Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, maio 06, 2009

Suíno sadio Xico Graziano

O ESTADO DE S PAULO
Coitado do porco. Como se a má fama histórica não lhe bastasse, agora o culpam pela mais recente doença dos seres humanos. Soa uma infâmia denominar essa epidemia como "gripe suína". Vaticina contra os agricultores.

A suinocultura padece eternamente do veto religioso. O consumo de sua carne é proibido entre os judeus, muçulmanos e adventistas do sétimo dia. Razões bíblicas, nunca plenamente compreendidas, amaldiçoaram o animal. No Levítico, livro do Velho Testamento, estabelece-se que é impuro todo animal, como o porco, "que tenha a unha fendida, mas que não tem o pé dividido e não rumina". E o Deuteronômio sacramenta: "Não comereis de suas carnes, nem tocareis nos seus cadáveres."

Varou séculos o tabu contra a carne suína. Outras explicações se agregaram aos fundamentos bíblicos. Da porca não se tira leite nem lã, produtos valorizados entre os povos antigos. Mais ainda. Naquela época, entre os pastores judeus que habitavam o deserto, criar porcos era custoso, pois os animais competiam diretamente com o alimento produzido pelo homem. Acontece que o suíno, realmente, prefere cereais e tubérculos às gramíneas. Tal hábito alimentar - chamado onívoro - o distingue dos herbívoros, especialmente dos ruminantes, como os bovinos, ovinos e caprinos.

Estes se encontram no início das cadeias alimentares. Acontece que os herbívoros conseguem aproveitar a energia do Sol, captada pelos vegetais via fotossíntese, elaborando proteína a partir do capim. Já as espécies superiores, como as carnívoras, precisam ingerir proteína elaborada por outros organismos. Conceitos da ecologia.

A criação de porco vingou, mundo afora, aproveitando os restos de comida. No Brasil, a antiga prática de recolher a "lavagem" até hoje se verifica nas cidades do interior e mesmo na periferia das metrópoles. Colocados sobre fétidas carroças, latões imundos armazenam o sobejo que, nas pocilgas, vira guloseima. Dos bichos, claro.

Adoradores de raízes, minhocas e vermes, os porcos adoram fuçar o chão. Ao chafurdarem nos terrenos, provocam buracos que nas chuvas se enchem de água, transformando-se em barrentas piscinas. Os suínos, a exemplo dos cães, não apresentam glândulas sudoríparas, capazes de os refrescar no calor. Além do mais, o barro protege o couro contra os insetos. Útil lama.

Por essas e outras, a população associa o porco a sujeira. Na linguagem popular, quando alguém não se mostra asseado, diz-se que o fulano é porco! Se beltrano desarruma suas coisas, acaba "espírito de porco"! Depreciativo, quando algo não presta, vira uma "porcaria".

Tudo, entretanto, muda. E, neste caso, para melhor. Nas modernas granjas as raças especializadas desaprendem a fuçar por causa do duro concreto do chão da pocilga. A ração cheira gostosa, tal comida de gente. Lama e lavagem fazem parte do passado da suinocultura. Hoje em dia, os animais, branquinhos, andam elegantes, como se usassem saltos nos pés. Limpos e sadios.

Há tempos o marketing do porco ganha mercado. Basta verificar que, no ranking mundial da produção de carnes, os suínos lideram com 40,4%, seguidos da avicultura, com 30,4%, depois os bovinos, com 21,7% da produção total. A China produz, sozinha, 53% da toda a carne suína do mundo. Mas na Europa o consumo per capita é mais elevado: 44 kg/ano. Haja linguiça.

No Brasil a situação se inverte. O consumo per capita da carne de porco alcança apenas 13 kg/ano, bem abaixo da carne bovina (38 kg/ano) e do frango (36 kg/ano). Duas razões explicam tal preferência. Primeiro, o menor consumo de alimentos industrializados, os saborosos embutidos, famosos nos países europeus. Segundo, freia o consumo a ainda baixa reputação da carne suína.

Não anda fácil a vida dos suinocultores brasileiros. Lutam contra o preconceito, explicando que a cisticercose e a lavagem pertencem ao passado. Enfrentam, todavia, setores concorrentes que, sutilmente, influenciam a opinião pública, levando-a a acreditar que a caloria da banha engorda e faz mal. Ora, com as modificações tecnológicas do modo de produção, o porco hoje é light. Pesada resta a imagem antiga.

Agora chegou do México essa desgraçada história da gripe suína. Países freiam a importação da carne, sabe-se lá se com medo da doença ou praticando guerra comercial disfarçada. Nos açougues, a dona de casa, preocupada, vendo aqueles mascarados na televisão, evita o pernil e a costelinha. Cai o mercado, arrasa o preço, quebra o produtor.

Interessante. Globalizada, a sociedade parece gostar do espetáculo da desgraça, desenvolvendo uma incrível sedução pela angústia coletiva. Há tempos a mídia torce pela chegada de alguma pandemia. Afinal, ainda não a conhecemos, aquele sofrimento a devastar milhões, se possível sangrando pelo nariz, espirrando e tossindo o vírus letal. Um horror.

Houve um ameaço, frustrado, coisa de dois anos atrás, com a gripe aviária. Venderam-se notícias mirabolantes, mas o caos não vingou. Sim, ocorreram problemas, pessoas, infelizmente, perderam a vida. Nada, porém, da esperada pandemia, permanecendo sob controle a situação sanitária. A disenteria comum continua, longe, matando mais crianças.

Essa nova gripe vai passar logo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconheceu o equívoco e trocou o nome da doença para "gripe A". Os porcos, afinal, não espirram com ela. Para azar dos catastrofistas, nenhuma histeria se justifica com o vírus mutante H1N1.

Os mexicanos, com ajuda da OMS, deveriam, mesmo, é melhorar o saneamento no país. Pois a falta de água e de sabão explicam a epidemia de gripe naqueles imundos locais onde as pessoas vivem pior que os porcos. Isso, sim, impressiona.

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