O governo brasileiro deveria ver com muita desconfiança a proposta de criação de estoques globais de alimentos para defesa dos pobres contra os grandes aumentos de preços. A intenção pode parecer muito boa e talvez seja de fato louvável, mas é preciso saber quem pagará a conta e como será afetada a agricultura dos produtores mais eficientes, a começar pelo Brasil. O assunto foi incluído na pauta dos encontros de L?Aquila, onde chefes de governo das maiores economias desenvolvidas e em desenvolvimento participam de um festival de reuniões. O assunto não será resolvido com umas poucas discussões, mas convém, desde logo, avaliar com muito cuidado todo tipo de risco. O governo brasileiro já se dispôs a apoiar o desenvolvimento agrícola de vários países pobres por meio da transferência de tecnologia. Em situações de emergência, tem contribuído com ajuda material, mas esse é um problema diferente. Planos de médio e de longo prazos não resolverão o drama atual de 1 bilhão de pessoas levadas à fome pela recessão global, pela piora nas condições de financiamento e pela consequente dificuldade de importar a comida necessária. Mas a crise, embora imponha a adoção de medidas imediatas de socorro aos mais pobres, cria um ambiente político favorável à discussão de soluções estruturais, de prazo mais longo. O auxílio ao desenvolvimento agrícola das economias pobres e dependentes da importação de alimentos parece a melhor resposta. Para isso seriam necessárias duas linhas de ação. Uma envolveria a ajuda financeira - promessa habitualmente descumprida pelos governos do mundo rico - e o apoio à modernização tecnológica. Seria preciso conceber programas bem mais eficientes que aqueles aplicados até agora pelo Banco Mundial e outras agências de financiamento. O Brasil poderia manter e talvez ampliar a contribuição no campo da produção de conhecimento e de adaptação de tecnologia. A outra linha seria uma reforma ampla e efetiva das condições do comércio internacional, com a eliminação das barreiras e enormes subvenções mantidas pelos governos dos EUA e da Europa. Esses mesmos governos têm resistido à eliminação dessas distorções, dificultando a conclusão da Rodada Doha. Enquanto o acesso aos grandes mercados permanecer limitado e os subsídios continuarem afetando a formação de preços, a maioria dos países pobres terá dificuldade para concorrer internacionalmente. Os problemas enfrentados pelos produtores africanos de algodão são uma demonstração de como as políticas comerciais do mundo rico afetam as economias mais frágeis. Não convém ao Brasil - e disso o governo se mostra consciente - discutir um plano de segurança alimentar para os países pobres sem a garantia de avanços na Rodada Doha. Avanços, nesse caso, correspondem a uma efetiva liberalização do comércio de produtos agropecuários. Além disso, a ideia de formação de estoques de segurança regidos por normas internacionais tem tudo para dar errado. Estoques têm custos financeiros e é preciso saber de onde sairá o dinheiro. Uma proposta desse tipo não tem sentido para o Brasil. O País tem condições de produzir para o consumo interno e para abastecer boa parte do mercado internacional. Não há por que os produtores brasileiros deixarem de se beneficiar da expansão da demanda mundial. Limitar a especulação nas bolsas internacionais é uma boa ideia, mas para isso os governos podem criar mecanismos de regulação. Finalmente, não tem sentido o governo brasileiro entrar numa discussão sobre segurança alimentar na posição de réu, como se o Brasil fosse responsável pela fome no mundo. Mas o Brasil tem sido posto na posição de réu desde o início da campanha internacional contra os biocombustíveis. Um dos principais alimentadores dessa campanha tem sido a FAO, o órgão das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação - uma das entidades mais improdutivas de todo o sistema multilateral. Se o governo brasileiro não tomar cuidado, acabará assumindo, em nome do País, a culpa pelas misérias do mundo. |