Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 31, 2010

Celso Ming -Virada do trimestre

O Estado de S. Paulo - 31/03/2010

Virada do trimestre


Lá se foi o primeiro trimestre do ano que começou com a aposta de que seria de alentada recuperação da economia global e de forte crescimento da economia brasileira. Não foi e foi.


A percepção agora é a de que a situação externa continua muito complicada e que essa complicação compromete não propriamente o crescimento brasileiro deste ano, mas lança dúvidas sobre o que vem depois.

A crise global, a mais forte desde os anos 30, cumpre um processo de metamorfose. Começou em 2007 com a desvalorização dos ativos hipotecários nos Estados Unidos, avançou para a deterioração patrimonial dos grandes bancos e para o entupimento global dos canais de crédito. A rápida e generalizada intervenção dos tesouros e dos bancos centrais conteve o desastre, mas os Estados nacionais saíram com profundas avarias nas suas finanças. Enfrentam agora o avanço do déficit orçamentário e das dívidas públicas. A execução da política fiscal dos Estados Unidos, por exemplo, aponta para um déficit orçamentário de US$ 1,5 trilhão em 2010 e dívida pública de US$ 14,8 trilhões em 2014, o equivalente a 85% do PIB (as projeções são do Fundo Monetário Internacional).

A deterioração fiscal da Grécia, Portugal e Espanha reflete o mesmo fenômeno no terreiro do euro, que há alguns meses parecia esbanjar solidez. Por toda parte do mundo rico, há queda do consumo, baixo crescimento econômico e redução das receitas públicas. O enfraquecimento das duas principais moedas de reserva internacional é o efeito do que acontece lá fora.

Como doenças desse tipo só se curam com aumento da poupança e recessão, parece inevitável a relativa estagnação do comércio global. A exceção nesse quadro é a recuperação de alguns países emergentes, especialmente China, Índia e Brasil, graças à expansão do consumo interno.

Por enquanto, não há inflação global a exigir elevação dos juros nos países de alta renda. No entanto, mais cedo ou mais tarde, o enorme volume de recursos despejado com objetivo de estancar a crise terá de ser enxugado. Quando os bancos centrais iniciarem a "estratégia de saída", nova rodada de contenção do consumo e da produção deverá espraiar-se por esses países.

Tal cenário não é observado aqui no Brasil. Ao contrário, o ritmo do consumo e o aumento da atividade produtiva já são equivalentes ao período anterior à crise. O crescimento econômico previsto para este ano gira em torno dos 6%.

Mas a economia enfrenta problemas de outra ordem. O primeiro é o avanço do déficit em conta corrente (contas externas), não só em consequência do relativo estancamento das exportações, mas, sobretudo, pela disparada das importações, que crescem acima de 34% ao ano.

Por trás disso está o aumento do consumo (de cerca de 7%), que, por sua vez, vai sendo empurrado pela disparada das despesas públicas (de 17%, no ano passado) e da expansão do crédito (de 15%). O principal resultado dessa situação é o avanço da inflação que tende a se elevar para além dos 5% neste ano e exigirá contra-ataque do Banco Central por meio do aperto monetário (alta dos juros).

De todo o modo, os resultados deste ano já estão dados. Uma nova onda negativa, em resposta ao que acontece no exterior, poderá vir em 2011, quando o governo será outro e será outra também a diretoria do Banco Central.


Dia do fico ou do não fico

É hoje. Se o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, atender ao pedido do presidente Lula e permanecer à frente da entidade até final de dezembro, fica entendido que desiste da carreira de político. Se Dilma Rousseff for eleita presidente da República, Meirelles ainda pode aspirar por um cargo no Ministério. Se sair agora do Banco Central, apresenta-se como opção para composição na chapa de Dilma, como candidato a vice. Dada a baixa receptividade do nome de Meirelles junto aos cartolas do PMDB, parece baixa a possibilidade de que isso aconteça. Não devem ser levados a sério os comentários de que Meirelles quer ser governador de Goiás.


