FOLHA DE S PAULO
UM DOS ASPECTOS mais intrigantes do momento que estamos vivendo é a facilidade com que alguns intelectuais concluíram que a crise que se abateu sobre o sistema financeiro americano e infeccionou o resto do mundo é o ponto terminal do "capitalismo" e de seu acompanhante, o "liberalismo".
Esta crise não seria apenas mais um dos movimentos cíclicos conhecidos, como no passado. Seria uma interrupção definitiva do mecanismo de seleção histórica quase natural pelo qual eles evoluíram.
Esse diagnóstico é muito simplista e sujeito a séria controvérsia.
Obviamente, "capitalismo" não é uma coisa. É um processo. O mesmo nome foi designando realidades históricas muito diversas. Sua instituição básica é a propriedade privada e a alocação de bens e serviços através de "mercados". Isso exige a existência de um Estado capaz de garanti-los e a consequente execução dos contratos. Nele há uma clara distinção entre os proprietários dos bens de capital, que se apropriam do excedente produzido pelos não proprietários. Estes alugam a sua força de trabalho em troca de salário.
Trata-se de uma formação histórica, cuja origem se perde no tempo, mas que, a partir de meados do século 18, gerou um enorme aumento da produtividade do trabalho. Mudanças nas instituições da propriedade e a garantia da apropriação privada dos benefícios gerados pelas inovações revolucionaram o processo produtivo.
Por um lado, ela apresenta dois problemas complicados: uma ínsita tendência 1º) à flutuação da produção e do emprego e 2º) ao aumento da desigualdade na distribuição do produzido. Por outro, ela tem três virtudes: 1º) é compatível com a liberdade individual; 2º) é amplamente adaptativa; 3º) sendo resultado de um processo histórico, ela não é nem natural nem eterna.
A sua evolução em termos de eficiência produtiva compatível com a liberdade individual é visível.
Quanto à flutuação da produção e do emprego, ela parece estar diminuindo fortemente. Nos EUA, de 1953 a 1982, tivemos sete ciclos com período médio de quatro anos.
De 1983 a 2007, o período médio foi de 12 anos. Quanto à redução da desigualdade, bons projetos tributários têm corrigido de forma significativa o chamado índice de Gini. Isso sugere os efeitos positivos da ação consciente e indispensável do Estado-indutor para o bom funcionamento dos mercados.
A crise de 2008 mostra, na verdade, uma falha do Estado-regulador, corrompido pela ideologia do "mercado perfeito". Não fala a favor da ressuscitação do Estado-produtor como tem sido sugerido por alguns afoitos...
Entrevista:O Estado inteligente
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