Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 18, 2009

As dificuldades da política externa de Obama LUIZ FELIPE LAMPREIA

O GLOBO


O presidente Barack Obama teve até aqui mais êxito em reposicionar o prestígio mundial dos Estados Unidos — tão abalado pelos desastres do governo Bush — do que em resolver os grandes desafios de sua agenda internacional.

Está em curso naquele país um grande debate, dentro do governo e na sociedade em geral, sobre os rumos da política externa dos Estados Unidos. A lista dos problemas mais prementes é enorme: as guerras no Afeganistão e no Iraque, a querela nuclear com o Irã, a segurança do Paquistão, a tensão com Israel e o conflito desse país com os árabes, para só citar os mais visíveis.

Em nenhum dos casos há progressos visíveis na direção desejada pelo presidente Obama. Isto já leva desde a fortes críticas no Congresso até a duras sátiras em programas humorísticos de alta audiência.

É certamente injusto fazer as cobranças agressivas que a direita americana já apresenta. Estratégias de política externa, sobretudo se representam uma mudança sensível de orientação, não podem geralmente dar frutos a curto prazo. Desenrolamse gradualmente por serem movimentos complexos, que exigem cuidadosa preparação do terreno, movimentação de várias peças e abertura de diversos diálogos. Uma política externa responsável requer um tempo lento e não deve ter como principal alvo a arquibancada.

Há pelo menos três desafios muito importantes na agenda de Obama.

Tome-se o Afeganistão, um país secularmente difícil de controlar, militar e politicamente, onde os Estados Unidos e seus aliados da Otan enfrentam um quadro em deterioração. É a questão mais discutida no Congresso e na mídia do país. As baixas nas tropas aumentaram, a eleição presidencial foi altamente contestada e não conferiu legitimidade ao presidente Karzai, os talibãs parecem ter o dom da ubiquidade, atacando como fantasmas.

Em razão disso, existe em Washington um questionamento crescente sobre a viabilidade de uma solução militar que seja politicamente aceitável. A própria relevância do Afeganistão é posta em causa, até mesmo como refúgio para a Al Qaeda.

Muitos alegam que esse país nem sequer é uma base ideal para os terroristas por seu isolamento e infraestrutura precária, o que retiraria força de um dos principais argumentos para a presença militar americana. Muito se discute a respeito do impacto desse conflito sobre o Paquistão, um país muito mais importante, até porque é uma potência nuclear. O general McChrystal , comandante militar, teve a atitude insólita de fazer publicamente um pronunciamento enfático, solicitando um aumento expressivo no contingente americano no Afeganistão, assunto sobre o qual o presidente Obama está deliberando, enquanto o vice-presidente Biden advoga abertamente um plano para reduzir o número de tropas. Os Estados Unidos têm cada vez menos estômago para intervenções militares alémmar, as amargas lições do Vietnã e do Iraque estão em todas as mentes ainda que não sejam mencionadas. Mas retirar-se agora rapidamente do Afeganistão seria uma vitória para os fundamentalistas que os Estados Unidos não podem conceder.

Veja-se o caso do Irã, país com o qual as relações americanas são muito difíceis desde o advento do regime dos aiatolás, quando houve a invasão e o sequestro prolongado dos diplomatas dos Estados Unidos. Até bem pouco o caminho para um enfrentamento militar parecia inexorável. A revelação da existência de uma planta secreta de enriquecimento nas imediações de Qom levou a um verdadeiro ultimato de Obama, Brown e Sarkozi. Mas Teerã respondeu com surpreendente rapidez e boa vontade em abrir as instalações à inspeção internacional, talvez refletindo as fraturas que a recente controvérsia das eleições presidenciais provocaram no regime. Se houver de fato o passo complementar anunciado, que seria o envio do urânio já levemente enriquecido do Irã para a França ou para a Rússia, os peritos dizem que isto significaria parar o relógio na corrida para uma bomba atômica iraniana.

Confirmando-se este cenário favorável, Obama terá tido uma vitória adiando uma confrontação e tranquilizando Israel que, compreensivelmente, considera uma arma nuclear iraniana uma ameaça existencial.

Resta contudo por confirmar a disposição cooperativa do Irã, nos próximos meses. No momento esta é uma pausa positiva, mas ainda não uma situação consolidada.

Em terceiro lugar, figura a perpétua questão da paz no Oriente Médio.

Barack Obama decidiu começar pressionando Israel pela completa interrupção das colonizações judaicas na margem ocidental do Jordão. Embora este seja certamente um tema fundamental da agenda da paz, a repercussão em Israel foi no sentido de considerar que o presidente americano não é o melhor amigo do país, enquanto que o primeiro-ministro de direita, Benjamim Netanyhau, viu sua popularidade subir muito. Este quadro não favorece a retomada do processo de paz, pois, sem ter a segurança do apoio decisivo dos Estados Unidos, os israelenses não se disporão a engajar-se. Somado isto à profunda divisão entre o Fatah mais moderado e o Hamas radical, nada indica que o governo Obama pode reativar as negociações.

Em outras frentes, porém, houve um progresso razoável. A decisão de interromper o programa de mísseis anti-balísticos na vizinhança da Rússia já contribuiu para distender as relações bilaterais entre as duas maiores potências nucleares do mundo.

Pela primeira vez em muitos anos, há um diálogo direto com a Coréia do Norte e uma maior ênfase chinesa na contenção dos arroubos belicistas de Pyongyang. Estes são pontos para Obama.

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