Retificação

A diretoria do Banco do Brasil lembra que, ao contrário do que constou na Coluna de ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não é o presidente do Conselho de Administração da instituição. O cargo é exercido no momento pelo secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa.

ALEXANDRE SCHWARTSMAN Síndrome da China

Folha de S. Paulo - 31/03/2010

A revalorização do yuan seria um presente para o Brasil, pois mitigaria bastante a pressão sobre o balanço de pagamentos


PARA QUEM acha que o debate sobre taxa de câmbio no Brasil é agressivo, a versão chinesa é, no mínimo, selvagem. Há pressões americanas pela revalorização do yuan, e mesmo autoridades chinesas, preocupadas com os riscos crescentes de inflação, parecem considerar de forma cada vez mais concreta a conveniência de retomar a trajetória de apreciação contínua que prevaleceu entre 2005 e 2008.
Aliás, se não fosse a atitude americana, minha impressão é que a China estaria realmente muito próxima de alterar sua política (não seu regime) cambial, permitindo a apreciação da sua moeda.
Se isso for verdade, quais seriam as implicações para o Brasil? Apesar do peso maior da China em nosso comércio internacional (destino de 13% de nossas exportações), acredito que o canal mais importante de transmissão de uma eventual apreciação do yuan se daria por meio dos preços de commodities e, portanto, dos termos de troca.
Para entender esse processo, considere o seguinte exemplo. Imagine que haja só dois países no mundo, China e Resto, comercializando entre si uma commodity (petróleo). Há também duas moedas, o yuan (CNY) e o dólar (USD), trocados a uma taxa fixa de dois yuan por dólar. O preço do petróleo corresponde a USD 100/barril, ou seja, CNY 200/ barril na China, e presumimos que, a esse preço, tanto a demanda chinesa quanto a do Resto sejam plenamente satisfeitas.
Suponha agora que a taxa de câmbio se altere, de modo que a moeda chinesa se valorize e seja necessário apenas 1,5 yuan para adquirir um dólar. Caso o preço do petróleo continue a USD 100/barril, o preço na China cairia para CNY 150/barril, mas um pouco de reflexão sugere que essa situação não seria estável. De fato, a CNY 150/barril, a quantidade demandada na China teria que aumentar, pois o petróleo ficou mais barato para o consumidor chinês. Por outro lado, com o preço em dólares a USD 100/barril, não há redução na quantidade demandada pelos consumidores de Resto, o que configuraria uma situação de excesso de demanda por petróleo.
Diante do excesso de demanda, o preço do petróleo em dólares teria que subir, digamos para USD 120/ barril, reduzindo a quantidade demandada pelo Resto (bem como a quantidade demandada na China sob a nova taxa de câmbio, que, ainda assim, permaneceria acima da quantidade demandada antes da mudança cambial), reequilibrando o mercado internacional.
O exemplo é, obviamente, muito simplificado, mas captura parte essencial do processo, qual seja, que a apreciação da moeda chinesa tende a elevar os preços em dólar de commodities. A bem da verdade, a evidência empírica sugere que o enfraquecimento do dólar (fortalecimento do yuan) é fortemente associado a preços de commodities (em dólares) mais elevados.
O Brasil, como exportador de commodities, naturalmente se beneficiaria de um aumento de seu preço em dólares. É claro que o país também as importa, mas, no balanço geral, observamos que preços mais altos de commodities se traduzem em melhora de termos de troca para o Brasil, isto é, o preço dos produtos exportados tende a crescer relativamente ao preço dos bens importados, permitindo que cada unidade exportada compre mais importações.
Num contexto de demanda doméstica crescendo mais rápido que o produto (10% ao ano ante 7% ao ano nos últimos três trimestres), pois, a revalorização do yuan seria um presente para o país. Não resolveria (como no passado não resolveu) o descompasso entre demanda e oferta domésticas, mas mitigaria bastante a pressão sobre o balanço de pagamentos.

