Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 31, 2010

ARNALDO JABOR A volta do bode preto da velha esquerda

O GLOBO - 31/08/10

Meu primeiro grande amor começou num "aparelho" do Partido Comunista Brasileiro em 1963, meses antes do golpe militar. Era um pequeno apartamento conjugado na rua Djalma Ulrich, em Copacabana, em cima de uma loja de discos. No apartamento, havia um sofá-cama com a paina aparecendo por um buraco da mola, entre manchas indistintas - marcas de amor ou de revolução? Na parede, um cartaz dos girassóis de Van Gogh e, numa tábua sobre tijolos, livros da Academia de Ciências da URSS. Um companheiro me emprestara a chave com olhar preocupado, sabendo que era para o amor e não para a política. "Cuidado, hein, se o dirigente da ‘base’ souber...." - disse-me, vendo a gratidão em meus olhos.
Eu era virgem de sexo com namoradas, pois pouquíssimas moças "davam" nessa época anterior à pílula; transar, para elas, era ainda um ato de coragem política. As moças iam para a cama pálidas de medo, para romper com a "vida burguesa", correndo o risco da gravidez - supremo pavor. Famintos de amor, usávamos até Marx para convencer as meninas. "Não. Aí eu não entro!", gemiam, empacadas na porta do apartamento. Nós usávamos argumentos que iam de Sartre e Simone até a revolução: "Mas, meu bem, deixa de ser ‘alienada’... A sexualidade é um ato de liberdade contra a direita...". Tudo era ideológico em Ipanema - até a praia tinha um gosto de transgressão política. Éramos assim nos anos 60.
A guerra fria, Cuba, China, tudo dava a sensação de que a "revolução" estava próxima. "Revolução" era uma varinha de condão, uma mudança radical em tudo, desde nossos "pintinhos" até a reorganização das relações de produção. Não fazíamos diferença entre desejo e possibilidade. Eu era do Grupo Vertigem, como colegas radicais nos apelidaram. Nossa revolução era poética, Rimbaud com Guevara; era uma esperança de um tempo futuro em que a feia confusão da vida se harmonizaria numa perfeição política e estética. Para os mais obsessivos, era uma tarefa a cumprir, uma disciplina infernal, um calvário de sacrifícios para atingir não sabíamos bem o quê. Tínhamos os fins, mas não tínhamos os meios.
E, como todos, tínhamos horror ao demônio do capital e da administração da realidade para a luta (coisa chata, sem utopia...). Por isso, a incompetência era arrepiante. Ninguém sabia administrar nada, mas essa mediocridade era compensada por bandeiras e frases bombásticas sobre justiça social etc. Nunca vi gente tão incompetente quanto a velha esquerda que agora quer voltar ao poder como em 63, de novo com a ajuda de um presidente. Assim como foi com Jango, agora precisam do Lula. São as mesmas besteiras de pessoas que ainda pensam como nos anos 60 e, pior, anos 40."Revolução" era uma mão na roda para justificar sua ignorância, pois essa ala da esquerda burra (a inteligente cresceu e mudou...) não precisava estudar nada profundamente, por ser "a favor" do bem e da justiça - a "boa consciência", último refúgio dos boçais. Era generosidade e era egoísmo. A desgraça dos pobres nos doía como um problema existencial nosso, embora a miséria fosse deles. Em nossa "fome" pela justiça, nem pensávamos nas dificuldades de qualquer revolução, as tais "condições objetivas"; não sabíamos nada, mas o desejo bastava. Como hoje, os idiotas continuam com as mesmas palavras, se bem que aprenderam a roubar e mentir como "burgueses".
A democracia lhes repugnava, com suas fragilidades, sua lentidão. Era difícil fazer uma revolução? Deixávamos esses "detalhes mixurucas" para os militantes tarefeiros, que considerávamos inferiores, "peões" de Lênin ou (mais absurdo ainda) delegávamos o dever da revolução ao presidente da República, na melhor tradição de dependência ao Estado, como hoje. Deu nos 20 anos de bode preto da ditadura. Por que escrevo essas coisas antigas, estimado leitor? Porque muita gente que está aí, gritando slogans, não quer entender que a via mais revolucionária para o Brasil de hoje é justamente o que chamávamos de "democracia burguesa", com boquinha de nojo. Muita gente sem idade e sem memória não sabe que o caminho para o crescimento e justiça social é o progressivo aperfeiçoamento da democracia, minando aos poucos, com reformas, a tradição escrota de oligarquias patrimonialistas. Escrevo isso porque acho que a luta de hoje é entre a verdadeira esquerda que amadureceu e uma esquerda que quer continuar a bobagem, não por romantismo, mas porque o Lula abriu-lhes as portas para a lucrativa pelegagem.
Vejo, assustado, que querem substituir o patrimonialismo "burguês" pelo sindicalista, claro que numa aliança de metas e métodos com o que há de pior na política deste país. Vão partir para um controle soviético e gramsciano vulgar do Estado para ter salvo-condutos para suas roubalheiras num país sem oposição, entregue a inimigos da liberdade de opinião. Escrevo isso enojado pela mentira, vencendo com 80% de Ibope, apagando da história brasileira o melhor governo que já tivemos de 94 a 2002, com o Plano Real, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, com a telefonia moderna de hoje, com o Proer que limpou os bancos e impediu a crise de nos atingir, com privatizações essenciais que mentem ao povo que "venderam nossos bens...", com a diminuição da pobreza em 35% que abriu caminho para o progresso econômico de hoje, apropriado na "mão grande" por Lula e seus bolchevistas. Ladroeira pura, que o povo, anestesiado pelo Bolsa Família e pelas rebolations do Lula na TV, não entendem.
Também estou enojado com os vergonhosos tucanos apanhando na cara por oito anos sem reagir. O governo Lula roubou FHC e o mais sério período do país, e seus amigos nunca o defenderam nem reagiram. São pássaros ridículos em extinção.
Tenho orgulho de que, há 40 anos, no apartamento conjugado do Partidão com minha namorada, eu gostava mais dos girassóis de Van Gogh do que dos livros de Plekhanov. Por isso, para levar meu primeiro amor ao apartamento, usei uma cantada de esquerda: "Nosso amor também é uma forma de luta contra o imperialismo norte-americano".
E ela foi.

Festa na véspera Miriam Leitão

O Globo
Então é isso? Uma eleição cuja campanha começou antes da hora acabou antes que os votos sejam depositados na urna? A vencedora de véspera já estendeu a mão, magnânima, à oposição; seus dois maiores caciques começaram uma briga intestina; cargos são distribuídos entre os partidos da base e os assessores já preparam os planos e projetos. Fala-se do futuro como inexorável.

O quadro está amplamente favorável a Dilma Rousseff, mas é preciso ter respeito pelo processo eleitoral.

Se pesquisa fosse voto, era bem mais simples e barato escolher o governante.

Imagina o tempo e o dinheiro poupado se pesquisas, 30 dias antes do pleito, fossem suficientes para o processo de escolha? A estrutura da Justiça Eleitoral, as urnas distribuídas num país continental, mesários trabalhando o dia inteiro, computadores contando votos; nada disso seria necessário.

Mas como eleição é a democracia num momento supremo, respeitá-la é essencial.

Os que estão em vantagem, e os que estão em desvantagem, não podem considerar o processo terminado porque isso amputa a melhor parte da democracia, encerra prematuramente o precioso tempo do debate e das escolhas.

Dilma já sabe até o que fará depois de ser eleita, como disse na sexta-feira: “A gente desarma o palanque e estende a mão para quem for pessoa de boa vontade e quiser partilhar desse processo de transformação do Brasil.” Os jornalistas insistiram, ela ficou no mesmo tom: “Estendo a mão para quem quiser partilhar. Eu não sei se ele (Serra) quer.

Você pergunta para ele, se ele quiser, perfeitamente.” Avisou que se alguém recusasse, não haveria problema: “Pode ficar sem estender a mão, como oposição numa boa que vai ter dinheiro.” Já está até distribuindo o dinheiro público.

Feio, muito feio. Por mais animador que seja para Dilma os resultados da pesquisa — e deve ser difícil segurar a ansiedade — ela deveria pensar em algumas coisas antes. Primeiro, que falta o principal para ela ganhar: o voto na urna. Segundo, que o eleitor muda de ideia na hora que quer, porque para isso é livre.

Terceiro, que, novata em eleição, deve seu sucesso a fatores externos a ela: o presidente Lula, o momento econômico e a eficiência dos seus marqueteiros.

Aliás, o marketing de Dilma tem sido tão eficiente em aparar todas as arestas de sua personalidade que criou uma pessoa que nem ela deve conhecer.

O salto alto não é só dela, a bem da verdade. A síndrome das favas contadas se espalha por todo o seu entorno, cada vez mais desenvolto.

Por isso já começaram a brigar os generais de cada uma das bandas: Antonio Palocci e José Dirceu. Da última vez que brigaram, os dois caíram.

A disputa dos partidos da base de apoio pelos cargos públicos, como se fossem os despojos da guerra já vencida, é um espetáculo que informa muito sobre valores, critérios e métodos do grupo.

A desenvoltura do já ganhou é tanta que até o presidente Lula, dono da escolha autocrática de Dilma, parece meio enciumado e reclamou que já falam dele no passado. E avisou: “Ainda tenho caneta para fazer muita miséria.” A declaração inteira é reveladora: “Tem gente que fica falando aqui como se eu já tivesse ido embora, mas ainda tenho quatro meses e alguns dias de governo. Alguns falam como se eu já tivesse ido. Tem gente que se mata para ser presidente por um dia e ainda tenho quatro meses e alguns dias. Ainda tenho a caneta para fazer muita miséria nesse país.” O sentimento é um perigo.

O presidente Lula já está fazendo miséria. Atropelou o calendário eleitoral, zombou das multas na Justiça, pôs o governo que dirige para trabalhar pela sua candidata como se a máquina pública fosse um partido político.

Há uma lista enorme de misérias econômicas que o governo Lula tem feito nesse final dos tempos. Os gastos foram inchados, aumentos salariais ao funcionalismo já foram concedidos no próximo orçamento, restos a pagar se aproximam dos R$ 100 bilhões, projetos são precipitados sem análise de risco, o Tesouro vai emitir uma montanha de dívida para capitalizar a principal estatal. Enfim, o governo no finalzinho não lembra em nada o comedido início.

Aliás, a razão da briga entre os generais José Dirceu e Palocci é exatamente esse ponto: se é melhor ter uma cara de austeridade, ou continuar fazendo miséria.

O curioso da insegurança que bateu no presidente Lula é que foi ele mesmo que explicitou o clima de “fui” na campanha de Dilma Rousseff com aquele filmete do: “entrego em suas mãos.” Na sexta, Dilma disse mais: “Meu projeto político é ficar quatro anos. Na próxima eleição, digo o resto do projeto.” Então ela já começou a pensar na eleição de 2014? Mas pelos cálculos petistas, a história brasileira está decidida até 2022. É Dilma, agora. Depois, Lula em dois mandatos. Está tudo decidido para os próximos doze anos. O país teria assim um período de 20 anos de governo petista.

Quando Dilma brigou com Palocci em 2005 e disse que o projeto de zerar o déficit público era rudimentar, ela usou a conhecida expressão de Garrincha: “Falta combinar com os russos.” Agora, falta combinar com os brasileiros.

Disputa por espaço Merval Pereira

O Globo - 31/08/2010

O presidente Lula está utilizando sua força eleitoral para transferir aos estados a mesma expectativa de poder que conseguiu no plano nacional, no qual, antes mesmo de sua candidata oficial aparecer na frente das pesquisas, já havia uma percepção generalizada entre os eleitores de que ela acabaria sendo a vencedora.

A estratégia eleitoral do presidente Lula, que vem sendo vitoriosa em relação à campanha presidencial — com sua candidata se colocando com folga à frente do candidato oposicionista —, se desdobra agora na fase regional, onde o objetivo não é fazer a maioria dos governadores, mas, sim, garantir uma maioria sólida no Senado.

Um senador vale por três governadores, avisava bem antes da reta final da eleição o próprio Lula, justificando ter aberto mão de disputar muitos governos estaduais em favor de aliados em melhores condições.

