Em 2012 o PIB do país vai crescer um pouco mais de 1% e por isso a arrecadação não está sendo tão boa quanto esperado. Não haveria nada demais em descumprir a meta fiscal. O problema é que o governo descumpriu também no ano em que cresceu 7,5%. Na área fiscal, o que preocupa não é um ano atípico, mas sim o conjunto da obra que mostra um contínuo relaxamento.
O governo em anos anteriores usou de vários artifícios e truques para fazer com que os números encontrassem a meta. Desde expurgar gastos, antecipar dividendos, registrar como recebido contabilmente royalties de petróleo ainda não encontrado, e repassar dinheiro para bancos públicos como se fossem empréstimos. A confusão que está sendo feita nas contas públicas é que assusta, e não a informação de que o governo Dilma se prepara para comunicar que não cumprirá a meta de 3,1% de superávit primário este ano.
O Brasil vem mantendo a política de superávits primários - poupança para a redução da dívida - desde 1999. É da natureza da política fiscal ser mais expansionista nas crises e mais contracionista nos momentos de crescimento. Por isso, se o governo tivesse tido em 2010 mais temperança poderia agora sem preocupar ninguém desviar-se da meta ligeiramente.
Mas o governo tem aumentado os gastos como proporção do PIB todos os anos e isso é insustentável. Ele cumpriu a meta porque o contribuinte pagou mais impostos. Os números que prefere exibir são os que favorecem. Os que atrapalham não são ressaltados. A queda da dívida líquida é enfatizada, o aumento da dívida bruta é deixado de lado.
Na dívida líquida, o governo desconta os ativos, como reservas cambiais. Mas a dívida bruta é o conceito usado internacionalmente. Este ano, ela vai subir três pontos percentuais e vai terminar em 57% do PIB, um desempenho inaceitável para um país que não está em crise.
Uma fonte do aumento da dívida bruta são as liberações para o BNDES, Banco do Brasil e Caixa. O governo se endivida e transfere recursos para os bancos públicos com juros menores do que paga. Assim, eles aumentam a oferta de crédito. O que num momento de crise foi usado como mecanismo de emergência virou rotina. Acabou se transformando em orçamento paralelo, numa repetição apavorante de um mecanismo que alimentou a desordem das contas públicas do governo militar: a conta movimento
Só este ano serão R$ 61 bilhões injetados nos três bancos. Em anos anteriores, o Tesouro enviou mais de R$ 300 bi ao BNDES. Tenho dito que esse mecanismo, além de todos os defeitos, é um retrocesso no processo virtuoso que a democracia impôs às contas públicas. Todo o esforço do regime democrático tem sido para dar mais transparência aos gastos. O custo dessas transferências não fica registrado no Orçamento e, portanto, vai no sentido inverso: o de tornar as despesas mais opacas.
Com a queda forte das taxas de juros o governo está gastando menos com a rolagem da sua dívida. Era para estar reduzindo a dívida bruta e não aumentando, era para estar derrubando o déficit nominal, no qual fica contabilizado o custo financeiro do Tesouro. Portanto, as contas estariam melhores e o governo teria um motivo a mais - além do baixo crescimento - para reduzir o superávit.
O valor de 3,1% de superávit primário não é mágico nem obrigatório. Ele pode ser reduzido em momentos de necessidade. Principalmente se for para ampliar os investimentos dos quais o Brasil precisa e que garantirão crescimento futuro. O problema é o conjunto da obra. Devagar o governo vai demolindo as bases do edifício fiscal do país que custou tanto para pôr em pé.