O Globo - 15/09/2011 |
O mais importante na demissão de mais um ministro do governo Dilma, o quinto em menos de oito meses - um recorde negativo inacreditável - é a mudança, mesmo que tímida, nos critérios de preenchimento do cargo, que pode sinalizar um avanço na maneira de organizar o presidencialismo de coalizão.
Ao exigir do PMDB o mínimo, ou seja, que o substituto do deputado Pedro Novais fosse um político "ficha-limpa", que possa enfrentar uma entrevista coletiva sem ter que dar satisfações de eventuais malfeitos, a presidente colocou uma premissa que já limita a escolha, e deixou o partido em uma situação embaraçosa.
O deputado federal Pedro Novais é um jabuti em cima da árvore, na velha história política. "Se não foi enchente, foi mão de gente". Isto é, se está lá, é porque alguém o colocou, pois jabuti não sobe em árvores.
Um político sem expressão, Novais foi parar no ministério unicamente pelos defeitos do sistema de repartição política dos cargos públicos, e não por eventuais capacitações para exercer a função.
Ficou provado nesses meses de pouca eficiência e muita denúncia de corrupção que Pedro Novais não passa de um jabuti político, embora nesse momento ninguém apareça para assumir tê-lo colocado em galho tão alto da árvore.
Um dos maiores erros cometidos pela presidente Dilma na organização de seu Ministério, já escrevi aqui, foi ter aceitado que os partidos políticos assumissem integralmente a responsabilidade pela indicação, não apenas do ministro como de todos os demais cargos.
Com essa decisão, ela oficializou os ministérios como feudos partidários, e fez com que os escolhidos tivessem mais compromissos com o líder partidário que os apadrinhou e com a bancada que referendou as escolhas. Os compromissos com os projetos governamentais ficaram em segundo plano.
A presidente tentou dar uma recuada na "faxina ética" que vinha fazendo no governo, passou a não assumir a intenção de fazer uma limpeza, mas vai ter que recuperar rapidamente essa agenda política e assumi-la, porque do contrário a imagem que ficará é a de um governo completamente descontrolado.
Ou ela assume que está fazendo uma mudança de critérios na governabilidade da coalizão, ou vai passar por uma presidente que não tem controle sobre o seu governo, que não sabe quem coloca nos cargos, nos ministérios.
A presidente Dilma, sem dúvida, recebeu uma "herança maldita" do presidente Lula, numa dessas ironias políticas, e teve que aceitar imposições das quais vai se livrando aos poucos, de acordo com o pipocar dos escândalos.
Até mesmo o único dos cinco ministros que saiu sem estar ligado a problemas de corrupção, Nelson Jobim, da Defesa, não era a escolha de Dilma e ficou por injunção do ex-presidente Lula.
A incompatibilidade de gênios, que já existia anteriormente no Ministério de Lula, comprovou-se nos seis primeiros meses do governo, ocasionando sua saída.
Se a presidente Dilma assumir a constatação de que os critérios para montar o governo de coalizão estão superados, corrompidos por maus hábitos enraizados na nossa cultura política, e que ela vai tentar alterar esse comportamento, terá uma agenda política importante pela frente e, sem dúvida, terá o apoio da sociedade, que anseia por uma mudança.
Na verdade ela teve que dar uma recuada porque foi pressionada pelos aliados e pelo próprio ex-presidente Lula, que nunca teve esse comportamento diante dos malfeitos de seus aliados políticos.
(Malfeitos, aliás, é a palavra mais amena que a presidente Dilma encontrou para se referir a corrupção sem ferir os ouvidos sensíveis de seus aliados).
A tendência de Lula sempre foi proteger os seus assessores, mesmo quando apanhados em flagrante delito. A presidente Dilma está se mostrando diferente, e a "faxina ética" chegou a ser cogitada como um mote de campanha de marketing governamental pela boa repercussão na sociedade.
Mas a base aliada ficou incomodada com a pressão do Palácio do Planalto, e o próprio PT alegou que essa campanha passaria a ideia de que o ex-presidente Lula foi leniente com a corrupção (o que é verdade), prejudicando sua imagem popular e o próprio partido.
O deputado Pedro Novais é uma vítima tardia dessa mudança de atitude, e permaneceu no cargo até ontem porque a presidente estava tentando levar questões como a dele em banho-maria até fazer uma reforma ministerial mais ampla, que não atingisse ninguém individualmente.
Ele não resistiu porque foram muitas denúncias simultâneas, todas revelando um arraigado patrimonialismo que é muito comum no Congresso.
Pagar empregadas domésticas com dinheiro público, usar funcionários do gabinete parlamentar para servir de motorista particular, todas essas são práticas corriqueiras num ambiente em que está disseminada a convicção de que o dinheiro público pode ser usado ao bel-prazer do funcionário, sem distinção de postos, hábitos arraigados numa confusão entre o público e o privado que historicamente domina nossa cultura.
Pedro Novais, aliás, não deveria nem ter assumido o Ministério do Turismo diante daquela primeira denúncia de que pagara uma festa em um motel com dinheiro público.
Com a demissão, a presidente retoma o processo de limpeza e terá mais uma vez o apoio da sociedade. Mas ela precisa assumir como uma missão de seu governo a renovação dos critérios para a organização dos governos dentro do nosso sistema de presidencialismo de coalizão.
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Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, setembro 15, 2011
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