Até o momento, no entanto, as pesquisas indicam que, além de mais governadores, a oposição e os independentes dos partidos aliados estão conseguindo manter um equilíbrio de forças dentro do Senado.

O PSDB hoje aparece com possibilidade de eleger nada menos que dez governadores, sendo que está na liderança das pesquisas do Ibope nos dois maiores colégios eleitorais, São Paulo, com Geraldo Alckmin, e Minas Gerais, com Antonio Anastasia.

Pode vencer ainda em Goiás, com Marconi Perillo; no Paraná, com Beto Richa; no Piauí, com Sílvio Mendes; em Rondônia, com Expedito Júnior.

Além disso, tem boas chances no Amapá, com Jorge Amanajás; no Mato Grosso, com Wilson Santos; em Roraima, com José Anchieta Júnior; e em Tocantins, com Siqueira Campos.

O DEM lidera no Rio Grande do Norte, com Rosalba Ciarlini, e tem chance de vencer em Santa Catarina, com Raimundo Colombo, e em Sergipe, com João Alves. No Distrito Federal, por enquanto, a liderança está com Joaquim Roriz, do PSC.

No Senado, das 27 cadeiras que estão fora da disputa, por seus detentores terem mais quatro anos de mandato, nada menos que 14 são de oposicionistas ou de independentes: Marconi Perillo (Goiás) — que pode se eleger governador e colocará seu suplente Ciro Miranda Junior, também do PSDB —; Elizeu Rezende (DEM); Marisa Serrano (PSDB); Jaime Campos (DEM); Mario Couto (PSDB); Cícero Lucena (PSDB); Jarbas Vasconcellos (PMDB); Álvaro Dias (PSDB); Francisco Dornelles (PP) — que terá seu caráter independente reforçado pela chegada ao Senado de Aécio Neves; Rosalba Ciarlini, do DEM — que deve ser eleita governadora do Rio Grande do Norte e colocará em seu lugar o pai do senador Garibaldi Alves ou Ivonete Alves da Silva; Mozarildo Cavalcanti (PTB); Pedro Simon (PMDB); Raimundo Colombo (DEM) — que pode ser eleito governador de Santa Catarina e colocará em seu lugar o suplente Casildo Maldaner, do PMDB independente; Maria do Carmo Alves (PSDB); Katia Abreu (DEM).

Na nova safra de senadores a serem eleitos este ano, são os seguintes os senadores da oposição ou independentes que podem se eleger: Heloisa Helena (PSOL); Arthur Virgílio (PSDB) — que disputa a segunda vaga com Vanessa Grazziotin, do PCdoB —; Cesar Borges (PR); Tasso Jereissati (PSDB); Cristovam Buarque (PDT); Maria Abadia (PSDB) — que disputa a segunda vaga do Distrito Federal com Rodrigo Rollemberg, do PSB —; Demóstenes Torres (DEM); Lucia Vanbia (PSDB); Aécio Neves (PSDB); Itamar Franco (PPS); Valéria Pires (DEM); Antero Paes e Barros (PSDB).

Outros prováveis futuros senadores são Cassio Cunha Lima (PSDB da Paraíba; é o favorito, mas luta no Supremo para não ser considerado “fichasuja”), Efraim de Moraes (DEM) — que disputa uma vaga com Vital do Rego Filho, do PMDB—;Marco Maciel (DEM) — que disputa a vaga com Armando Monteiro Filho, do PTB —; Mão Santa (PSC); Cesar Maia (DEM); José Agripino Maia (DEM); Ivo Cassol (PP); Ana Amélia Lemos (PP); Germano Rigotto (PMDB); Luiz Henrique (PMDB); Albano Franco (PSDB); e Orestes Quércia (PMDB) — que disputa uma vaga com Netinho, do PCdoB.

Como se vê, o equilíbrio real de forças no Senado continuará sendo grande, com uma pequena vantagem governista, que não garante a aprovação de questões polêmicas, e, muito menos, mudanças constitucionais que exigem quórum de 3/5 dos senadores.

Ao mesmo tempo, a presumível força eleitoral com que o PMDB sairá das urnas — deve eleger a maior bancada da Câmara e do Senado e grande número de governadores — está fazendo com que tanto governo quanto oposição comecem a negociar alianças para neutralizá-lo.

O PMDB pode eleger até nove governadores, sendo que dois deles — André Pucinelli, do Mato Grosso do Sul, e José Fogaça, do Rio Grande do Sul — são independentes e não estão envolvidos na campanha de Dilma Rousseff.

O partido deve eleger ainda Roseana Sarney no Maranhão, Sinval Barbosa no Mato Grosso, José Maranhão na Paraíba, Sérgio Cabral no Rio de Janeiro e Carlos Gaguim em Tocantins.

E tem chances também em Minas Gerais, com Hélio Costa, e em Rondônia, com Confúcio Moura.

Esse poder todo está movimentando não apenas a base petista, que sabe que vai ter que dividir realmente o poder, inclusive a distribuição de cargos, com o PMDB, mas também a base governista mais ampla, que teme que não sobrará espaço para mais ninguém com a disputa entre PT e PMDB.

O PSB, que deve eleger pelo menos três governadores — Cid Gomes no Ceará, Eduardo Campos em Pernambuco e Renato Casagrande no Espírito Santo —, é o mais preocupado em ganhar espaço para negociar e já propõe uma união entre PT, PSDB e PSB para se contrapor ao PMDB.

O ex-governador Aécio Neves — que terá sua liderança reforçada se conseguir eleger seu candidato Antonio Anastasia — prevê que a polarização com o PT continuará, e pretende fazer uma aliança do PSDB com PDT, PSB, PPS, DEM e mais PP, PTB e parte do PMDB, para disputar com o PMDB oficial e o PT o comando do Senado.

Pode ser que uma onda governista altere esse quadro, mas até o momento isso não aconteceu.

DESORDEM PANDÊMICA Mario Cesar Flores

O Estado de S.Paulo - 31/08/10

A confusão entre licenciosidade e liberdade, inerente ao caráter coletivo brasileiro, estende-se da má educação nos costumes à pusilanimidade com o irregular, à prática pandêmica do ilícito. Mais ainda porque o poder público claudica na contenção do delito, quando não o pratica...
Esta é a realidade: nossos vários estratos sociais tendem ao desrespeito à lei nos níveis à sua conveniência ou visão da vida e de acordo com sua sensação de impunidade. Exemplo simbólico: em arrastão no Rio, um motorista de classe média declarou que "os bandidos se aproveitam que temos de reduzir a velocidade porque aqui há radar"... Ou seja, para ele, arrastão é crime e seus autores são bandidos, já o excesso de velocidade só seria delito e ele, infrator porque há o radar. O elenco da orgia vem crescendo "democraticamente", sem discriminação de classe, idade, raça, sexo e religião, das elites ao povo destituído, da adolescência inimputável à provecta idade, do delito vulgar (estacionar na calçada, não usar a faixa de pedestre...) à violência e criminalidade urbana, à desordem rural, à sonegação de impostos e, emblematicamente nefasta, à venalidade na vida pública.
No cotidiano da mídia, que vem banalizando o irregular: assassinatos, assaltos, invasões, saques, arrastões, vandalismo (até no Congresso Nacional, alvo de vandalismo cujo líder transita com desembaraço no poder público), roubos, bloqueios, sequestros, tomada de reféns, agressão ambiental, drogas, pirataria, aberração sexual, ataques à polícia (ao invés de medo da polícia...), improbidade no mundo político e no serviço público, e por aí vai. A violência exacerbada manifesta-se em grupos criminosos do tipo PCC e CV (cujas "guerras" territoriais se assemelham às dos gângsteres de Chicago nos 1930) e alguns delitos são praticados com aspectos (como foi a agressão ao Congresso) similares aos das SA nazistas, que se valiam da tolerância do regime de Weimar.
A leniência com o desrespeito à lei é bem refletida neste fato: há quem aceite, no poder público e na sociedade, ser tolerável - ou até correto - que centenas de "sem-terra", com seus inocentes instrumentos letais de trabalho (foices, machados e facões), ameacem empregados de fazenda invadida e a vandalizem, mas veja como violência a defesa contra a ameaça. No clima atual de complacência e até concordância com o delito, Lampião provavelmente seria visto como paladino da justiça social rural...! Em evento de reintegração de posse, um líder do MST declarou: "Estão criminalizando os movimentos sociais." Errado: criminalizam-se seus métodos delituosos, e não os movimentos sociais, que, de fato, não têm inspiração criminosa (na acepção rigorosa do termo), mas desafiam a ordem do Estado de Direito. Todos rejeitamos hoje a frase "a questão social é caso de polícia", atribuída a Washington Luís, mas essa rejeição não significa admitir o delito, em vez do Estado de Direito, como a solução de problemas sociais.
A miséria, a exclusão e o correlato vácuo mental alienante, agravados por expectativas induzidas pela propaganda paranoica não acompanhada pela capacidade de satisfazê-las, são por vezes apontados como a razão da violência e da criminalidade. Elas realmente as estimulam, há que reduzi-las e criar expectativas positivas, mas a ilegalidade deve ser tratada pelo que ela é. Ademais, miséria e exclusão não são causas deterministas, tanto assim que a maioria do povo pobre não vive fora da lei, é comumente vítima dos fora da lei. Tampouco explicam boa parte da permissividade vigente: muitos delitos, do desrespeito às regras do trânsito à criminalidade cibernética e à corrupção pública, são cometidos por pessoas que nem de longe nelas se enquadram.
Já é perigosa rotina a indiferença pelo anormal no comportamento societário, no qual se insere o descomprometimento com valores como casamento e família, profissão, emprego, carreira, trabalho e estudo. Já é usual ver como "caretice" respeitar a lei na rotina do cotidiano (respeitar o sinal vermelho...) e ser aceito como permitido o que não é ostensivamente reprimido (limite de velocidade só vale onde há radar ou é compulsado por quebra-molas...). O irregular é diluído no cadinho da leniência, condenado ao esquecimento e logo sucedido por espetáculo novo. Nos noticiários sensacionalistas de rádio e TV é comum o predomínio dos delitos e alguns lhes são quase inteiramente dedicados, com nuanças deprimentes, como é a indisfarçável frustração do apresentador quando os fatos não resultam graves: o dramático dá audiência, o trivial não tem apelo.
É comum nesses noticiários a sensacionalização dos erros da polícia. Erros do nosso sistema policial, de fato, ocorrem com frequência, do âmbito tático (preparo profissional e equipamento) ao moral, quando não até criminoso, mas é ilógico seu vilipêndio sistemático. As balas perdidas são a priori atribuídas aos policiais (os bandidos atirariam com mais precisão, ou talvez porque eles não pagam indenizações, já o Estado está sujeito a pagá-las...). Simbólico desse ânimo coletivo: sepultamento de bandido é atendido por grande número de simpatizantes levados ao cemitério por transporte organizado - quem o paga...? -, já o de policial morto no confronto, apenas pela família e representação da corporação.
A democracia pressupõe a liberdade dentro da lei. Ou ocorre a contenção da metástase generalizada da desordem, violência e criminalidade ou, mais dia menos dia, a saturação da conformidade será atingida nos menos propensos à permissividade (que existem em grau variável em função de suas concepções sobre o certo e o errado, comumente ajustadas às conveniências de sua vida...) e com ela o aumento da sedução da aceitabilidade do componente autoritário do poder, como alternativa à esbórnia. Mais dia, menos dia, a licenciosidade acaba prejudicando a liberdade.

Areia nos olhos do público EDITORIAL O Estado de S. Paulo

31/08/2010

A Receita Federal é um curioso organismo. Trata com implacável rigor o contribuinte, tido por definição como um sonegador em potencial a quem incumbe provar, obedecendo a exigências não raro bizantinas, que está com a sua vida fiscal em ordem. Ao mesmo tempo, para se autoconceder um atestado de inocência política, não se vexa de alegar que o vazamento das declarações de renda de pessoas ligadas ao candidato presidencial do PSDB, José Serra, se explicaria pelos indícios de existência de "um balcão de compra e venda de dados sigilosos", na delegacia do Fisco em Mauá, na Grande São Paulo, com vítimas a granel.

