Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 04, 2009

Senado A maldição da presidência

Até parece uma cadeira elétrica

Diminuído como presidente do Senado e quase ferido de morte 
política, José Sarney recorre à ajuda do presidente Lula e do PT 
para tentar escapar do mesmo destino de seus antecessores


Otávio Cabral

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Os excelentíssimos senhores abaixo - e outros que podem ser vistos nas páginas seguintes - não se deram conta de que o Brasil está mudando e a sociedade elevou o grau de intolerância com os políticos descompromissados com o interesse público. Prova disso é que nos últimos anos três ex-presidentes do Congresso perderam o cargo por envolvimento em casos de corrupção, fraudes e irregularidades variadas. O senador Antonio Carlos Magalhães, que já morreu, usou sua autoridade para permitir, entre outras coisas, a violação do sigilo do painel de votações. O senador Jader Barbalho se aproveitava das prerrogativas de presidente para obter vantagens financeiras, por meio das quais conseguiu acumular uma vistosa fortuna. O senador Renan Calheiros, o último a deixar pela porta dos fundos a presidência, mantinha uma rede de amigos empreiteiros para todo tipo de obra, inclusive bancar suas despesas pessoais. Há cinco meses, o senador José Sarney, o atual presidente, vaga por um labirinto de acusações que a cada dia apequenam sua biografia. Acuado, ele chegou a pensar na semana passada em comunicar a renúncia - hipótese que ainda não está descartada. Seria o quarto presidente a deixar o cargo em oito anos.

Existe um problema envolvendo aquela imponente cadeira azul de couro, desenhada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e um dos símbolos maiores do poder da democracia - e não é ergonômico. José Sarney e os nela fritados Renan Calheiros, Jader Barbalho e ACM têm uma característica essencial em comum. Todos são oriundos de poderosas oligarquias políticas do Norte e Nordeste, acostumadas a apoiar o governo de plantão, seja ele qual for. Essa simbiose alimenta a liderança política regional e, em contrapartida, garante estabilidade ao governo no Congresso. Sarney, Renan, Jader e ACM apoiaram todos os governos desde a redemocratização, em 1985. A única exceção, mesmo assim temporária, foi o senador ACM, que tentou aproximar-se de Lula, mas foi rejeitado por divergências históricas com o PT - quando o PT, é claro, ainda tinha divergências históricas. O problema é que tal sociedade de interesses políticos é mantida à custa da indicação de milhares de pessoas para ocupar cargos na administração federal e da distribuição nem sempre republicana de bilhões de reais em verbas do Orçamento da União. Traduzindo: usa-se dinheiro público, o nosso dinheiro, literalmente como moeda de estabilidade. É nesse ambiente que florescem o clientelismo, o fisiologismo, o nepotismo e a corrupção - as antigas más práticas que estão na raiz da recente crise do Congresso.

Nasser Nasser/AP
ELE MANDA E O PT OBEDECE
Da Líbia, onde fez rapapés ao ditador Kadafi, Lula enquadrou o PT - e Mercadante, como sempre, cedeu a sua combatividade


O presidente Sarney tenta convencer seus colegas de que a avalanche de denúncias de irregularidades é um problema institucional que passa ao largo de sua responsabilidade. Não é. Nas últimas duas décadas, Sarney presidiu o Congresso três vezes e participou decisivamente da eleição de seus sucessores - todos, à exceção de ACM, ex-ministro das Comunicações do governo Sarney, peemedebistas próximos a ele. A máquina administrativa do Senado, que tem incríveis 10 000 funcionários e é pontuada de casos escabrosos de irregularidades, também era conduzida por um servidor indicado por Sarney, o ex-diretor-geral Agaciel Maia. Em sua gestão, descobriu-se que um neto do presidente da Casa intermediava empréstimos consignados no Senado, que outro neto era funcionário-fantasma, que um parente morava na Espanha e recebia salário do Senado, que o mordomo da casa da filha recebia 12 000 reais como funcionário do Senado, que outros sete parentes do senador também faziam parte da folha de pagamento da Casa. O próprio Sarney recebeu durante quatro meses auxílio-moradia de 3 800 reais, embora tivesse residência própria em Brasília. Residência que, aliás, não constava na declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral do Amapá, como revelou o jornal O Estado de S. Paulo na última sexta-feira. Sarney também emprestou de maneira irregular um apartamento funcional para um ex-senador e outro para a viúva de um de seus motoristas.