DORA KRAMER Falha da gerência

O Estado de S.Paulo - 31/03/2010

O governo federal tem sido indiscutivelmente transparente no uso da máquina pública e competente em suas ações eleitorais em prol da candidatura Dilma Rousseff.


Por isso mesmo foi surpreendente a imperícia exibida na concepção e principalmente na execução do último evento da ministra no governo, para efeito de comunicação política.
Dilma foi apresentada ao País como candidata em fevereiro de 2008, como a "mãe do PAC". Dois anos, muita propaganda, visitas a obras e inaugurações depois, a ideia óbvia era reforçar a dose da imagem da boa gestora com um patrimônio de execuções a ser apresentado ao eleitorado, contra programas de promessas da oposição. Daí o PAC 2 para marcar a saída de Dilma do governo e sua entrada na campanha eleitoral.
Como tese, perfeito. Na prática, deu errado.

Senão tudo, mas o principal, aquela parte em que Dilma Rousseff deveria ser consagrada como a grande e competente gestora, gerente inigualável, mulher de personalidade forte que faz as coisas andarem sem outras preocupações a não ser a eficácia dos resultados.
Pois na hora de colher as honrarias, o presidente Luiz Inácio da Silva foi o primeiro a dizer que não estava satisfeito com o andamento das obras. Cancelou visitas, reclamou, ficou irritado e não apresentou um balanço daquele programa sensacional lançado há três anos.
O governo não divulgou os dados da primeira versão do PAC. Apenas disse genericamente que 40% das ações foram concluídas.

Ainda assim, Lula duplicou a aposta, falou muito em dinheiro que ninguém sabe direito de onde sairá, em compromissos a serem honrados por outrem, e nada disse a respeito das obrigações que ele mesmo assumiu, cuja execução delegou à ministra Dilma Rousseff.

A solenidade de segunda-feira poderia ter sido um momento de excelência para Dilma. A apresentação de um bom balanço, parcial que fosse, poderia dar à população uma ideia de como a ministra trabalhou bem e, portanto, de como seria capaz de trabalhar melhor ainda na condição de presidente.

Evidentemente que o governo não escondeu os resultados do PAC porque quis. Escondeu porque não tinha o que mostrar. E se não tinha o que mostrar é de se supor que a gerente do projeto não tenha cumprido a contento a sua missão.

Ou pelo menos é esta a conclusão lógica, à falta de uma explicação por parte do governo para o fato de ter optado por anunciar uma segunda versão de um programa sem ter concluído a primeira etapa e sem ter fornecido ao público informações corretas e detalhadas a respeito de cada ação.

Enquanto o governo diz que 40% delas foram concluídas, o site Contas Abertas, que acompanha desde o início as execuções do PAC, afirma que foram 11% sem sofrer contestação.

A ideia de lançar o PAC 2 apenas para aproveitar a marca original da candidatura Dilma acabou se revelando contraproducente. O tipo do truque malfeito porque as deficiências da primeira versão chamaram mais atenção que os presumidos benefícios da anunciada segunda etapa.

Os profissionais da área de comunicação da Presidência deveriam ser os primeiros a compreender que não há comparação entre um programa existente, coordenado por uma ministra que deixa o cargo e, portanto, deve prestação de contas, e o anúncio de uma abstração longínqua chamada de continuidade de algo que ainda não se completou.

Vida ou morte. Uma coisa é a fidelidade do PT ao presidente Lula em âmbito nacional, outra coisa é a prática do partido no campo regional. A vaia dos petistas ao ministro Geddel Vieira Lima outro dia na Bahia, a recusa do partido em apoiar a reeleição de Roseana Sarney no Maranhão, a resistência em fechar acordo com o PMDB em Minas prenunciam na campanha uma parceria diferente da convivência em Brasília.

Pelo simples fato de que na província, perto do eleitorado, os quinhentos são outros.

Se não preservar minimamente sua identidade e tentar enquadrar a militância, o partido põe em risco a própria sobrevivência, porque o eleitor não obedece a ordens da direção.