As palavras são do corregedor-geral do órgão, Antônio Carlos D"Ávila. Ele ecoou a posição do secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, que disse não acreditar que tenha havido "fins específicos de natureza político-partidária" na devassa dos dados dos companheiros, amigos e familiares do ex-governador Serra, em outubro do ano passado. Tanto assim que, na mesma época e na mesma repartição, 140 outros contribuintes, entre eles os donos das Casas Bahia e a apresentadora de TV Ana Maria Braga, também tiveram os seus registros vasculhados em 320 acessos - dos quais 206 nos computadores de apenas duas servidoras. Destes, 151 não se justificariam.

Para jogar areia nos olhos do público e desmoralizar a denúncia de que Serra foi alvo de uma torpeza com intuitos eleitorais - numa repetição do golpe dos aloprados de 2006, que também o visava -, a cúpula da Receita preferiu se expor à desmoralização, ao mostrar como são porosas as barreiras do outro lado dos seus ávidos guichês que deveriam proteger a privacidade dos cidadãos da bisbilhotice dos próprios servidores públicos. Acionados a toque de caixa pelo governo, inquieto com a frouxidão das suas reações ao escândalo, os hierarcas do Fisco subitamente encontram a verdade que, na versão anterior, demandaria exaustiva investigação.

Essa história se desenrola há três meses. Em maio, a revista Veja informou que operadores da candidatura Dilma Rousseff tratavam de montar um dossiê com evidências comprometedoras para o seu adversário. A notícia custou a cabeça do jornalista que cuidava da assessoria de imprensa da campanha petista - y de otras cositas más. Em julho, o jornal Folha de S.Paulo revelou que um setor da equipe de Dilma estava de posse de cópias de declarações de renda do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira. Na semana passada, enfim, o Estado adiantou que, segundo apurou a Corregedoria-Geral da Receita, foi também violado o sigilo de outros serristas.

Salta aos olhos a quem o golpe sujo poderia interessar. A alegação da Receita, que menciona o comércio de informações confidenciais com "pagamento de propina", em nada altera a substância dos fatos. Os dados passíveis eventualmente de servir de munição à campanha da candidata do presidente Lula podem ter sido oferecidos ou procurados, contra pagamento ou de favor. Em qualquer das hipóteses, a mercadoria chegou ao destino. O acesso a declarações de renda de terceiros - de muitos terceiros, a julgar pelo material clandestino que se vende em plena rua - é uma história à parte. Não tem que ver com a disputa pela Presidência da República.

O que estarrece na série de ilícitos com essa ou aquela intenção é a facilidade com que podem ser cometidos nas tumultuadas entranhas do Fisco. Reportagem publicada domingo neste jornal, com base em depoimentos de analistas tributários e servidores ouvidos no inquérito sobre a violação dos dados do tucano Eduardo Jorge, mostra como senhas individuais de acesso ao acervo de declarações armazenadas em computador passavam de mão em mão e ficavam anotadas em agendas ao alcance de todos quantos passassem pelas mesas dos colegas.

"A segurança dos arquivos da Receita é como queijo suíço, com buraco para tudo", resume o advogado de uma das funcionárias investigadas.

Se, causado por isso ou propiciado por isso, se formou no Fisco "um balcão de compra e venda de dados sigilosos", é de perguntar o que o seu titular, Otacílio Cartaxo, espera para se demitir. Só não é preciso perguntar por que o presidente Lula ainda não mandou demiti-lo.

Inépcia ou dolo - Dora Kramer

O Estado de S. Paulo - 31/08/2010

A Polícia Federal não divulga o nome e mantém sob sigilo a profissão, mas localizou em São Paulo um suspeito de comandar esquema que se utiliza de informações da Receita Federal obtidas a partir da delegacia de Mauá, para extorquir dinheiro de gente que tenha algum tipo de problema com o Imposto de Renda.
A pessoa em questão está sendo vigiada e, com autorização da Justiça, tem suas conversas telefônicas gravadas pela PF. De posse dos dados, o homem procuraria os contribuintes que tiveram sigilo violado identificando-se como funcionário da Receita e se ofereceria para "resolver o problema" mediante uma quantia a combinar.
Essa é uma das linhas de investigação do caso descoberto quando informações fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas, foram parar numa papelada que faria parte de um dossiê elaborado por petistas para tentar atingir a campanha presidencial dos tucanos.

O problema dessa versão - que em alguma medida até explicaria o silêncio das pessoas (não políticos) que tiveram seus sigilos violados na delegacia da Receita em Mauá - é que acaba parecendo conveniente demais para o PT, pois tiraria conotação político-eleitoral do episódio e o colocaria exclusivamente no campo criminal.

Tudo certo, caso a Receita tivesse alguma vez nos últimos dois meses aludido à hipótese de as acusações que assombravam o comitê de campanha de Dilma Rousseff nada terem que ver com a disputa eleitoral, pois as investigações da PF apontavam para crime comum.

O PT e a candidata falaram primeiro em inexistência de quebra de sigilo e depois em "factoide" da oposição.

Mas nestes mais de 60 dias de inquérito aberto, só agora, depois de conhecida a violação de mais três pessoas ligadas a José Serra, aparecem versões sobre extorsão. Como quem tem uma boa ideia depois de ver reportagens sobre a venda de informações sigilosas em CDs no centro de São Paulo.

Não é impossível que a PF tenha realmente um suspeito em vista, mas está parecendo que foram misturados alhos com bugalhos por conveniência.

Com base no histórico de casos anteriores, se for isso mesmo logo aparecerá o nome de um culpado para ser punido e encerrado o assunto.

Mas desta vez é mais complicado, pois quando um santo é vestido, livrando a campanha da suspeita de espionagem, outro é posto nu ao deixar patente que o Estado ou é inepto ou criminoso: não assegura a privacidade do cidadão e ainda esconde da sociedade os fatos.

Olhar estrangeiro. Enquanto a academia brasileira de um modo geral se abstém de analisar o quadro, de fora de quando em vez aparecem diagnósticos proveitosos.

Em entrevista ao jornal Folha S. Paulo, o diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard, Ricardo Hausmann, diz que o Brasil tem ótimo potencial de crescimento, um setor privado muito forte, mas que o governo, apesar de ter administrado bem a crise econômica mundial de 2008, comete equívocos fatais com base em sucessos pontuais interpretados como sinal de êxito total.

Segundo ele, o Brasil é dos países que ficam arrogantes quando as coisas começam a parecer bem encaminhadas. "Parecem acreditar num mundo de fantasia."

Por exemplo: "Só porque o País teve por um trimestre uma taxa de crescimento de 7%, o Brasil é agora a nova China, Lula é o gênio das finanças e nenhum dos problemas anteriores existe mais."

O economista elogia o cuidado de Lula em 2002 de ter transmitido confiança ao setor privado, mas critica a atitude atual, menos cuidadosa e "mais ideológica". Para ele, a administração "macro" é insustentável por um defeito comum ao que conduz também a linha da política externa.

"Agora que o País é grande pode ir para a cama com Ahmadinejad ou hospedar Manuel Zelaya na embaixada em Honduras. É uma atitude de que o Brasil agora é diferente e, portanto, pode confrontar o senso comum. Esse tipo de arrogância tem sido desastrosa na política externa e pode ser desastrosa para a administração macroeconômica."

segunda-feira, agosto 30, 2010

O Brasil deles é melhor : Carlos Alberto Sardenberg

O Estado de S. Paulo - 30/08/2010



A agricultura brasileira, incluindo a criação de gado, sofre dois tipos de crítica por aqui: 1) destrói o meio ambiente, especialmente a Amazônia; e 2) por seu caráter capitalista-global, concentra renda, não emprega nem garante comida para os brasileiros.

A exportação de alimentos, em especial, é vista não como uma virtude, mas como um tipo de atraso econômico. Neste ponto de vista, o País não poderia ou não deveria ocupar no mundo o papel de "mero" exportador de comida e de matérias-primas (commodities) como o minério de ferro.

Tratados no exterior, esses temas viram de ponta-cabeça. Na edição desta semana, a revista The Economist não mede palavras. Em editorial e reportagem, observa que a agricultura brasileira é um milagre e sugere que outros países adotem o mesmo modelo para "alimentar" o mundo.

Ou seja, o caráter exportador de alimentos aparece como uma virtude global, especialmente neste momento em que, diz a revista, prolifera mundo afora um "agropessimismo" - a sensação de que não há como, a humanidade não consegue se alimentar a não ser destruindo o planeta. O Brasil, diz a respeitada publicação, seria a alternativa: como produzir sem destruir.

Ter comida para exportar é, pois, um fator extremamente positivo neste ambiente global. O Brasil poderia alimentar o mundo pelas próximas décadas.

O mesmo tema, com abordagem parecida, surgiu durante um debate promovido na semana passada pelo HSBC brasileiro. O banco trouxe seus principais executivos da Ásia e um representante do governo chinês para debater as perspectivas de negócios Brasil-China, nas duas direções. Todos os participantes trataram de uma "complementaridade": a China desesperadamente em busca de recursos naturais e o Brasil com abundância desses recursos.

Obviamente, a questão seguinte do debate estava posta: mas é essa a posição brasileira esperada, de fornecedor de alimentos e minério de ferro e importador de manufaturados e máquinas?

O representante do governo chinês Chen Lin, diretor do Ministério do Comércio, não entendeu. Mas qual problema existe aí? - foi sua primeira reação.

Explicados os contornos do tema, respondeu com franqueza. O ponto principal: recursos naturais estão escassos, especialmente para um país de 1,35 bilhão de habitantes que desejam produzir e enriquecer. Ter esses recursos é uma vantagem estratégica espetacular no mundo de hoje. E a prova disso, acrescentou, é que os preços dos produtos exportados pelo Brasil subiram extraordinariamente nos últimos anos. (Lembram-se dos reajustes de até 100% que a Vale conseguiu para seu minério de maior qualidade, o de Carajás?) E os produtos industrializados chineses, ao contrário, tiveram quedas de preços.

Executivos do HSBC da Ásia, Anita Fung e Che-Ning Liu observaram ainda que o Brasil simplesmente deveria aproveitar a bonança, os preços elevados de alimentos e commodities, em boa parte puxados pela voracidade da China. É um bônus do momento, notou Che-Ning Liu. E se o País acha melhor para o futuro produzir máquinas e tecnologias, o.k., exporte commodities hoje e junte os recursos para desenvolver novos setores.

Pagamos mais caro. Sobre o artigo da semana passada, Pagamos mais caro. E agora?, recebi esta colaboração do professor Carlos Pio, da Universidade de Brasília:

"1) A excessiva proteção comercial do Mercosul foi uma imposição brasileira aos parceiros menores e tradicionalmente mais liberais. Ela é a maior responsável pelas diferenças de preços de produtos globais. No Peru, por exemplo, um Honda Civic custa US$ 20 mil, enquanto custa o dobro aqui.

2) Os formuladores de políticas de desenvolvimento e os políticos professam uma crença enganosa de que a proteção comercial gera empregos no Brasil... Ora, a proteção encarece o produto produzido localmente (pela falta de concorrência, falta de liberdade para importar tecnologia e insumos), que acaba sendo vendido quase que exclusivamente aqui mesmo (salvo quando o empresário leva um subsídio à exportação). Pois bem, os consumidores locais (família e empresas) têm de comprar mais caro o que existe disponível na economia internacional por preço muito mais em conta e, com isso, perdem bem-estar (as famílias) e competitividade internacional (as empresas). A acumulação de capital sai prejudicada. No conjunto, empobrecemos.

As empresas de aluguel de veículos têm de optar entre adquirir carros baratos e de má qualidade e os carros "nacionais" de luxo mais caros do que no resto do mundo. Com a impossibilidade de importar, elas oferecem a seus clientes carros ruins e caros a preços internacionais e empregam menos pessoas do que poderiam se os carros tivessem preços competitivos e elas pudessem ter uma frota mais ampla em todo o território nacional. O resultado é que o emprego gerado nas cidades onde se instalam as montadoras é compensado pelo desemprego de potenciais trabalhadores de empresas que deixam de adquirir automóveis em quantidade maior e que se espalham por todo o território nacional.