São pecados relativamente pequenos diante dos imensos absurdos cometidos em Brasília, mas suficientes para fragilizar a liderança política do senador. Na semana passada, três partidos pediram o afastamento de Sarney da presidência, entre eles o DEM, um velho parceiro do consórcio. Envolto numa incomum aura de moralidade, até o PT se mostrou indignado. Acuado, Sarney comentou que renunciaria e, diante da falta de solidariedade dos petistas, fez chegar ao governo quais seriam as prováveis consequências de sua saída do cargo: a imediata instalação da CPI da Petrobras, um fantasma do qual o Planalto quer distância, e o fim do compromisso prévio de o PMDB apoiar a candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência em 2010, o que poderia significar um desastre eleitoral para o PT. Além disso, o senador tucano Marconi Perillo, o primeiro vice-presidente, assumiria interinamente o cargo. Como o oposicionista teria trinta dias para promover novas eleições, ele, nesse período, poderia provocar uma guerrilha no Senado, deixando o governo ainda mais refém da turma que gosta de cargos e verbas. No momento, por incrível que pareça, o PMDB, o maior partido do Congresso, não tem um candidato natural à presidência da Casa. Lula e o governo querem estender a ajuda a Sarney até encontrar um nome confiável para substituí-lo. A maioria dos outros dezoito senadores do partido não tem condições éticas ou políticas de ocupar o cargo. Os poucos sem problemas éticos são vetados pela cúpula justamente por isso, como Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon (veja quadro).

A estratégia da ameaça de Sarney produziu efeitos imediatos. Da Líbia, onde estava em visita oficial, o presidente Lula ligou para seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, e mandou que acalmasse pessoalmente o senador. Depois, telefonou para Dilma e para o presidente do PT, Ricardo Berzoini. Pediu à ministra que fosse até Sarney e o convencesse a não tomar nenhuma atitude antes de sua volta do exterior. A Berzoini, ele ordenou que enquadrasse a bancada do PT no apoio ao presidente do Senado. Dilma telefonou a Sarney logo em seguida e marcou um encontro pessoal, que aconteceu na casa dele no início da tarde de quarta-feira. Ela lhe garantiu que o presidente e o governo estavam a seu lado e que uma eventual renúncia serviria apenas à oposição. Dilma ainda deu a garantia de que o PT deixaria de fazer carga pelo seu afastamento da presidência. Saiu de lá com o compromisso de Sarney de que não daria nenhum passo político antes de conversar com Lula.

Em mais uma impressionante demonstração de que controla o partido com mão de ferro, o presidente da República desautorizou o senador Aloizio Mercadante, líder do PT que adotara um discurso anti-Sarney. Passou a coordenação dos movimentos petistas no Senado a Ideli Salvatti, a cumpridora de missões do Planalto. A falta de conexão do governo e do PT com a sociedade quando o assunto é ética ficaria mais evidente após a chegada de Lula ao Brasil. Ele, que já dissera que Sarney não era uma pessoa comum e, por isso, merecia ser tratado de uma maneira diferenciada, ligou para o senador e afirmou que não lhe faltaria apoio político para ficar no cargo. Quanto à bancada petista que queria o afastamento imediato do presidente do Senado... Na noite de quarta-feira, dez senadores do partido foram à casa de Sarney lhe prestar solidariedade. Só dois senadores não compareceram: Marina Silva e Tião Viana (veja entrevista com ele abaixo). Na quinta-feira, em um discurso de mais de duas horas, Mercadante mostrou a face do novo PT, de joelhos para Lula e de costas para a sociedade. "Minha combatividade está a serviço do governo Lula", disse ele, para justificar sua súbita mudança de posição. O estilo de Mercadante, reconheça-se, é inconfundível. Mesmo que venha a se afastar da presidência do Senado nas próximas horas, o que permanece bastante provável, Sarney poderá mostrar gratidão aos petistas e continuar trabalhando pela aliança com vistas à sucessão presidencial. É isso que interessa a Lula.

