O GLOBO
O presidente Lula está com a confiança nas alturas. Tanto lá fora quanto aqui no Brasil, sustentado na sua enorme popularidade. O que fazer com isso tudo? Aqui, Lula tem um objetivo bem definido: eleger Dilma Rousseff presidente. Lá fora, já não é tão simples. Há um objetivo declarado da diplomacia brasileira, que é arrumar uma cadeira de membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Fora isso, Lula tem metas que parecem vistosas na retórica - como decretar a morte do G-8, o grupo das nações mais desenvolvidas, e instalar um novo polo do poder mundial com os emergentes - mas cuja realização prática parece muito distante.
Seja o objetivo claro ou meio vago, interno ou externo, o presidente Lula não vacila em relação ao método: o fim justifica os meios. Mais do que isso: Lula acha que, sendo o cara e tendo mais de 80% de aprovação local, ele simplesmente pode fazer o que quiser.
Em qualquer ação política, métodos duvidosos, inescrupulosos ou antiéticos podem comprometer a obtenção ou a qualidade dos objetivos. Lula, porém, age como se seus métodos fossem todos bons porque, ora, porque, é ele quem os aplica.
Assim, qual o problema em abraçar Collor para agradecer seu apoio na defesa de Sarney? E lá fora, qual o problema em abraçar o presidente Ahmadinejad,do Irã?
Mas convém reparar. Collor e Sarney não foram adversários comuns de Lula e do PT. Um foi alvo de uma campanha de impeachment que revitalizou a esquerda brasileira, dos velhos militantes aos jovens da UNE. Sarney é o símbolo do atraso, das oligarquias às quais se opuseram as forças novas reunidas em torno do PT.
Passado um tempo, Lula coloca Collor ao lado de JK e Sarney como o fiador do governo petista de mudanças. Não se trata apenas de aceitar uma realidade política inevitável. Algo assim: forças conservadoras dominantes elegeram Sarney para a presidência do Senado, o eleitor devolveu Collor ao Senado, de modo que, paciência, é preciso lidar com essa gente.
É muito mais que isso. Um foi apanhado usando o Estado e o dinheiro público para fins privados e familiares, ou seja, fazendo exatamente o que o velho Lula dizia que as oligarquias faziam. E Lula vai além de aceitar o fato. Sai na defesa do oligarca, desqualifica as acusações, diz que tudo é manobra das oposições contra o governo do povo.
Não é possível que tudo isso seja verdade ao mesmo tempo. Daí a questão: vale o que Lula dizia antes ou o que diz agora?
O pessoal do PT que ainda acredita estar em um partido de esquerda e ético sustenta que vale o antigo. As posições atuais seriam mera tática. Pode até ser para esse pessoal do bem, mas será para Lula e seu círculo mais próximo?
A quantidade de ideias e posições que Lula sustentava quando oposição e que simplesmente jogou fora no exercício do poder, com incrível facilidade, sem manifestar qualquer arrependimento ou preocupação, sugere que ele, na verdade, não acredita nem no que pregava antes, muito menos no que fala hoje. Seu objetivo era chegar ao poder e, agora, é manter seu grupo lá em cima.
Para promover um novo modelo de desenvolvimento? Bobagem. Trata-se de distribuir dinheiro via Bolsa Família, pensões, aposentadorias e salários do funcionalismo, a partir de um enorme ganho de arrecadação. Na outra ponta, trata-se de distribuir favores fiscais e verbas de estatais para grupos determinados, exatamente como faziam os governos oligarcas e fisiológicos.
Até aqui, tudo isso era feito respeitando-se as bases da política econômica, especialmente a austeridade nas contas públicas. Agora, a popularidade, o ambiente externo pró-gasto público e o prestígio no exterior deram a Lula uma licença para gastar.
Assim como não tem o menor problema em sacrificar o PT, suas teses e sua história, também não parece mais preocupado com o equilíbrio das contas públicas. Assim como, no setor externo, também não tem o menor constrangimento em abraçar ditadores e destruidores de direitos humanos.
Isso dá certo enquanto há dinheiro a distribuir. Fracassa quando chega a hora de pagar as contas. Mas aí já não será mais com ele