O burocrata acaba decidindo onde haverá demanda por emprego e por qual tipo de emprego, mas não é capaz de determinar um aumento geral do nível de emprego do País por meio da proteção comercial à indústria.

3) Câmbio flutuante e metas de inflação em nível internacional eliminam a possibilidade de crise cambial em decorrência da decisão de unilateralmente abrir a economia nacional às importações. Quanto mais se importar, mais o real se desvalorizará automaticamente, encarecendo as importações. Da mesma forma, se nenhum outro país comprar produtos e serviços de empresas brasileiras, não entram dólares aqui e o real fica muito barato, barateando os preços do que se exporta daqui e encarecendo os produtos estrangeiros. Que não há crise cambial em economias abertas ao comércio e com regime de câmbio flutuante e inflação baixa é um fato que poucos brasileiros reconhecem."

Hermenêutica ideológica : Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo - 30/08/2010

Já está em vigor, aprovado pelo presidente da República, um novo parecer, elaborado pela Consultoria-Geral da União, alterando parecer da Advocacia-Geral da União vigente desde 1997. Este equipara empresas brasileiras de capital nacional a empresas brasileiras de capital estrangeiro, em plena conformidade com a Constituição. Ora, de repente, surge um novo parecer que diferencia os dois tipos de empresas, criando uma situação de insegurança jurídica, que altera o planejamento mesmo das empresas atingidas e os investimentos produtivos no País.

Cabe ressaltar que se tratava de uma questão juridicamente pacificada, segundo todo um ordenamento constitucional e legal. Uma alteração de tal monta, se necessária, deveria ser feita por projeto de lei ou, se fosse o caso, por emenda constitucional. No momento em que se adota a forma de um novo parecer, que não é fruto de uma necessidade jurídica, mas política, surge inevitavelmente a questão de sua procedência e justificação.
Se a necessidade fosse jurídica, ela teria nascido da exigência, por exemplo, de regulamentar uma nova lei, o que não é manifestamente o caso. Trata-se, então, de uma necessidade propriamente política, como é dito claramente na justificativa do mesmo parecer, publicado no Diário Oficial da União em 23/8. A forma de operação jurídica é a de ressignificação da expressão "empresa nacional", como se coubesse a um parecer simplesmente atribuir nova significação para que houvesse uma modificação da situação legal.

Note-se que esse tipo de procedimento hermenêutico é o mesmo utilizado em outros atos do governo, quando, por exemplo, um quilombo perde sua significação, vigente quando da Constituição de 1988, sendo ressemantizado para significar uma identidade "cultural", "étnica", aplicável a um terreiro de umbanda ou candomblé. Ocorre uma espécie de captura política da Constituição e da legislação vigente.

A nova hermenêutica é justificada a partir de um novo contexto socioeconômico, que é, na verdade, o do Incra e dos ditos movimentos sociais, que atuam como verdadeiras organizações políticas. Quem for buscar no parecer uma defesa da soberania nacional ficará frustrado, pois, por exemplo, nada é dito a propósito da compra de terras por empresas estrangeiras que agem a mando de governos estrangeiros, que se apropriariam, indiretamente, de uma parte do território nacional.

O problema surge de outra maneira. As questões estratégicas são de outra ordem. Vejamos os pontos listados.

Primeiramente, a investida contra as empresas brasileiras de capital estrangeiro se deveria a que, com elas, ocorreria uma "expansão da fronteira agrícola com o avanço do cultivo em áreas de proteção ambiental e em unidades de conservação". Ora, trata-se de um problema em que há toda uma legislação vigente que se aplica à conservação do meio ambiente, e que diz respeito tanto a empresas de capital nacional quanto estrangeiro, além de se aplicar aos problemas de sobreposição de áreas indígenas e quilombolas a áreas de preservação ambiental.

Segundo, essa investida teria acarretado uma "valorização excessiva do preço da terra e incidência da especulação imobiliária gerando o aumento do custo do processo (de) desapropriação voltada para a reforma agrária, bem como a redução do estoque de terras disponíveis para esse fim". Aqui reside uma das razões principais dessa ressignificação política. Ela teria sido elaborada a partir de uma injunção do Incra e, logo, dos ditos movimentos sociais, que procuram erigir-se em "defensores do nacionalismo", o que certamente não convém a movimentos que recebem recursos de fora e agem em consonância com ONGs e governos internacionais, o que é para lá de evidente nas questões ambientais, indígenas e quilombolas.

O próprio Conselho Nacional de Justiça questionou recentemente o Incra a propósito de um amplo estoque de terras já existente que não estaria sendo aplicado adequadamente na reforma agrária. Não há, portanto, um problema de estoque de terras, mas sim de o que fazer com ele, vista a falência do projeto atual de reforma agrária. Observe-se que os assentamentos do MST já se alçam à estratosférica cifra de 84 milhões de hectares, com produtividade pífia, vivendo os seus membros de ajuda governamental via Bolsa-Família e cesta básica. O que a empresa do agronegócio, de capital nacional ou estrangeiro, tem que ver com isso?

Terceiro, duas justificativas oferecidas, a do "crescimento da venda ilegal de terras públicas" e a do "aumento da grilagem de terras", dizem respeito à inoperância de cartórios e registros de imóveis confiáveis nas regiões atingidas, o que exigiria, como está sendo feito, particular atenção do poder público, quanto mais não seja, pelo respeito à lei.

Quarto, outra razão apresentada é a do "incremento dos números referentes à biopirataria da Região Amazônica". O que teriam que ver com isso empresas nacionais de capital estrangeiro, como as de florestas plantadas, papel e celulose, soja, cana-de-açúcar e etanol? Absolutamente nada, o que mostra o caráter inócuo de mais uma das justificativas apresentadas. O problema é bem outro, o da regulamentação das ONGs internacionais que atuam na Amazônia, com o apoio dos ditos movimentos sociais. A biopirataria é um problema sério que deveria ser objeto de ação específica de controle das ONGs. Na Amazônia atuam 100 mil. A cifra é bem essa!

Por último, o parecer refere-se à "aquisição de terras em faixa de fronteira pondo em risco a segurança nacional". Esse item é francamente redundante, pois já existe uma rigorosa legislação a esse respeito, que funciona adequadamente. O grande problema das faixas de fronteira reside na criação de um embrião de "nações indígenas" em toda a faixa norte do País, numa linha quase completamente contínua de nossos limites territoriais com as nações vizinhas. Eis outra questão que não está sendo enfrentada.

Perdas e ganhos - Suely Caldas

O Estado de S. Paulo - 29/08/2010


Na página 11 da apresentação feita há dez dias à imprensa, pelo ministro Guido Mantega, sobre lucros e perdas dos empréstimos do Tesouro ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), constava um quadro intitulado Estimativas de custos e benefícios fiscais, em que os custos foram calculados em R$ 48,2 bilhões e os benefícios, em R$ 79 bilhões, com resultado positivo de R$ 30,8 bilhões. A apresentação inteira, com este quadro inclusive, estava no site do BNDES até pouco antes da coletiva do ministro, naquela tarde de 19 de agosto.
Misteriosamente, sem nenhuma explicação, ela foi retirada do ar e assim ficou durante toda a coletiva. Num passe de mágica, duas horas depois, ela voltou ao site, mas desta vez sem o valor de R$ 48,2 bilhões dos custos, só com os R$ 79 bilhões dos benefícios. Mesmo sem saber da troca (revelada agora neste texto), os jornalistas reclamaram. Afinal, se era para explicar perdas e ganhos, como ignorar as perdas e mostrar só os ganhos? O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, respondeu que, quando chegassem à redação, poderiam ver a apresentação inteira no site do banco. E viram, mas adulterada, sem as perdas quantificadas.

Ou seja, para esconder o que não convém, vale enganar o País. E pensar que a confidência feita pelo embaixador Rubens Ricupero, de "esconder as coisas ruins e mostrar só as boas", custou-lhe o cargo de ministro da Fazenda em 1994!

Mas a manobra dos números vai longe. Na verdade, a estimativa de perda para o Tesouro de R$ 48,2 bilhões teve por base apenas o valor de R$ 100 bilhões do primeiro empréstimo de 2009, muito antes do segundo, de R$ 80 bilhões, de abril deste ano. Até as paredes do gabinete de Luciano Coutinho sabem disso. E não precisa ser nenhuma sumidade em matemática para concluir que o cálculo da perda sobre os dois créditos somados (R$ 180 bilhões) seria bem maior do que a limitada a R$ 100 bilhões. Mas na planilha que saiu do ar os benefícios são calculados sobre R$ 180 bilhões e os custos, sobre R$ 100 bilhões. É uma equação enganadora e mesmo assim foi retirada da internet.

Qualquer leigo em matemática sabe que, num crédito que custa 10,75% da Selic para o credor (o Tesouro) e 6% da TJLP para o tomador (BNDES), quem sai prejudicado é o credor - no caso, os brasileiros (ricos e pobres), que pagam impostos e sustentam o governo. Apesar disso, na apresentação para a imprensa, Mantega e Coutinho usaram premissas frágeis para chegar ao resultado desejado de contabilizar mais ganhos do que perdas. Por exemplo, imaginaram que a Selic e a TJLP irão convergir em 2018, quando a diferença de taxas e o prejuízo do Tesouro desapareceriam. Puro exercício de adivinhação.

A estimativa mais distante do mercado para a Selic é de 10% em 2014 (hoje é de 10,75%). Se em quatro anos vai recuar só 0,75%, alguém acredita que baixará 4% em três anos? Além disso, a experiência tem mostrado que a TJLP cai sempre que o Banco Central (BC) reduz a Selic. Sem dúvida, uma premissa insustentável.

Razão tem o presidente do BC, Henrique Meirelles, quando diz que esses empréstimos só retardam a queda dos juros no País.

EUA reagem e sobra para nós - Alberto Tamer

O Estado de S. Paulo - 29/08/2010
 

A economia americana deve ter crescido apenas 1.6% no segundo trimestre, informou o Departamento do Comercio, neste fim de semana. Ele previa 2,4%. Isso confirma a tendência de forte desaceleração iniciada nos primeiros meses do ano.


A reação do governo foi imediata. Anunciou na quinta-feira várias medidas para conter as importações que vêm substituindo a produção interna e roubam empregos no país. Elas vêm aumentando num ritmo anualizado de 28% e o déficit comercial já é de US$ 600 bilhões.

O alvo do governo americano é principalmente a China, cujo superávit comercial com os Estados Unidos cresce mês a mês, mas atinge também outros países exportadores, como o Brasil, que já sofre fortes restrições no mercado americano. Neste fim de semana, em Genebra, havia receio de que tais medidas, mesmo compreensíveis, provoquem uma onda de protecionismo, evitada mesmo no auge da crise internacional. Pode ser grave porque até agora o mercado americano, mesmo crescendo menos, absorveu o excesso de produção mundial, o que encurtou a recessão.

É mais grave, porque não só eles, mas outros países, reagem à agressividade comercial da China, que protege o mercado mantendo o yuan desvalorizado (com reajustes cambiais controlados), entre medidas que aumentam a competitividade dos seus produtos.

Para o Brasil, há dois aspectos contraditórios. De um lado, não pode deixar de apoiar a resistência ao protecionismo chinês, mas de outro reage porque também é atingido pela decisão americana. E ambos - China e Estados Unidos - são nossos principais parceiros comerciais. Ou seja, sofremos as consequências dos dois lados.

Ao mesmo tempo, há um crescente movimento para conter a expansão chinesa no mercado interno - como nos EUA, elas deslocam a produção nacional- e adotar medidas protecionistas. E isso mesmo porque o superávit comercial este ano deve se reduzir a no máximo US$ 18 bilhões - vamos ficar satisfeitos se não for déficit.

Protecionismo, não. A pressão no Brasil por mais proteção é bem menor. A produção industrial continua sustentada pela expansão do mercado interno. Mas tudo indica que as empresas poderiam investir e crescer mais se voltasse a exportar como no governo passado.

