Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 14, 2009

Claudio de Moura Castro Civilizações não são contagiosas


"Minorias não logram impor seus valores, expectativas e comportamentos, mesmo tendo o poder militar"

Cinco séculos atrás, com os avanços na cartografia e nas artes navais, os europeus se esparramaram pelo mundo afora. O que levaram para as novas terras? Os países mais avançados, como Inglaterra, França, Alemanha e Holanda, possuíam um núcleo educado, dominando ciências e tecnologias. Tinham capacidade de se organizar e governos funcionais. Isso tudo lhes dava competência econômica para produzir. Em que pesem os escorregões, foi uma herança extraordinária, ímpar na história da humanidade. Espanha e Portugal eram bem mais frágeis nesses traços, embora competentes nas artes navais e militares.

Ao longo dos séculos, os movimentos demográficos se plasmaram em dois modelos. O primeiro consistiu em entrepostos ou colônias de exploração que sobreviveram até recentemente. Eram enclaves defendidos manu militari, dispondo de alguma administração local. Os pouquíssimos colonizadores comerciavam ou administravam grandes propriedades, com mínima integração com as sociedades locais (ou seus escravos). Nesse modelo de colônias de exploração, Portugal criou as suas, como em Moçambique e Angola. Os conquistadores da Espanha avançaram pelas Américas. A Inglaterra foi para a África e o subcontinente indiano; a França, para a África e a Indochina; e a Holanda, para a Indonésia. Contudo, nem uma só dessas colônias, mesmo as dos países avançados, conseguiu criar economias e instituições como as da Europa.

Ilustração Atômica Studio


O outro modelo era de povoamento. Fluxos migratórios substanciais criaram núcleos com total predominância de colonos europeus. Para as suas novas pátrias, viajaram as famílias e as instituições. Desde o início, elas reproduziram o tecido sociocultural de suas sociedades de origem. As migrações inglesas criaram a Austrália, o Canadá, os Estados Unidos, a Nova Zelândia e enclaves na África do Sul (onde já havia enclaves holandeses). Os franceses foram para o Canadá. Todas as novas sociedades, criadas com predominância de migrantes dos países avançados da Europa, tornaram-se também países bem-sucedidos. Sem exceções.

Bem depois das levas de aventureiros e conquistadores, deixam a Espanha migrações diferentes. Eram agricultores e pequenos artesãos que criaram países em territórios quase vazios. Aí estão Costa Rica, Uruguai, Argentina e Chile, com razoáveis indicadores de desenvolvimento. Mas não se equiparam aos países criados por migrantes dos países mais avançados. Simplificamos demasiado. Como não fazê-lo, em uma só página? Mas o esboço mostra os limites e os potenciais da transferência de culturas e civilizações. Quando migrantes dos países mais avançados tiveram predominância demográfica, lograram recriar sua sociedade alhures. Sempre deu certo. O que tinham de bom foi reproduzido na nova sociedade (e de ruim também, como os preconceitos raciais). Em contraste, nas colônias, os europeus diluídos entre os "nativos" jamais conseguiram reproduzir plenamente os valores e a civilização da metrópole. Ou seja, as instituições de um país só se transportam plenamente quando plantadas em novas sociedades em que predominam seus cidadãos. Não se conseguiu enxertar uma cultura em outra, pela via de alguns poucos colonizando os "nativos". Minorias não logram impor seus valores, expectativas e comportamentos, mesmo tendo o poder militar. Civilizações não são contagiosas e não "pegam de galho". Mas advertimos: nada a ver com raça, pois minorias bem integradas de outros sangues, como camaleões, podem incorporar os traços da cultura majoritária.

E o Brasil, colonizado por um dos países mais atrasados da Europa? Inicialmente, bandos de portugueses misturaram-se espontaneamente com os índios e africanos. Lá pelas tantas, fugindo de Napoleão, aportou dom João, trazendo toda a elite portuguesa, um caso único de transplante de uma sociedade europeia. Seguiu-se uma extraordinária miscigenação, integrando (na cama) migrantes de mais de cinquenta nacionalidades. O quadro é confuso, mesclando enredos de atraso, progresso e uma surpreendente capacidade de aculturação. Terminamos com uma sociedade heterogênea, de grandes pecados, grandes ambiguidades e grandes realizações. Para enxergar mais à frente, precisaríamos ver o passaporte de Deus.

Claudio de Moura Castro é economista
Claudio&Moura&Castro@cmcastro.com.br

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