MERVAL PEREIRA Palanques abalados

O Globo - 31/03/2010

A campanha presidencial de José Serra se defronta com uma crise política de razoáveis proporções no Rio de Janeiro, um dos suportes do tripé da Região Sudeste, que reúne 43% do eleitorado brasileiro e é a com o maior número de eleitores, 55.718.468. Nela, o candidato do PSDB, José Serra, tem 40% das intenções de voto contra 24% da candidata oficial, Dilma Rousseff, vencendo em São Paulo e em Minas e empatando com ela no Rio.

Questões de política regional envolvendo a candidatura ao Senado do ex-prefeito Cesar Maia estão levando a que o candidato a governador Fernando Gabeira, do Partido Verde, que seria sustentado a princípio pela coligação oposicionista PSDB, PPS e DEM, realize um processo de reavaliação da coligação montada que pode leválo a só aceitar se candidatar com a repetição da coligação que quase o levou à vitória na disputa pela Prefeitura do Rio em 2008.

Se efetivar essa decisão, a coligação regional excluiria o DEM, o que criaria uma dificuldade política para a direção nacional do PSDB, que não gostaria de desfazer a aliança com o DEM no Rio.

Não que exista a possibilidade de a crise local repercutir na aliança nacional, mas é um desacordo considerado desnecessário pela direção nacional, e prejudicial à candidatura de José Serra.

Ao contrário, o Partido Verde e setores do PSDB do Rio consideram que a presença do ex-prefeito Cesar Maia na chapa oficial tiraria de Gabeira toda força política de renovação, enfraquecendo sua candidatura em setores da classe média e da intelectualidade do estado, o que poderia inviabilizar a disputa do segundo turno na eleição para o governo, provavelmente contra o governador Sérgio Cabral, do PMDB.

O vereador do PV Alfredo Sirkis, que já foi secretário de Cesar Maia, hoje é talvez o seu maior crítico e foi quem iniciou o movimento contra sua inclusão na coligação oficial.

A melhor solução para os que não querem ver Cesar Maia na chapa oficial seria o DEM lançar uma candidatura ao governo para sustentar a candidatura do partido ao Senado, mas essa não é uma solução que esteja na cogitação do partido.

Também a possibilidade de o DEM indicar outro candidato ao Senado, ficando Cesar Maia para disputar uma cadeira de deputado federal não parece razoável, já que o ex-prefeito do Rio é uma de suas maiores lideranças e está muito bem posicionado na disputa por uma das duas vagas para o Senado.

O presidente nacional do DEM, o deputado federal Rodrigo Maia, se recusa a especular sobre outra hipótese que não seja a reprodução da aliança nacional no Estado do Rio, e considera que as resistências ao nome de seu pai são localizadas, e não refletem o sentimento generalizado nos partidos da coligação.

Ele alega também que, se eventualmente o candidato Fernando Gabeira encontra resistências a Cesar Maia em seu eleitorado, também o ex-prefeito tem dificuldades para fazer com que seus eleitores mais conservadores aceitem a candidatura de Gabeira.

Com empenho político, alega o DEM, a sinergia entre as duas candidaturas poderia ampliar ambos os eleitorados, em vez de resultar em prejuízo.

Gabeira, no entanto, está se convencendo de que a rejeição a Cesar Maia é muito forte em setores vitais para a sua candidatura.

A repercussão que causou nesse público específico uma declaração de posição em seu blog contra a candidatura de Cesar Maia da vereadora Andrea Gouvêa Vieira, do PSDB, registrada na coluna de Zuenir Ventura no GLOBO, só confirmou o que Gabeira vinha sentindo nas suas incursões pelas ruas do Rio.

Por outras razões, e representando outro espectro do eleitorado tucano no Estado do Rio, o prefeito de Caxias, Zito, presidente regional do PSDB, anunciou que não apoia nem Gabeira nem Cesar Maia, e parece inclinado pelo candidato do PMDB ao Senado, Jorge Picciani, ampliando mais ainda a confusão.

A direção nacional do DEM não acredita que esses setores representem a maioria do partido, e lembra que o único político com expressão popular da coligação oposicionista é o ex-prefeito.

