O Globo - 14/05/2009 |
A proposta de reforma política que estará em discussão na Câmara tem sua gênese nos escândalos permanentes das campanhas eleitorais e na decisão do TSE de que o mandato legislativo pertence aos partidos políticos, e não aos eleitos, o que mudou completamente a lógica do sistema até então em vigor. O objetivo da lista é exatamente dar maior peso aos partidos políticos na escolha dos candidatos, levando o eleitor a se preocupar mais com a legenda do que com o candidato individualmente. O projeto encontra reação em diversos setores da sociedade, mas tem, também, defensores de peso, como a cientista política da Fundação Getulio Vargas do Rio Maria Celina D’Araujo. Para ela, “é um equívoco” dizer que com o financiamento público de campanha o eleitor vai pagar para votar. “Já pagamos, e muito, pelo Fundo Partidário e pelo horário de propaganda gratuita na televisão. O que se quer é ter o financiamento público exclusivo, depois do mensalão ficou claro que era preciso mexer nesse modelo de financiamento de campanhas eleitorais”, afirma Maria Celina, que ressalta que “democracia é cara em qualquer lugar do mundo”. O defeito apontado pelos críticos na lista fechada ela vê também no sistema atual: “Hoje, com o voto em lista aberta, o eleitor vota em um e elege outro candidato, é uma falácia dizer que na lista fechada o eleitor não saberá em quem vai votar”. Os partidos vão ter que aprimorar suas listas se quiserem ter votos, vão escolher os melhores, alega a cientista política, dizendo que duvida que os partidos tenham coragem de colocar certos nomes nas listas: “O eleitor, com a lista, ficará sabendo que tem responsabilidade de eleger um Babu se votar na legenda do partido que o abriga. Hoje, o eleitor não nota que seu voto pode estar elegendo um Babu”. Ela admite que as oligarquias partidárias podem se fortalecer, “mas podem também perder o poder, se o partido caminhar para uma escolha que lhe dê prestígio junto ao eleitor”, contrapõe. Além do mais, Maria Celina vê outra “função importantíssima” da lista fechada: a de dar espaço para a representação feminina, que hoje é de cerca de 5%, quando na Argentina é de cerca de 40%. Para ela, não há golpe parlamentar na tentativa de aprovar o voto em lista por maioria simples. “Seria um primeiro passo, as reformas políticas são muito delicadas de serem feitas, têm que ser feitas por etapas, o autorreformismo é muito difícil”. O vereador Alfredo Sirkis, do Partido Verde do Rio, também defende a lista fechada, e ironiza o fato de que se tornou “politicamente correto” considerar ameaça à democracia “modalidades praticadas por países com costumes políticos e serviços públicos significativamente mais saudáveis”. Ele ressalta que “nenhum sistema eleitoral é isento de críticas e sempre haverá reclamações justas contra todos”, lembrando casos de corrupção em países europeus ou outras consequências, como no voto distrital puro, anglo-saxão, “a tendência ao bipartidarismo e ao esmagamento das minorias”, e no voto proporcional por lista fechada, “a partidocracia que criticam os argentinos”. Sirkis pensa, no entanto, que nosso sistema é pior. “O sistema proporcional-jabuticaba faz da carreira individual do político a entidade soberana à qual tudo é devido”. A consequência seria que “nossos governos ficam frágeis e necessitam barganhar com dezenas ou centenas de parlamentares, fisiológica e individualmente, para poder governar”. Para Sirkis, esse sistema é “caldo de cultura fértil à grande corrupção e, em médio prazo, uma ameaça à democracia”. O vereador do PV admite que o voto proporcional por lista fechada ou o voto distrital misto “não liquidariam a corrupção nem seriam panaceia, mas tornariam as campanhas infinitamente mais baratas e simples de fiscalizar, dariam mais consistência programática aos partidos, tornariam inócuos os currais, centros assistenciais e outras formas de clientelismo, hoje generalizadas”. Os partidos também seriam responsáveis pelos atos do conjunto de seus quadros — “quem vender lugar na lista ou lá escalar seus parentes verá o partido, como um todo, punido pelo eleitor”. Teriam, também, na análise de Sirkis, que abrir espaço no Legislativo “a quadros parlamentares mais preparados tecnicamente que hoje não participam de eleições por carecerem de recursos, esquemas assistencialistas ou do poder de comunicação (quase sempre demagógico) que o púlpito do pastor, o microfone do radialista ou as chuteiras do craque propiciam”. O cientista político Amaury de Souza, por sua vez, reclama da não inclusão no debate do voto distrital, e acha mais viável a adoção do distrital misto “porque o preconceito que a esquerda e o academicismo antinorteamericano criou contra o distrital puro é fortíssimo, inclusive na imprensa”. Ele lembra que existe um projeto de emenda constitucional, de autoria do deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), em tramitação na Câmara, que institui o voto distrital, que tem o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Seus defensores consideram o voto distrital uma solução rápida e eficiente por quatro razões: 1) é um sistema simples e de fácil implantação. Nas eleições para a Câmara Federal, cada estado seria dividido em tantos distritos quantas as vagas a preencher. No distrito, cada partido apresenta um candidato, cabendo a vaga àquele que obtiver a maioria simples dos votos; 2) o sistema distrital incentiva a participação do eleitor, que exerceria maior vigilância e fiscalização sobre o representante eleito do seu distrito; 3) permite diminuir o custo das campanhas eleitorais para o país como um todo; 4) o voto distrital abre ao eleitor a possibilidade de trabalhar contra um candidato. No atual sistema brasileiro, essa possibilidade simplesmente não existe. |
Entrevista:O Estado inteligente
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