O Ministério do Desenvolvimento já tem posição firmada: é contra medidas para conter as importações. O problema não vem de fora, está aqui dentro, diz o secretario do Comércio Exterior, Welber Barral, em resposta às queixas ds Fiesp. Há questões internas que precisam ser solucionadas para reduzir custos. "Tem um problema grave que é o acumulo de créditos não devolvidos aos exportadores", diz ele.

Há distorções tributárias, com o ICMS dos Estados. Uma empresa do setor de papel que desistiu de investir US$ 500 milhões por causa do custo do ICMS, estadual. O custo de levar uma tonelada de papel da Europa para a Argentina, é de US$ 40; para levar a mesma tonelada de portos do Paraná para a Argentina, US$ 120, de acordo com dados da empresa.

Há ainda o argumento que as importações pesam apenas 17% do total. Miguel Jorge diz que não há números significativos de setores ameaçados pelas compras externas. Mantega argumenta que os preços menores dos produtos importados ajudam a conter a inflação, liberando em parte o BC de elevar os juros.

Pelo que vimos neste fim de semana em Washington, o cenário pode mudar. Os EUA, desta vez, não afirmam, mas simplesmente "informam" que começam a impor mais barreiras às importações chinesas, brasileiras, europeias, ou de quem quer que surja por lá com preços menores que os produzidos no país. Têm esquemas próprios para isso. Para nós é importante porque, direta ou indiretamente, as medidas abrangem não só produtos industriais, mas semimanufaturados, agropecuários. Tudo.

Os EUA não devem crescer mais de 2% este ano, se tanto, mas precisam de pelo menos 2,5% para impedir que o desemprego aumente e passe de 10% da força de trabalho. Todo o esforço fiscal não foi suficiente para animar o consumidor americano com medo de perder o emprego. Foram mais de 17 milhões na crise.

Após um ano sem muito resultado - conteve a crise financeira, mas a economia não reagiu -, só resta a Obama o caminho de conter importações, que roubam empregos, e aumentar as exportações. Foi isso que o governo anunciou agora.

E aqui entramos nós. Vamos enfrentar ao mesmo tempo o protecionismo americano e a agressividade chinesa. Quanto menos eles exportarem aos Estados Unidos, mais vão exportar para nós

As limitações do biodiesel Celso Ming



O Estado de S. Paulo - 29/08/2010
 

Começa amanhã e vai até sexta-feira o 19.º leilão de biodiesel promovido pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Desta vez, o preço-base do biocombustível a ser fornecido pelos produtores às refinarias é de R$ 2,32 por litro.


Esse será o terceiro leilão em 2010 e tem como objetivo colocar no último trimestre do ano 615 milhões de litros do produto para garantir a mistura obrigatória de 5% (B5) ao combustível (diesel) que transporta grande parte da riqueza do País.

Em 2010 deverão ser produzidos 2,4 bilhões de litros de biodiesel, mas a capacidade instalada é quase o dobro disso: 4,6 bilhões. E por aí já se pode ter a primeira ideia dos problemas.

O programa do biodiesel carrega dois estrangulamentos estruturais graves. O primeiro deles é seu alto custo de produção, 60% maior do que o do diesel de petróleo. O projeto só é viável porque o governo lhe garantiu reserva de mercado. Cada litro de diesel vendido nos postos de combustível tem de ter, por lei, os tais 5% de biodiesel. Ainda assim, esse teor na mistura só era para acontecer em 2013. Foi a forte oferta que levou as autoridades a antecipá-lo para o início deste ano.

Apesar do presentão, os produtores acham pouco. Para garantir escoamento de sua mercadoria, querem já para 2014 uma mistura obrigatória de 20% nos grandes centros urbanos e de 10% no resto do País, conforme avisa o presidente do Conselho Superior da União Brasileira do Biodiesel (Ubrabio), Juan Diego Ferrés.

Por enquanto o governo não dá mostras de atender a essa reivindicação. O diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, Ricardo Dornelles, adverte que o programa precisa antes passar por uma profunda avaliação.

O segundo estrangulamento é a excessiva dependência do óleo de soja, matéria-prima de nada menos que 85% de todo o biodiesel produzido no Brasil (veja gráfico). Essa é uma vulnerabilidade grave, por duas razões. Primeira porque a soja é também alimento e seu uso como combustível pode provocar escassez com consequências geopolíticas.

A segunda razão está ligada à primeira: a soja é uma commodity cujas cotações estão sujeitas aos trancos do mercado internacional. A qualquer momento uma alta súbita pode inviabilizar a produção.

A saída parece óbvia: substituir a soja por outra matéria-prima. Mas a troca não é simples. O especialista José Manuel Cabral, da Embrapa Agroenergia, explica que as pesquisas de campo levam tempo e que a obtenção de novas oleaginosas a custos compatíveis não ocorrerá antes de cinco ou seis anos.

A aposta da hora já foi o pinhão-manso e agora é o óleo de palma (conhecido como dendê). O mesmo hectare pode render 0,5 tonelada de óleo de soja e até 6 toneladas de óleo de palma. De olho nessa boa produtividade, o governo lançou em maio um programa de incentivo à cultura. O objetivo é quadruplicar a produção em dez anos. Hoje, o dendê corresponde a apenas 0,89% da matéria-prima utilizada.

Mas as limitações não se esgotam aí. Nenhuma outra fonte tem uma cadeia de produção e distribuição tão desenvolvida quanto a da soja. E isso conta. / COLABOROU ISADORA PERON

Aí vem o Copom

Quarta-feira, dia 1º, tem reunião do Copom e a definição de novo nível dos juros. Do último encontro (em 21 de julho) até agora, muita coisa mudou na expectativa do Banco Central e isso pode modificar as coisas.

Desaquecimento

Em julho, o Banco Central apostou no desaquecimento da economia interna. Por isso, em vez de aumentar os juros em 0,75 ponto porcentual ao ano, apertou apenas em 0,50 ponto porcentual.

Aquecimento

Mas o comportamento da economia continua acelerado. O desemprego caiu, o mercado de trabalho está aquecido, a massa salarial aumentou, o crédito está ainda mais forte, a produção industrial voltou a crescer e a expectativa dos formadores de preço é a de que a inflação voltará a subir. Ficou mais difícil apostar em que o Banco Central vá reduzir novamente a dose dos juros, para 0,25 ponto porcentual ao ano, como se previa. O mais provável agora é que repita o 0,50 ponto porcentual.

domingo, agosto 29, 2010

FERREIRA GULLAR Revolução na favela

Folha de S Paulo
Não duvidem se, dentro de poucos anos, os morros do Rio -hoje favelas-
forem ocupados pela burguesia


A EXPULSÃO dos traficantes das favelas do Rio está causando mudanças
inesperadas na vida daquelas comunidades. Era uma velha tese minha que
a única maneira de acabar com o domínio dos traficantes nas favelas
cariocas seria a polícia ocupá-las. Fazer incursões esporádicas não
adiantava nada: a polícia chegava, eles fugiam; ela ia embora, eles
voltavam.
Com a ocupação permanente pelas Unidades de Polícia Pacificadora, a
coisa mudou. O traficante não é um guerrilheiro e, sim, um comerciante
de drogas.
Se vive em guerra com seus concorrentes é porque, atuando à margem da
lei, resolve suas pendengas, recorre ao tiro. A guerra entre
traficantes e contra a polícia aterrorizava os moradores. Agora, com a
expulsão deles, reina a paz.
A dominação das favelas pelo tráfico resultou na formação de
verdadeiras empresas clandestinas que trocavam de gerente de acordo
com seus interesses comerciais. Disso resultou que, no morro do
Chapéu-Mangueira, no Leme, o gerente nascido ali foi substituído por
outro, vindo de um morro da zona norte.
Ao chegar, escandalizou-se com os trajes da rapaziada, que andava de
sunga e sem camisa. Investido da autoridade de chefe do tráfico,
proibiu o traje sumário, chegando ao ponto de mandar surrar uma moça
que o desobedeceu.
Só que ela era namorada de um assaltante, profissionalmente distinto
dos traficantes. Ele tomou as dores da namorada, mobilizou o pessoal
do morro e pôs para correr o gerente moralista. Coisa do passado, já
que agora o Chapéu-Mangueira está pacificado.
E a paz, como a guerra, tem consequências. Por exemplo, conheço um
pequeno comerciante que vendia roupas na favela do Pavão-Pavãozinho e
cujos principais compradores eram os traficantes, que não podiam
descer do morro para fazer compras nos shoppings. Com a expulsão
deles, o comércio desse cara perdeu a freguesia e faliu.
Outra mudança advinda da pacificação foi o aumento dos aluguéis. No
morro Santa Marta, em Botafogo, uma senhora mantinha um pequeno
restaurante que lhe dava bons lucros porque o aluguel era barato.
Agora, a dona do imóvel dobrou o preço, tornando quase inviável a
manutenção do negócio.
E por aí vai. Como se sabe, as favelas, por seu exotismo, sempre
exerceram verdadeiro fascínio sobre certo tipo de turista estrangeiro.
Muitos deles, especialmente os europeus, faziam questão de se hospedar
em casas de favelas, preferindo-as aos hotéis de Copacabana ou
Ipanema. Agora, esse interesse aumentou, abrangendo aqueles que temiam
os tiroteios de antes. Sem os tiroteios, fica só o folclore.
O resultado disso, no plano econômico, é que tem gente oferecendo
grana alta pelos casebres dos favelados, que já estão sendo
transformados em pousadas para turistas. Com isso, sobe ainda mais o
preço dos aluguéis das casas nessas comunidades, que passam por rápida
transformação.
Não duvidem se, dentro de uns poucos anos, os morros do Rio, que hoje
são favelas, forem ocupados pela burguesia rica. Como dali se tem uma
vista privilegiada da paisagem carioca, os casebres de hoje serão
substituídos por mansões confortáveis e luxuosas. Os favelados virão
morar conosco, aqui embaixo.
Mas isso não será para já, mesmo porque, além das mencionadas, há
outras consequências resultantes da ação das UPPs. É que os
traficantes, já expulsos das favelas da zona sul do Rio, estão
invadindo outras favelas na zona norte ou do outro lado da baía.
Nem todos, porém; alguns empregados do tráfico, agora sem o ganho que
a droga lhes provia, tornaram-se assaltantes, o que dá para perceber
no recente aumento de casos registrados em vários bairros do Rio.
O número de assaltos, conforme a polícia, tende a crescer, na medida
em que novas favelas forem ocupadas pelas unidades pacificadoras. Nas
últimas semanas, a ocupação já se deslocou para morros da zona norte,
como o do Salgueiro. O número de crimes dessa natureza tende a
aumentar, agravando o problema da segurança na cidade.
Mas pode ser que alguns deles, em vez de se voltarem para um novo tipo
de crime, optem pela volta à legalidade, como ocorreu com um antigo
gerente do tráfico no Pavão-Pavãozinho, que preferiu tornar-se
guardador de carros numa rua de Copacabana.