Na semana passada, Sarney entrou e saiu da Casa fugindo da imprensa e comandou apenas uma sessão de homenagem. Ao todo, passou pouco mais de duas horas sentado na cadeira azul. Se continuar na cadeira azul, deverá anunciar uma faxina no Senado. Nos próximos dias, a Fundação Getulio Vargas (FGV), contratada para elaborar uma reforma administrativa, sugerirá o corte de 40% dos 6.000 servidores que ocupam cargos de confiança ou foram contratados por meio de empresas que prestam serviços ao Senado - os "terceirizados". No total, a Casa tem hoje 10 000 servidores, dos quais 4 000 são estáveis. Com a ceifa proposta pela FGV, restariam, portanto, 7 600 funcionários. Seria uma limpeza e tanto na folha de pagamentos senatorial e um baita detergente na própria biografia de Sarney. De um ponto de vista otimista, poderia representar também um ponto de inflexão na absurda escalada do custo do setor público como um todo. E, quem sabe, uma diminuição do poder das oligarquias.

Entrevista: Senador Tião Viana

"Lula nada fez para evitar a desconstrução
e a perda moral do Congresso"

Cristiano Mariz
MAU PARTIDO
Tião Viana: "O PMDB é a essência do fisiologismo. Tem bons quadros, mas vive de troca de favores"


Nesta entrevista à repórter Sandra Brasil, o senador petista Tião Viana (AC) diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem responsabilidade pela crise moral que assola o Senado e que seu governo controla a Câmara dos Deputados na base do fisiologismo. Aos 48 anos, Viana tem autoridade para falar sobre o assunto. Já foi líder do PT e do governo Lula no Senado. Em fevereiro, disputou a presidência da Casa. Perdeu para José Sarney (PMDB-AP), que tomou o apoio que o Palácio do Planalto lhe havia prometido. Agora afirma que não aceitaria mais o cargo.

Como o Senado chegou a um nível tão baixo?
Até 2002, ainda havia no Senado um debate conceitual, ideológico. No início do governo Lula, ainda votamos a Reforma da Previdência. Mas logo o mensalão substituiu esses projetos na agenda da Casa. Daí em diante, nada mais andou, e perdemos a conexão com os interesses do cidadão.

O Senado ainda faz algo relevante?
A Casa está em chamas. Perde 80% do tempo em debates vazios e gasta os 20% restantes numa disputa entre governo e oposição que não leva a lugar nenhum. No Senado, o governo tem uma maioria apertada e vive no fio da navalha. Negocia voto a voto. Na Câmara dos Deputados, é mais fácil porque lá o fisiologismo impera.

Poderia explicar melhor?
É da cultura política brasileira. O governo controla a Câmara atendendo aos pedidos dos deputados com emendas parlamentares e com nomeações para cargos no Executivo.

A forma como o presidente Lula negocia com o Senado é adequada?
Lula é o melhor presidente que o Brasil já elegeu. Os resultados econômicos e sociais do seu governo nos orgulham. No entanto, ele deixa uma grande frustração no que se pensava ser uma de suas maiores habilidades: a política partidária. Lula nada fez para evitar a desconstrução e a perda de autoridade moral do Congresso. Os partidos estão mais fracos e deteriorados do que antes de sua posse. E é papel do chefe de estado fazer com que as instituições como o Parlamento sejam vigorosas.