De fato, como Gabeira apoiará a candidatura à Presidência da senadora Marina Silva, do PV, não dará seu palanque ao candidato tucano, José Serra, que ficaria sem um suporte político no Rio caso o DEM fosse alijado da coligação.

E Gabeira também não aceita se candidatar a governador sem o apoio formal da coligação de oposição formada pelo PSDB e pelo PPS, pois, isolado com o PV, não teria nem tempo de televisão nem capilaridade política para sua campanha.

Ele chegou a decidir se candidatar a deputado federal, para prescindir do apoio partidário, mas foi convencido pela direção nacional do PSDB a se candidatar ao governo do estado para que Serra tivesse um palanque forte no estado.

O ex-deputado Marcio Fortes, o vice do PSDB na chapa de Gabeira, foi o fiador dessa montagem e agora está empenhado em desfazer a crise política.

Por outro lado, fazendo parte da coligação oficial, Cesar Maia seria o seu político com mais apelo popular, e poderia dar o suporte de que Serra precisa no interior do estado.

Ele aparece sempre como um dos dois candidatos a senador mais votados do Rio, demonstrando uma força política grande no interior do estado e na Zona Oeste, regiões onde também a candidatura de Fernando Gabeira precisaria de apoio.

Gabeira, no entanto, está avaliando que talvez a relação custo/benefício de ter o apoio de Cesar Maia seja ruim para a sua candidatura, e considera que é possível fazer uma campanha no interior do estado sem os tradicionais apoios dos caciques da política.

Tudo parece caminhar para um impasse, mas Gabeira pretende conversar com Serra pessoalmente antes de anunciar sua decisão.

MÍRIAM LEITÃO BC estatal

O Globo - 31/03/2010

O Banco Central pode passar a ter hoje uma diretoria inteiramente formada por funcionários de carreira. O diretor de Política Econômica, Mário Mesquita, vai sair do cargo, e uma das possibilidades é que o anúncio seja feito hoje durante a divulgação do Relatório de Inflação. Se Henrique Meirelles também deixar o posto, o BC ficaria sem qualquer economista que tenha passado pelo mercado.

Meirelles tem dado sinais de que pretende sim deixar o Banco Central para tentar voltar à carreira política.

Sua saída fecha um dos mais importantes ciclos do Banco. É o presidente que mais tempo permaneceu no cargo desde a criação do BC, em 31 de dezembro de 1964. Um dos nomes mais cotados para assumir é Alexandre Tombini, hoje diretor de Normas do Banco Central. Tombini tem uma carreira diversificada, já serviu a outros órgãos da área econômica, várias diretorias, e é doutor em economia pela Universidade de Illinois. Tem fama de ser mais brando em política monetária: — Digamos que ele é o último a votar pelo aumento da taxa, e vota com alegria pela redução — disse um ex-diretor.

Na estrutura hoje do Banco Central, a diretoria de Política Econômica, onde está Mário Mesquita, é a mais importante porque determina muito da tendência do Copom. Mas Mário já comentou com vários amigos que deixará o BC encerrando um período de três anos e nove meses.

Meirelles foi a escolha inesperada. Deputado eleito pelo PSDB, acabou sendo convidado em dezembro de 2002 para assumir o Banco Central pelo presidente Lula.

Perguntou se teria autonomia.

Lula disse que sim.

E cumpriu o que foi dito.

Mas não foi simples. Houve vários momentos de extrema tensão. Meirelles assumiu com uma diretoria fortemente marcada por pessoas de mercado ou economistas sem qualquer vinculação com o PT. E logo na primeira reunião da era Lula, subiu os juros. Na segunda reunião, também subiu. As taxas foram para 26,5%.

Quando foi lançado o PAC em 2007, o BC estava reduzindo os juros, e mesmo assim interrompeu o processo por temer uma elevação da inflação. As críticas ao BC foram públicas de vários integrantes do governo.