DANUZA LEÃO Só pra saber

Folha de S Paulo
Eu queria saber a posição de Serra, Dilma e Marina sobre as relações
Brasil-Irã, se são contra planejamento familiar


POSSO SER sincera? Não aguento mais essa eleição; que campanha mais antiga.
Não é possível que com televisão, internet, twitter e outras coisas
que nem sei o nome ainda existam candidato/a andando pelas favelas
para mostrar que é amigo dos pobres, beijando criancinhas e se
abraçando às pessoas mais carentes para conquistar o voto dos
eleitores.
E procurando ser simpáticos; de alguns deles nunca se soube que tinham
dentes, pois jamais os mostraram; agora, respondem a perguntas sobre
saneamento básico com um sorriso tão falso que dá enjoo. Tomara que
passe logo essa moda de marqueteiro e que as campanhas passem a ser de
acordo com o século 21: mais perguntas entre os candidatos feitas por
jornalistas, e que o voto não seja obrigatório.
E que houvesse mais tempo para as respostas, com direito, ao que
perguntou, de interromper para dizer "mas o senhor/senhora não está
sendo clara na sua resposta". Eu queria saber a posição de Serra (e
não do Zé), Dilma e Marina sobre as relações do Brasil com o Irã,
Venezuela e Cuba, se são contra ou a favor do planejamento familiar,
contra ou a favor do aborto (que Dilma enrola e não responde).
E já que Lula mudou de ideia e disse que vai viajar pelo Brasil todo
para ver o que fez e o que não fez (e dizer a Dilma "faça, minha
filha"), eu queria saber quem vai pagar as viagens -ou será que sua
pupila vai emprestar o avião que custou 57 milhões de dólares para ele
achar que ainda é presidente?
E se Dilma for eleita, eu quero ver quem vai mandar mesmo no país, se
ela ou ele. E quando brigarem?
Outra coisa que eu queria saber é o que tem a dizer o ministro Nelson
Jobim sobre a fusão (?) entre a Lan e a TAM. E por falar em aviação,
seria a hora de exigir das companhias aéreas que o espaço para cada
passageiro, dentro dos aviões, fosse aumentado; assim como as
dimensões máximas da bagagem que se pode levar -na cabine ou
despachadas- , têm que ser obedecidas, bastaria aumentar dez
centímetros a mais na frente, para esticar as pernas, e mais dez de
lado, para podermos nos mexer e não desembarcar com a coluna em
frangalhos, apenas um problema de direitos humanos.
Se o ministro Jobim um dia pegar um avião de carreira, como a maioria
dos mortais, vai saber do que estou falando. E aproveitando, o som do
aeroporto Santos Dumont é caótico; com o chão de mármore, paredes e
teto de vidro, não há cristão que entenda o que estão falando.
Passando para assuntos mais leves, eu também queria saber por que nem
um só fio de cabelo de Dilma sai do lugar. Que spray será esse? De
silicone?
Voltando a coisas mais sérias, eu também queria saber por que não se
fala mais da compra dos aviões à França, Suécia ou Estados Unidos;
esse assunto morreu, por que, não se sabe. E queria saber também em
quem vou votar para senador, deputado federal e deputado estadual;
será que alguém sabe?
E queria saber também sobre as informações que somos obrigados a dar
ao censo, teoricamente sigilosas; podemos confiar no IBGE, ou elas
também vão vazar?

danuza.leao@uol.com.br

Nelson Motta Paixões perigosas

27 de agosto de 2010 | 0h 00

- O Estado de S.Paulo
Não é só nas novelas que a paixão cega, ensurdece, escurece a mente e embota a inteligência. Ela nos leva a fazer o inconcebível, a aceitar o inaceitável, a esquecer o inesquecível. Como em um transe, uma possessão, ela se incorpora e comanda, atropela a ética, a estética e as evidencias.

Paixão é droga pesada, que provoca êxtase e dependência, é insaciável, e sua falta produz desespero, vazio e dor. Mas sem paixão, dizia Nelson Rodrigues, não se pode nem chupar um Chicabon.

É impossível imaginar grandes conquistas pessoais e coletivas sem paixão, sem entrega. É ela que nos move além do instinto, da razão e de nós mesmos. Fora as carnais, que são hors concours, as paixões mais perigosas parecem ser as políticas, esportivas e religiosas.

É fascinante, e assustador, ver pessoas educadas e delicadas se transformando em bestas boçais cuspindo fogo e soltando coices verbais por um jogo de futebol. Filmados, não se reconheceriam. Reconhecidos, se vexariam. Mas é mais forte do que eles.

Na faculdade, já achava meio ridículos os debates acalorados nas assembleias estudantis, movidos a slogans, palavras de ordem, acusações, bravatas e ameaças. E não raro, força bruta e intimidação. Nobres e pobres paixões juvenis.

Hoje, ler os comentários de leitores nos blogs é chafurdar no que há de mais estúpido na paixão política, e pior, partidária. Pelo seu potencial destruidor, por emburrecer os inteligentes, fortalecer os intolerantes, afastar os diferentes, entorpecer a razão, inviabilizar qualquer convivência.

É a paixão desses militantes sinceros e radicais, de qualquer partido, coitados, que serve de massa de manobra para políticos apaixonados - não pelo País ou a cidade - mas pelo poder, e por eles mesmos.

Como equilibrar a paixão necessária com a razão e a serenidade indispensáveis para viver e crescer em liberdade? Paixões são indomáveis e incontroláveis, delas nascem as piores formas de servidão. Nos resta esperar o lançamento de um Super Paixoneitor Control Tabajara, e não perder a novela Passione, uma aula sobre os estragos que ela provoca.

Editoriais

clicar aqui

Maciel, Jarbas e Raul rebatem o presidente

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Alvo de ataques no comício da Frente Popular, senador do DEM diz fazer política com P maiúsculo e adverte presidente que o juiz das eleições é o povo. Jarbas diz que Lula pensa que é semideus

Manoel Medeiros Neto

O senador e candidato à reeleição Marco Maciel (DEM) iniciou sua agenda de campanha, ontem, decidido a responder aos ataques do presidente Lula (PT), proferidos no comício realizado no Marco Zero na noite da última sexta-feira. Para ele, o juiz da eleição é o povo. Sempre relembrando o abolicionista Joaquim Nabuco, que fazia política com P maiúsculo, Maciel se apresentou à imprensa portando um pequeno pedaço de papel nas mãos com anotações sobre suas realizações durante os oito anos que ocupou a vice-presidência da República na gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995/2002). Calmo, porém bem mais incisivo que o usual, Maciel alfinetou o presidente ao afirmar que alguns não conhecem o elenco de ações que ajudou a implementar no Estado.

Tanto Jarbas quanto eu fazemos política com P maiúsculo, ou seja, fazendo política em termos doutrinários, com consistência e trazendo obras, disse. Entre as ações elencadas pelo democrata, estão investimentos no porto de Suape, instalação de uma sede do Banco Central no Recife para atender todo o Nordeste, criação da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), ampliação do aeroporto do Recife e implantação do maior programa de erradicação do trabalho infantil do País. No comício, acompanhado por risos e aplausos do governador Eduardo Campos (PSB), da presidenciável Dilma Rousseff (PT) e do ex-ministro da Saúde Humberto Costa (PT), Lula debochou de Maciel ao afirmar que ele é senador desde o império e não se sabe o que fez.

Outros citados pelo presidente, Jarbas Vasconcelos (PMDB) e Raul Jungmann (PPS) também reagiram. Ele continua como uma figura extravagante, ferindo a lei. Lula nos atacar tá dentro de um roteiro pré-estabelecido que ele vai fazer até o dia da eleição, afirmou Jarbas, dizendo ainda que Lula pensa que é um semideus (ente imortal, em parte humano e em parte divino). Para Raul, que foi chamado de menorzinho, a fala de Lula demonstra discriminação e é lamentável. Isso aponta para o que vem aí. O presidente não admite críticas. Ele pode ter todos os índices, mas não é democrático, disse. Os três oposicionistas responderam ao presidente após caminhada no Mercado de Casa Amarela.

Usurpação de cidadania Dora Kramer

O ESTADO DE S. PAULO

De todos os casos cabulosos ocorridos no governo Luiz Inácio da Silva, o da quebra indiscriminada de sigilo fiscal na delegacia da Receita Federal em Mauá é o mais angustiante.

De Waldomiro Diniz à arquitetura de dossiês na Casa Civil na Presidência da República para atrapalhar o trabalho da CPI dos Cartões Corporativos; das urdiduras da direção do PT envolvendo empréstimos fraudulentos e desvios de recursos em empresas públicas (mensalão), à quebra do sigilo bancário de uma testemunha das andanças do ministro da Fazenda em uma casa de lobby de Brasília, todos tiveram objetivos específicos.

Pretendiam algo: Waldomiro, o homem encarregado pelo então chefe da Casa Civil, José Dirceu, de organizar as relações com o Congresso, cobrava propina de um bicheiro.

O dossiê com os gastos da Presidência quando ocupada por Fernando Henrique Cardoso pretendia (e conseguiu) inibir a atuação dos oposicionistas na comissão parlamentar de inquérito criada para elucidar as razões do aumento nos gastos dos cartões corporativos do governo todo e também para pedir acesso às despesas secretas da Presidência.

Os empréstimos simulados visavam a "lavar" dinheiro que financiava as campanhas eleitorais dos partidos aliados e mantê-los, por esse método, como integrantes da base parlamentar governista.

A quebra do sigilo do caseiro Francenildo Santos Costa na Caixa Econômica Federal deu-se com a finalidade de tentar desmoralizá-lo como a testemunha que desmentia o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, no caso da casa de lobby. Palocci negou no Congresso e em pronunciamento que frequentasse a tal casa e Francenildo, caseiro do local, atestava que o via sempre por lá.

Os personagens eram conhecidos e os episódios por mais nebulosos que fossem eram compreendidos. Dava para entender sobre o que versavam. Era corrupção e/ou política.

Agora, o que assusta é inexistência de uma motivação específica claramente definida, a amplitude das ações, a multiplicidade de alvos e a tentativa do governo de abafar o caso dando a ele uma conotação de futrica eleitoral.

Evidente que Dilma Rousseff sabe do que se trata quando ouve dizer que 140 pessoas tiveram o sigilo fiscal violado numa delegacia da Receita em cidade das cercanias de São Paulo.

Sabe que estamos diante de algo que pode ser qualquer coisa, menos o que alega: mero factoide, "prova do desespero" da oposição.

Como "mãe do povo", coordenadora do governo e responsável por tudo de maravilhoso que há no Brasil, Dilma deveria ser a primeira - depois do presidente Lula - a se preocupar com o fato de 140 cidadãos terem tido sua segurança institucional violada numa dependência do Estado.

No lugar disso, só faz repetir o mantra da candidata ofendida. Pode ser conveniente, mas não é um acinte?

Assim como soa a provocação ao discernimento alheio a proteção da Receita Federal aos investigados e a tentativa de "vender" a versão fantasiosa sobre a venda de sigilo no mercado negro de informações.

A atitude do governo alimenta a suspeita de dolo. Natural seria que as autoridades se levantassem em defesa da preservação dos direitos e garantias individuais.

Nesta altura, embora seja relevante, não é realmente o mais importante a filiação partidária dos agredidos.

Eduardo Jorge, Ana Maria Braga, Ricardo Sérgio, a família dona das Casas Bahia, tanto faz.

Foram eles, mas poderia ser qualquer um de nós. Quem, aliás, garante que não seremos os próximos a constar de um rol de pessoas vilipendiadas nas mãos de um Estado leviano?

A questão vai muito além do ato eleitoral, é um caso grave de insegurança institucional, pois não se sabe de onde vem isso, aonde vai parar, quem são os responsáveis, como agem e o que pretendem com essa manipulação que cassa a cidadania e espalha insegurança.

Digno. Aloizio Mercadante indigna-se com os modos - de fato indignos - de Tiririca no horário eleitoral, mas convive sem indignação com as indignidades de companheiros de "base" no Senado.

Poço sem fundo Miriam Leitão

O GLOBO - 29/08/10



Meia dúzia de pessoas está tomando uma decisão no Planalto que vai mexer com o bolso de incontáveis acionistas, grandes e pequenos, da Petrobras.

O preço do barril a ser cedido à empresa vai definir quantos reais cada acionista terá que pôr na companhia. Essa é definitivamente a forma errada de tomar uma decisão dessa importância, e isso pode provocar muitas brigas na Justiça.

Na época da privatização, eram contratadas duas avaliadoras.

Quando havia discrepância de mais de 20%, uma terceira tirava as dúvidas.

Agora, a divergência é de 100%. Dependendo do preço do barril, o minoritário terá que gastar mais ou menos dinheiro para acompanhar o aumento de capital, ou então ser diluído. A decisão afeta desde os minoritários que investiram com seu fundo de garantia até os grandes investidores brasileiros e estrangeiros.

Não pode ser um chute, ou uma conta de chegar feita por um grupinho a portas fechadas, que tem desde gente que não entende nada do tema, como os ministros Erenice Guerra e Guido Mantega, até quem tem interesse direto, como a Petrobras, ou quem já fez manifesto ideológico em torno do preço ideal, como o presidente da ANP. O presidente Lula disse que esses são os técnicos e que depois ele tomará a decisão política. Nem eles são técnicos, nem cabe decisão política numa questão que mexe com as economias de pessoas e empresas.

