A caderneta não ficou apenas confusa com as mexidas anunciadas pelo governo. Um dos efeitos colaterais é o de que o governo produziu incertezas no sistema financeiro da habitação, cujas consequências são de difícil avaliação.
Para alguns políticos da base aliada, as críticas que se fizeram às mudanças atendem aos interesses dos rentistas, que estão mais preocupados com o bem-bom das benesses proporcionadas pelo mercado financeiro do que com o interesse público.
O que esta coluna pretende mostrar é que o resultado prático do que acaba de ser definido tende a elevar os custos do financiamento habitacional.
O sistema opera descasado. Os bancos captam depósitos em poupança que são devidos à vista. Um aplicador pode retirar em qualquer dia útil o que tem na caderneta. Mas o banco trabalha com esse mesmo dinheiro a longo prazo. Reempresta os recursos devidos à vista para o tomador de financiamento da casa própria, que tem 10, 15 ou 20 anos para devolvê-los, em suaves prestações mensais.
Essa peculiaridade exige que o banco funcione com nível reforçado de reservas, para ter condições de enfrentar tanto um eventual aumento da inadimplência como uma corrida aos depósitos.
As alterações anunciadas anteontem não estabeleceram horizontes definitivos. Ficou claro que mais adiante haverá novas mudanças. Isso significa que aplicadores que gozam de liquidez imediata e intermediários financeiros (bancos) que reemprestam a longo prazo serão obrigados a operar com maior nível de incerteza. Enfim, o sistema está mais sujeito a movimentos de desconfiança.
Por enquanto não há nenhum indício de que o aplicador esteja disposto a sacar seu dinheiro, nem imediatamente nem no início do ano que vem (quando entram em vigor as novas regras, se passarem no Congresso). Mas a verdade é que, por motivos compreensíveis, o governo demonstrou que pretende desestimular saldos individuais superiores a R$ 50 mil. Embora correspondam a cerca de 1% dos aplicadores em cadernetas de poupança, esses saldos equivalem a 41% do total ou a quase R$ 271 bilhões.
Basta que, com base nesse novo desestímulo, um grande número de titulares desses recursos vá buscar seus depósitos para que o equilíbrio se desfaça. Em outras palavras, se o sistema de poupança e empréstimo vai ter de trabalhar com um nível maior de incerteza, o custo do financiamento tende a aumentar.
Tampouco está claro o que vai ocorrer com as letras e as cédulas hipotecárias, igualmente isentas do Imposto de Renda. São títulos emitidos pelos bancos por meio dos quais levantam recursos que depois também serão canalizados para o financiamento habitacional. Se os rendimentos das letras imobiliárias e das cédulas hipotecárias passarem a ser submetidos a taxação equivalente à da caderneta, o aumento de custo acabará sendo repassado para a ponta do financiamento.
Enfim, as decisões do governo concorrem para elevar o custo do crédito habitacional num momento em que o programa "Minha Casa, Minha Vida", lançado no fim de março como prioridade do presidente Lula, ainda não decolou.
Em consequência de fortes pressões eleitorais, as alterações impostas agora à caderneta foram feitas de maneira improvisada. Podem até dar certo, mas se derem, será por acaso, e não porque o governo trabalhou competentemente o problema.
Confira
Derretendo - O economista turco-americano Nouriel Roubini, que se notabilizou por ter previsto a eclosão da crise, fez ontem no New York Times duras críticas ao dólar.
O dólar está ficando refém dos asiáticos, adverte: "Se a China e outros países diversificarem suas reservas, os Estados Unidos sofrerão."
E Roubini avança: "O declínio do dólar pode levar mais de uma década, mas pode ser antecipado se não colocarmos a casa em ordem. Os Estados Unidos precisam conter o consumo e perseguir o crescimento que não se baseie nas bolhas dos ativos e do crédito."
Entrevista:O Estado inteligente
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