Mesmo assim, ele teve força e influência para manter a política de metas de inflação e as decisões tomadas de forma autônoma pelo Banco Central.

O que acontecerá com uma diretoria inteiramente de funcionários de carreira? Eles podem ser mais sensíveis às pressões do próprio governo contra os juros altos. O problema é que a ata do Copom e o Relatório de Inflação que vai ser divulgado hoje estão mostrando que é necessário começar um ciclo de aperto na política monetária.

É um momento complexo para essa mudança no Banco Central, porque ela ocorre quando está prestes a começar esse período de elevação de taxa de juros.

Além disso, ocorre logo depois de uma ata do Copom que foi muito criticada exatamente por ser contraditória e mostrar um momento de confusão na diretoria.

Talvez hoje o Relatório de Inflação explique os pontos obscuros da ata.

Há quem considere que esse problema não se coloca mais porque o regime de metas de inflação já é bem sucedido. E que, por serem funcionários de carreira do BC, eles não se deixariam pressionar por um governo que está chegando ao fim. O diretor de Política Monetária, Aldo Luis Mendes, não é do BC, mas é de carreira do Banco do Brasil. Essa é uma análise otimista. Mas imagine uma diretoria toda de funcionários de carreira tendo que contrariar o ministro da Fazenda e convencer o presidente da República de que é preciso elevar os juros? Henrique Meirelles não conta, mas se sabe que não foram poucas as vezes em que ele teve que entrar em bola dividida no governo.

Mesmo assim, superou qualquer antecessor em tempo de permanência na presidência do Banco Central.

Depois de assumir o BC, Meirelles teve um bom desempenho no cumprimento das metas de inflação.

No final do governo Fernando Henrique, com a disparada do dólar e os temores da incerteza da sucessão, a inflação subiu.

Em 2003, houve o descumprimento da meta. Ela era de 4% com banda de 2,5%. O Banco Central elevou para 8,8%. Ainda assim, o IPCA foi maior: 9,3%. De qualquer maneira, foi um bom desempenho ter ficado em um dígito.

Em 2004, o índice fechou em 7,6%, mas a meta para o ano havia subido para 5,5%, com limite de tolerância de 2,5 pontos percentuais. No ano seguinte, o índice fechou em 5,69%; e apenas em 2006, no último ano do primeiro mandato de Lula, a inflação ficou abaixo do centro de 4,5%, terminando em 3,14%. No segundo mandato, ele cumpriu a meta, mesmo quando ela ficou acima do centro como em 2008, que ficou em 5,8%.

Mesmo assim, o país teve taxas boas de crescimento, principalmente em 2007 e 2008.

Durante a campanha eleitoral de 2002, o PT prometia uma diretoria do Banco Central só de burocratas.

Pode conseguir isso hoje.

JOSÉ NÊUMANNE Os maus conselhos que as pesquisas dão

O Estado de S.Paulo - 31/03/10

A escolha eleitoral é o ápice de participação do cidadão no Estado Democrático de Direito, mas o funcionamento deste não deve nem pode depender apenas dela. Para começo de conversa, é preciso garantir a lisura dos pleitos, sob pena de a democracia ser traída e frustrada em sua raiz. É fundamental, pois, que alguns requisitos preliminares, como a garantia da igualdade de oportunidades de quem disputa, o sigilo do sufrágio e a lisura na apuração do resultado das urnas, funcionem acima dos interesses de grupos, partidos e, principalmente, governos. Isso é capital em quaisquer casos e mais ainda no nosso, pois aqui vige um regime no qual, na prática, a ação da cidadania se restringe à manifestação do voto. De vez que ainda são precários os instrumentos participativos rotineiros em democracias maduras, tais como a americana e a britânica, as duas mais longevas e sólidas do planeta. Aqui, por exemplo, não há um equilíbrio tão grande entre os Poderes republicanos e isso dificulta a eficácia dos tais checks and balances (freios e contrapesos) postos a funcionar pelos Pais Fundadores da Revolução Americana.