A empresa perdeu só este ano 27% de valor de mercado.

A consultora de mercado de capitais da Prosper Corretora, Rita Mundim, lembra que muitos acionistas minoritários usaram o Fundo de Garantia para comprar ações da Petrobras.

- A capitalização virou uma novela mexicana com final infeliz para os minoritários.

O governo se esquece que muita gente usou o Fundo de Garantia no anos 90 para comprar Petrobras.

Isso significa que 30% do sonho de muita gente virou água com a queda das ações este ano. Quem quer comprar imóvel pode ter adiado.

Quem fez dívida pode estar em dificuldade. Até agora, só houve trapalhadas e incertezas - afirmou.

O analista da Spinelli Corretora, Max Bueno, que acompanha Petrobras, estima que se o barril de petróleo for cotado a US$ 8, o minoritário terá que fazer um aporte de 30,7% do valor das ações que possui hoje. Por exemplo, quem tem R$ 100 mil de ações da Petrobras, terá que comprar mais R$ 30,7 mil para manter a participação atual.

Se o governo decidir que o petróleo vale US$ 12, esse mesmo acionista terá que desembolsar 36 mil.

O analista-chefe da Prosper corretora, Eduardo Roche, acha que o aporte do minoritário terá que ser ainda maior, em qualquer um dos casos, acima de 50%. Os especialistas têm dúvidas faltando pouco mais de 30 dias para a operação. Imagine o acionista comum. As informações continuam truncadas, as decisões são tomadas de forma equivocada e as incertezas são inúmeras.

Para se ter uma ideia, o campo de Tupi ainda não possui reservas provadas de petróleo 10 anos após a primeira licitação. Já foram feitas oito perfurações para pesquisa e só há estimativas.

No campo de Franco, que será usado na capitalização da Petrobras, foi perfurado um único poço.

- Só com um poço é muito difícil. É natural que as duas certificadoras tenham chegado a valores diferentes porque as incertezas são muito grandes; as informações, muito poucas. A capitalização jamais deveria ter sido planejada por esse processo - afirmou o ex-diretor de exploração e produção da Petrobras, Wagner Freire.

Ele explica que o processo tem que seguir várias etapas.

Com base em dados geológicos e geofísicos, as empresas identificam que áreas são promissoras, e aí se faz a perfuração exploratória. Depois, são feitos poços adicionais para se saber o montante das reservas. Em seguida, a análise econômica sobre custos de exploração, investimentos necessários, volumes recuperáveis. Em Franco, foi feito apenas um "poço estatigráfico". Outro, com a mesma técnica, foi feito em Libra, numa área próxima, e provocou um desmoronamento com milhões de reais perdidos.

Especialistas em petróleo, da área financeira e do setor jurídico estão espantados com o grau de improviso deste processo de capitalização.

Desde o começo, tudo está contaminado pela exploração política. O governo tem pressa porque quer fazer um palanque no dia 7 de setembro sobre a capitalização.

A Petrobras, em quem foi concentrada a exploração do pré-sal, está no limite do seu endividamento e terá que fazer um esforço enorme. Para isso foi imaginado esse tortuoso processo em que o governo cede barris de petróleo a cinco mil metros à empresa e assim se faz a capitalização.

Transfere também títulos da dívida, enquanto os minoritários terão que acompanhar com dinheiro vivo.

Se o processo beneficiar muito os acionistas, haverá transferência de riqueza de todos os brasileiros para alguns - os que são acionistas - porque a Petrobras é uma empresa de capital aberto, que tem 60% de suas ações no mercado. Se prejudicar o minoritário, ele terá perda de patrimônio. A decisão não pode ser tomada por critérios eleitoreiros porque afeta a economia de pessoas e empresas, ou representa transferência de patrimônio público.

A advogada e ex-procuradora da ANP Sonia Agel acredita que após a operação haverá contestações na Justiça.

- O minoritário pode entrar na justiça por se sentir prejudicado. Da forma como está sendo feito, o Ministério Público ou até mesmo uma ação popular pode contestar o processo porque estamos falando de um patrimônio que pertence à União. Uma terceira certificadora deveria ser contratada para definir o valor do barril, e não o próprio governo - explicou.

Essa é uma questão que tinha de estar longe dos palanques.

O DIREITO AO RISO Gaudêncio Torquato

O Estado de S.Paulo - 29/08/10

O que aconteceria se Lula, mesmo com 80% de aprovação popular, tivesse adiado o tradicional carnaval de fevereiro para o mês de abril, em homenagem a um de seus ministros, o mais querido (quem seria?), se acaso este deixasse nosso meio às vésperas da festança do Rei Momo? O povão de Salvador, do Recife, do Rio de Janeiro e de outras capitais, fazendo coro ao seu herói, teria começado o fuzuê apenas dois meses depois? Pouco provável. Mais certo seria apostar na repetição da História. Em fevereiro de 1912, às vésperas do carnaval, morria o Barão do Rio Branco, a figura mais insigne da história de nossa diplomacia. Ministro das Relações Exteriores desde o governo Rodrigues Alves, ganhou homenagem póstuma do marechal Hermes, presidente da República, com o adiamento do carnaval. O que fez a turba? Foi para as ruas em fevereiro, brincou em abril e ainda gozou a decisão presidencial solfejando a estrofe do jornal A Noite: "Com a morte do Barão,/ tivemos dois carnavá./ Ai que bom, ai que gostoso,/ se morresse o marechá."

A galhofa, o deboche, o toque irreverente são traços marcantes do caráter nacional. Quando represados por uma engrenagem de normas e proibições, sempre encontram o jeitinho das águas e acabam se infiltrando nas frestas das rochas para seguir seu fluxo. A imagem vem a propósito da proibição de usar o humor para caricaturar a política, neste momento em que candidatos se apresentam à avaliação do povo, que escolherá em outubro os novos quadros da democracia representativa. O impedimento abarca conceitos como "trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação". Ao fim e ao cabo, trata-se de impor sanções aos humoristas.
A simples comparação entre passado e presente mostra que o atual momento político-institucional tem imposto freios à criatividade. Basta um rápido olhar no ciclo dos governantes que habitaram a República no Catete. Foram figuras emolduradas pelos humoristas da época. A historiadora Isabel Lustosa apresenta a galeria que começa com o Biriba (Prudente de Moraes), passando pelo Patriarca do Baranhão (Campos Sales), Papai Grande (Rodrigues Alves), Tico-Tico (Afonso Pena), Moleque Presepeiro (Nilo Peçanha), Dudu e a Urucubaca (Hermes da Fonseca), Tio Pita (Epitácio Pessoa), Seu Mé (Artur Bernardes), Rei da Fuzarca (Washington Luis), chegando a Gegê (Getúlio Vargas) e JK. O cotidiano dos governantes era satirizado por um conjunto de revistas e jornais ilustrados. Mesmo perfis carrancudos aguentavam o tranco. Getúlio, então, era muito gozado pela vontade de se perpetuar no poder. Em outubro de 1945, por exemplo, botava-se em sua boca a piada: "Meu candidato é o Eurico; mas, se houver oportunidade, Eu Fico."
Qualquer pedaço de nossa História registra criativa contribuição do humor como ferramenta de crítica social. É verdade, porém, que ele tem perdido substância, de um lado, porque a política se distanciou da sociedade e, de outro, porque o próprio corpo legislativo, para salvaguardar a imagem, procurou esculpir um conjunto de normas para restringir a semântica e a estética da arte humorística. Sob a hipótese de que o chiste possa embalar perfis com o celofane da desmoralização, os legisladores acabaram criando uma camisa de força que delimita o espaço criativo de uma arte que satiriza o universo político desde a Idade Média. O paradoxo é inevitável: em plena sociedade da informação, sob o escudo dos direitos individuais e coletivos, entre eles o de liberdade de manifestação do pensamento, cerne da democracia, apertam-se os elos da expressão artística. Um absurdo dentro do Estado democrático. Por que orientação tão canhestra tem assento na mesa central de nossa democracia? Pela simples razão de que os representantes se valem da pletora dos direitos da cidadania para apontar prejuízos ao seu conceito ao se verem desenhados nas telas do humor. Seu argumento é de que os pincéis tornam alguns nomes "ridicularizados", quebrando-se a harmonia da igualdade para todos.
Tal visão não resiste a uma análise. Há mecanismos de defesa para quem se sinta ofendido na honra pessoal. Afora a legislação eleitoral, existem as legislações penal e cível, que podem ser avocadas por quem se achar injustiçado. Ademais, vale lembrar que o objeto da arte humorística não é a infâmia ou a injúria, mas a graça, a brincadeira, a descontração, elementos que conduzem as audiências ao universo diversionista. Neste ponto, retorna-se à contradição: quanto mais a sociedade organizada avança em sua luta por igualdade de direitos, mais se expandem as restrições ao universo da locução. Se cada grupamento quiser impor um sistema próprio de regras para determinar o que entende por direitos, acabaremos por ter um arcabouço capenga em torno da defesa social. O escopo da igualdade e da cidadania não se forma a partir de restrições, numa banda, e ganhos corporativos, noutra. A defesa sobre "o que é politicamente correto" soçobra quando gera, em outra esfera, consequências incorretas. Numa sociedade democrática, o direito ao riso não pode ser contido pela defesa da mordaça.
Voltemos ao passado. Antonio Carlos Magalhães, governador da Bahia, perguntou um dia a Jânio: "E aquela história de que o senhor gostava de ver filmes de bangue-bangue nas madrugadas de Brasília para aliviar as tensões do governo, é verdade?" Jânio respondeu: "É verdade, ficava até as 3 da manhã. Papapapapa... para ter a sensação de estar matando parlamentares." Hoje, uma história assim seria impensável. Nem mesmo o idolatrado Lula, um contador de causos, teria coragem de fazer tal analogia.
P. S.: A decisão do ministro Carlos Ayres Britto, do STF, de suspender a proibição do humor na eleição merece aplausos. Aguardemos o exame do mérito do caso em plenário.
JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO

Tsunami governista Merval Pereira

O GLOBO - 29/08/10



Dada como perdida a eleição presidencial, a tentativa da oposição agora é não desmobilizar as campanhas regionais e resistir ao verdadeiro tsunami governista que vem tomando conta do país, subvertendo a geografia do voto com base na popularidade do presidente Lula.

Com a reviravolta da corrida pelo governo de Minas, com o candidato do ex-governador Aécio Neves tomando a dianteira, a oposição vai garantindo a manutenção do poder nos dois maiores colégios eleitorais do país.

Embora seja pouco provável que o presidente Lula se empenhe na defesa da candidatura de Hélio Costa em Minas, é certo que em São Paulo ele aumentará sua ação política para tentar uma reversão que leve a eleição para o segundo turno.

É em São Paulo que está o centro da disputa pela hegemonia do poder político nacional entre PT e PSDB, e a vitória da candidata Dilma Rousseff sobre o tucano José Serra é um indício de que o PT encontra um ambiente político propício para tentar quebrar o domínio de 16 anos do PSDB no governo estadual.

O crescimento de Mercadante, mesmo que tenha se dado mais sobre os votos do candidato do PP Celso Russomano, deve estimular ações mais agressivas por parte de Lula, que está se empenhando pessoalmente em alguns estados até mesmo na disputa pelo Senado.

Serra está tendo um desempenho na corrida presidencial mais próximo do que teve em 2002, quando perdeu em São Paulo e venceu apenas em um estado, Alagoas, obtendo 23,5% dos votos, do que do de Geraldo Alckmin em 2006, quando o então candidato tucano fechou o primeiro turno com 43% dos votos, tendo derrotado Lula em São Paulo por 3.800 milhões de votos.

Ambos foram para o segundo turno com poucas chances de vitória sobre Lula, e perderam pela mesma diferença: 61% a 39% dos votos válidos.

Não por coincidência, a mesma proporção que a candidata Dilma Rousseff vai abrindo sobre Serra já nesse primeiro turno, o que mostra que a antecipação da disputa prevista por Lula está se concretizando.

Mais grave para Serra é que os 40% de votos válidos que parecem ser o teto dos eleitores oposicionistas terão que ser divididos com a candidata do Partido Verde, Marina Silva, que vem tendo cerca de 10% dos votos válidos.