O que explica a omissão dele?
Dá para entender as razões do presidente Lula. Ele sofreu muito com as ofensas pessoais durante o mensalão. Depois disso, com 82% de aprovação popular, adotou o pragmatismo para manter a maioria no Parlamento e resolveu que não precisava do Congresso. Tanto que José Dirceu foi o último ministro (da Casa Civil até 2005) que dialogou com o Senado.

O presidente Lula defende um tratamento privilegiado ao senador Sarney. E o senhor?
Sarney deve ser tratado como uma pessoa comum. Acontece que o presidente Lula é muito generoso com quem está em dificuldade. Marcou a vida dele o fato de Sarney tê-lo defendido na eleição de 2002, quando enfrentou o (governador paulista) José Serra, e de ter sido solidário no episódio do mensalão. Por isso, Lula foi até onde pôde com a minha candidatura à presidência do Senado. Depois, olhou com pragmatismo para as eleições de 2010, que são fundamentais para o seu projeto de nação.

O presidente Lula o traiu na eleição do Senado?
Ele levou em conta que o PMDB é essencial para 2010. Decidiu respeitar as forças que impuseram a candidatura Sarney, porque privilegiou a candidatura Dilma Rousseff e a necessidade de coalizão. Não guardo mágoas, mas é uma tragédia um partido dirigir as duas casas do Congresso. Ainda mais quando esse partido é o PMDB.

Por quê?
O PMDB é a essência do fisiologismo. Tem bons quadros, mas vive de troca de favores. Ignora concepção programática, visão doutrinária, tudo para acomodar os interesses dos seus parlamentares, que só querem assegurar suas reeleições.

O senhor ainda quer ser presidente do Senado?
Se me oferecessem o cargo hoje, a cadeira ficaria vazia. Eu não romperia com meus ideais por um ato de vaidade. Nós, idealistas, achamos que o Legislativo não sobreviverá se continuar funcionando apenas na base do beija-mão do governo. O Senado deveria cuidar da regulação e da proteção do estado sem ultrapassar o limite de revisor das leis. Não dá para presidir a Casa hoje sem forças para fazer o resgate desse papel. Aliás, Sarney deveria tomar consciência de que, sozinho, ele é insuficiente para mudar o Senado. Por uma razão: foi eleito com o apoio daquela casta de servidores para manter a estrutura atual. Ele deveria radicalizar na transparência e adotar medidas moralizadoras.

O senhor fala em idealismo, mas confundiu o bem público com o privado ao emprestar um celular do Senado para sua filha usar em uma viagem de férias ao México.
Eu errei. Foi um ato irrefletido de um pai superprotetor. A minha filha ia para um lugar estranho e, para encontrá-la a qualquer momento, entreguei o celular. Mas, um mês e meio antes da chegada da conta, que é trimestralacessaram minha fatura e me denunciaram. Isso me causou uma dor profunda, comprometeu toda uma vida baseada na humildade e na coerência. Paguei a conta antes que o Senado gastasse um centavo.

De onde o senhor tirou dinheiro para pagar a conta de 14 000 reais se recebe um salário líquido de 12 000 reais?
Fiz um empréstimo bancário para pagar em 72 vezes. A minha filha levou o celular só para receber ligações minhas ou da sua mãe. Tomei um susto com a conta, que chegou a essa soma por uma fatalidade. A mãe do namorado dela teve ruptura de um aneurisma cerebral no dia seguinte à viagem e passou dez dias em coma. Ela se descontrolou com as ligações.

O senhor lhe deu uma bronca?
Não, fiquei com pena. Ela sofreu tanto pelo namorado e, depois, por mim. Mas quem não erra na vida na condição de pai? Esse caso me fez refletir sobre o tênue limite entre o público e o privado. Tenho uma cota mensal de 250 reais para telefone fixo em casa, mas não posso proibir que um filho faça um interurbano para o avô no Acre. É difícil separar o público do privado nessas pequenas coisas.

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