eu quero ter um palanquezinho, uma plateiazinha, digamos assim, para eu poder me manifestar", disse o ministro. Ao contrário de Amorim, cuja atuação na crise de Honduras prova que não é preciso ter filiação partidária para se embananar com esparrelas ideológicas, o caso de Meirelles causa apreensão por sua complexidade. O presidente do BC não se filiou ao PMDB por simpatia ou afinidade política. Filiou-se porque precisava de uma legenda para disputar votos. Como não se consegue voto sem ser simpático, surge a natural desconfiança do dilema que poderia ocorrer quando fosse necessário tomar uma medida antipática, mas às vezes necessária, como elevar a taxa de juros. "É algo totalmente novo no Brasil e, em princípio, preocupante. Mas não creio que Meirelles vá sair dos trilhos agora, depois de sete anos no cargo", diz o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

A filiação partidária de um xerife do mercado não é uma novidade nem aqui nem no exterior. Alan Greenspan, que presidiu o banco central americano por dezoito anos, era filiado ao Partido Republicano. O alinhamento ideológico não o impediu de ser mantido no cargo durante as gestões dos democratas. O atual presidente, Ben Bernanke, outro republicano de carteirinha, foi confirmado pelo presidente democrata Barack Obama. No Brasil, Gustavo Franco, que comandou o BC de 1997 a 1999, era filiado ao PSDB. A diferença entre eles e Henrique Meirelles é que, embora ligados a um partido, nenhum disputou eleições – e é esse o capítulo novo que pode provocar especulações negativas. Na Itália, o economista Carlo Ciampi trocou a burocracia pela política, saltando da cadeira de guardião da moeda para a de primeiro-ministro. Em 1999, chegou à Presidência da República. Ao assumir o BC em 2003, Meirelles renunciou ao mandato de deputado federal. É prudente que continue separando as duas coisas.

Fotos Sergio Dutti/AE, Iano Andrade/CB/D.A Press e Celso Junior/AE

PALANQUEZINHO E PALANQUEZÃO
O chanceler Celso Amorim (no alto, à direita) se filiou ao PT em busca do que chamou
de um "palanquezinho". Sarney e Renan, que mandam no PMDB, agora têm mais
um trunfo para negociar com o governo

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