A disputa eleitoral passa a ser em torno dos nichos de voto oposicionistas nos tradicionais estados "azuis", como São Paulo e Minas Gerais, cujo controle político será vital para que a oposição tenha voz num futuro governo Dilma.

Mas também em torno do Senado, onde está em disputa o controle de uma bancada que, até o momento, é o principal freio às investidas do governo federal.

Embora tenha uma maioria teórica nas duas Casas do Congresso, foi no Senado que o governo Lula encontrou maiores resistências, devido não apenas à atuação da oposição como ao posicionamento de senadores independentes.

Uma avaliação mais realista da correlação de forças partidárias num provável governo Dilma, portanto, depende desses dois fatores que darão a medida do nível de fragilidade da atuação da oposição.

Uma eleição de Antonio Anastasia como está se desenhando reafirmará a posição do ex-governador Aécio Neves como principal expoente da oposição no país, mesmo que Alckmin confirme sua hegemonia em São Paulo.

O mais importante estado onde a oposição vence, fora do sudeste, é o Paraná, onde Beto Richa tem possibilidade de vencer no primeiro turno. As vitórias de Marconi Perillo em Goiás e do peemedebista dissidente André Puccinelli no Mato Grosso do Sul serão importantes para garantir a influência política da oposição no CentroOeste do país.

A composição do Senado por enquanto está garantindo a permanência de oposicionistas de peso, que Lula gostaria de derrotar, como Tasso Jereissatti no Ceará, Artur Virgílio no Amazonas, e dos democratas José Agripino Maia no Rio Grande do Norte, Marco Maciel em Pernambuco, Demóstenes Torres em Goiás e Cesar Maia no Rio.

Há ainda eleições prováveis, como a de Germano Rigotto, do PMDB antipetista do Rio Grande do Sul, Itamar Franco, do PPS de Minas, e Cristovam, Buarque, do PDT de Brasília.

Algumas vagas estão em disputa acirrada e a partir delas se poderá ter uma idéia de como ficarão as bancadas no Senado. Em São Paulo, a petista Marta Suplicy permanece em primeiro lugar e dois candidatos disputam a segunda vaga: Orestes Quércia, do PMDB dissidente, e Netinho, pelo PCdoB.

Em Brasília, a tucana Maria Abadia está empatada tecnicamente com Rodrigo Rollemberg do PSB; no Rio de Janeiro, o bispo Marcelo Crivella está despencando, embora permaneça na primeira posição, e Lindberg Farias, do PT, e Jorge Picciani, do PMDB, estão crescendo, mas continuam longe de Cesar Maia, que apresenta estabilidade de votação.

Em Pernambuco, o presidente Lula decidiu fazer campanha contra o ex-vice de FH, Marco Maciel, para apoiar Armando Monteiro, do PTB, que está crescendo na disputa pela segunda vaga.

Dependendo da correlação de forças, é possível que o PSB tente uma aproximação com o PSDB para dar ao governo uma alternativa para equilibrar o poder que terá o PMDB, fazendo as maiores bancadas tanto na Câmara quanto no Senado.

Aécio Neves pode ser o centro numa aliança PSB, PT, PSDB, que já foi tentada em Belo Horizonte na eleição do prefeito Marcio Lacerda.

Na ocasião o PT vetou essa aproximação, mas diante do aumento de poder do PMDB é possível que reveja essa posição.

Este é um processo ainda em curso, faltando pouco mais de um mês para a eleição, e está sujeito a reviravoltas devido à onda governista que está assolando o país do Oiapoque ao Chuí, para usarmos a imagem inaugural da propaganda da candidatura oficial.

Una derrota en todos los frentes Por Joaquín Morales Solá

Pocas veces, como en los últimos días, un gobierno sufrió una derrota
sin necesitarla. Pocas veces, también, la primera figura del Estado se
entreveró con tanta pompa en una historia trucada que se reveló
mentirosa inmediatamente después. Pocas veces, un gobierno hizo tanto,
en tan poco tiempo, para quebrar su frente interno y para unificar a
sus opositores. Pocas veces, el matrimonio gobernante necesitó una
sola decisión para recoger muchas y pésimas reacciones en los
principales países del mundo. Nunca antes el kirchnerismo había
cosechado tanta nada en sus reclamos de adhesión a los líderes del
empresariado argentino.
¿Qué significa todo eso sino la descripción de una derrota? ¿Por qué
los Kirchner necesitaban una invención sobre Papel Prensa? ¿Por qué,
en fin, decidieron descerrajar la peor amenaza que recibió la prensa
argentina desde el restablecimiento democrático, hace casi tres
décadas? Todas esas preguntas pueden responderse, quizá, con una sola
pregunta: ¿qué se podía esperar de una operación comandada por líderes
políticos que profesan el odio y practicada por Guillermo Moreno,
viejo arquitecto de otras derrotas oficialistas, como la guerra contra
el campo y la destrucción del Indec?
El primer frente que capituló fue el judicial. El testimonio ante el
juez de Isidoro Graiver y la declaración pública de su sobrina, María
Sol Graiver (hija de Lidia Papaleo, la supuesta principal acusadora
contra Papel Prensa), desarticularon en pocas horas el relato
embustero que se dio desde el propio atril presidencial. Isidoro y
María Sol Graiver dijeron que no suscribían la denuncia oficial contra
los dueños privados de Papel Prensa, los diarios La Nacion y Clarín.
Lidia Papaleo misma no pudo sostener luego ante el juez las
acusaciones presidenciales.
Cristina Kirchner llegó al barroco de la manipulación cuando afirmó
que creía más en un presunto off the record de Isidoro Graiver, de
hace tres meses, que en las afirmaciones de éste en una solicitada, en
una declaración voluntaria ante un escribano y en su testimonio ante
el juez. Ministros del Gobierno se convirtieron luego en especialistas
de la familia Graiver con más pergaminos que los Graiver. Fue la
imagen patética de un ejército en retirada, disparando al aire los
últimos proyectiles de una guerra perdida.
Es evidente que los hermanos Papaleo, Lidia y Osvaldo, quedaron de un
lado, y la familia Graiver en la vereda de enfrente. Ninguno de los
hermanos Papaleo tuvo nunca acciones propias en Papel Prensa; Lidia
firmó los documentos de la venta sólo en nombre de su hija, María Sol,
heredera de su padre muerto, David Graiver, jefe del conglomerado
económico. María Sol Graiver informó luego que está absolutamente
distanciada de su madre y de su familia materna desde hace tres años,
aunque la mala relación entre ellos sería más antigua aún.
El ritmo de la ofensiva kirchnerista contra la prensa depende ahora de
los jueces. Podrán demorar la derrota anunciada del kirchnerismo o
resolverla de inmediato. Llama la atención la aparición de una
denuncia voluntaria contra Papel Prensa, de un abogado desconocido, en
el juzgado de Norberto Oyarbide, el juez que mejor ha servido a los
intereses del oficialismo en los últimos tiempos.
La caja que abrió el Gobierno podría desatar otras guerras. David
Graiver controló fondos de los Montoneros y ésta fue la peor
consecuencia para su familia después de su muerte. ¿Cómo se
financiaron los Montoneros? ¿A quiénes solventaron con sus recursos
para que los ayudaran? ¿Cuáles eran las formas de extorsionar de esos
jefes guerrilleros? ¿Dónde fueron a parar los millones de dólares que
recaudaron mediante secuestros? ¿Acaso una investigación cabal y seria
del pasado no llevaría hasta el propio Perón, si se hurgara en los
orígenes de la criminal y paraestatal Triple A?
La diletante mesa de café en que se convirtió el atril presidencial,
cuando Cristina Kirchner sacudió el pasado con más prejuicios que
ignorancia, no reparó en esos baúles prudentemente cerrados por la
actual historia oficial. Fue, eso sí, una disertación para sesentones.
Personajes, circunstancias y anécdotas falsas dichas por la Presidenta
pertenecen a una época que nada les dice a los argentinos de hasta 40
años.
La oposición venía de duros desgajamientos. Kirchner la abroqueló. Los
líderes opositores de la Cámara de Diputados no dudaron en volver a
unirse, porque consideraron que una institución fundamental de la
democracia, como lo es la prensa, estaba en juego. Es cierto que la
más decidida de todos fue Elisa Carrió, pero también es verdad que el
radical Oscar Aguad fue, dentro de su partido, el que vio con más
claridad la gravedad de ese instante.
Los dirigentes del radicalismo tienen un problema interno con Carrió,
que es más grande que cualquier otro problema. No quieren, dicen, ser
llevados por ella con hechos consumados. El propio presidente del
partido, Ernesto Sanz, debió callarlo al senador oficialista Miguel
Pichetto, cuando éste aseguró que Ricardo Alfonsín era solidario con
el Gobierno. No existe una sola persona en el radicalismo que esté de
acuerdo con la acción del Gobierno contra la prensa, le replicó Sanz.
La confusión tenía argumentos. Ricardo Alfonsín y Hermes Binner, pero
sobre todo este último, habían coincidido en declarar la producción de
papel de interés público. Con argumentos tan falsos como los que se
dieron el martes, ese proyecto ingresó el viernes en el Congreso. No
existe ningún país referencial del mundo en el que el papel para
diarios sea un servicio público. El Gobierno sólo debe asegurar la
correcta provisión de papel a un precio de mercado; para eso, le es
suficiente sacarle cualquier arancel a la importación de papel, que es
lo que sucede ahora. Hay muchos países proveedores de papel en el
mundo. Chile es uno de ellos y está geográficamente, incluso, más
cerca de varias provincias argentinas que la planta de Papel Prensa.
¿Terminará el Congreso siendo el mecanismo de intervención de hecho de
Papel Prensa, decisión que el Ejecutivo desistió de tomar en el
momento agónico? No pocos radicales y algunos de sus aliados sólo
aspiran a correr al kirchnerismo por izquierda. A veces, ellos toman
decisiones como si pensaran en un Estado de ángeles noruegos. Pero el
Estado argentino es el Estado de Kirchner, faccioso y personalista.
Los peronistas, desde Duhalde hasta Felipe Solá, no suelen caer en
aquellas confusiones de otros opositores.
Más de 60 dirigentes de la Unión Industrial, que integran la
comúnmente complicada junta directiva nacional, decidieron por
unanimidad, el mismo día del discurso presidencial, que ninguno de
ellos iría a la Casa de Gobierno. La poderosa AEA, integrada sólo por
los dueños de las principales empresas nacionales y extranjeras, tuvo
un trámite más fácil. Un chequeo telefónico terminó en la misma
conclusión: ninguno aceptaría la intensa presión del oficialismo para
que fueran a la Casa de Gobierno. No fue ninguno, por primera vez.
Sabemos que van a agredir a empresas periodísticas. ¿Qué tenemos que
hacer nosotros ahí? ¿No será alguno de nosotros la próxima víctima?,
se despachó en aquella reunión interna de la Unión Industrial el
primer orador. Fue suficiente. Nadie disintió.
Washington dijo públicamente que sigue de cerca el caso de la prensa
argentina y comentó que el conflicto forma parte de la relación
bilateral. Importantes fuentes diplomáticas extranjeras, que no son
norteamericanas, hicieron llegar a los editores de los dos diarios
involucrados, en estricta reserva, mensajes de perplejidad y disgusto
por el sermón presidencial del martes. El diario español El País
escribió el párrafo más duro que se haya escrito sobre los Kirchner:
"[El matrimonio Kirchner]? como las peores dictaduras, podría esta vez
haber manipulado el pasado reciente". En una respuesta más cómica que
digna, la cancillería argentina informó que está preocupada por la
libertad de prensa en los Estados Unidos.
Desde el final del peronismo setentista, en manos de Isabel Perón, no
se veía en democracia una estirpe de oficialistas tan primitiva y
cerril. El matrimonio presidencial había mejorado últimamente en las
encuestas, pero la sociedad le reclamaba, al mismo tiempo, menos
autoritarismo. Los Kirchner tienen el final escrito en el corto plazo
de un año, porque siempre resultan derrotados en su combate contra
ellos mismos.

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