Diante dessa constatação, convém guardar alguns cuidados quanto à utilização sem critério das pesquisas de opinião pública sobre a preferência do eleitor em relação às opções que lhe são apresentadas nas disputas por cargos e mandatos no Executivo. Essas pesquisas são um importante instrumento de informação dos cidadãos sobre as tendências de alguma eleição, mas podem também vir a representar um perigoso meio de distorcer a verdadeira natureza do confronto entre plataformas e ideias dos candidatos.

Um episódio em evidência neste instante demonstra com clareza a necessidade de proteger a higidez das instituições democráticas e o funcionamento adequado da máquina pública da influência negativa que os índices de popularidade ou desprestígio podem provocar. Contra tudo o que demonstra a experiência histórica, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se aproxima do último meio ano de seu segundo governo tendo batido um recorde inimaginável de popularidade de 76% (segundo o Instituto Datafolha). Não é o caso de discutir seus méritos para tanto e tampouco de procurar as razões desse fenômeno. O caso aqui é flagrar o efeito maléfico que isso está provocando na postura do chefe de governo na gestão dos negócios públicos.

Gozando de prestígio popular nunca antes usufruído na História deste país, noço impermeável guia dos povos da floresta tropical, do cerrado e da periferia urbana age como se fosse sócio de Deus e imune a reparos, até mesmo quando os próprios enganos são devidamente comprovados. Nem ao papa, nestes tempos de contestação da autoridade religiosa, é atribuída a premissa da infalibilidade absoluta que Lula quer ter. Sua reação à decisão da Justiça Eleitoral de repreendê-lo pela óbvia violação da igualdade de oportunidades por sua candidata, lançada em campanha não iniciada, é uma evidência de seu menosprezo à definição clássica de que a democracia é o império da lei. A letra fria da norma tem de prevalecer sobre emoções e ambições de qualquer um, a dele também.

As multas aplicadas para sancionar suas faltas, primeiro, de R$ 5 mil e, depois, de R$ 10 mil, são ínfimas, se comparadas com a fortuna que o Partido dos Trabalhadores (PT) se dispõe a gastar para levar Dilma Rousseff a subir a rampa do Planalto. Mas têm o valor simbólico de mostrar à Nação que o chefe de governo não pode tudo e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se esforça para assegurar uma disputa limpa, sem abuso de poder econômico de nenhuma parte. O presidente recorreu contra a decisão e mofou dela em público. Entre a primeira e a segunda, provocou a gargalhada dos áulicos que o aplaudem nos ambientes controlados por seus fiéis prosélitos ao lamentar que não possa citar o nome de ninguém para não ser multado. E, depois da reincidência flagrada, perguntou a outros devotos fãs quem dentre eles se disporia a pagar a sanção em seu lugar. Houve até quem lembrasse que o presidente se acostumou mal quando seu amigo Paulo Okamoto, então tesoureiro do PT, pagou, no lugar dele, outra multa dessas. O garante da manutenção da ordem constitucional violar a lei é falta grave. Debochar da Justiça montado em índices de popularidade, um acinte imperdoável.

Se o sucesso turva o bom senso de Lula, o pavor do fiasco leva o PSDB a cometer, a pretexto das pesquisas, outro erro crasso. Ao responder "esquece Fernando Henrique" à pergunta de repórter da Folha de S.Paulo sobre a ausência do ex-presidente entre os oradores da convenção em que os tucanos ungirão o governador de São Paulo, José Serra, seu candidato ao posto de Lula, o presidente nacional do partido, Sérgio Guerra, cometeu uma grosseria, uma ingratidão e uma estupidez, de uma vez.

Sua vítima entrou na História do Brasil ao pilotar o Plano Real, que dizimou a inflação, o rato que roía a roupa e o prato do povo pobre, e este, grato por isso, o elegeu duas vezes para o poder máximo no País. A recente impopularidade do ex-presidente nas pesquisas que chegam ao conhecimento da cúpula tucana em nada muda isso nem o fato inquestionável de que a privatização que ele realizou inseriu a população carente no universo de consumo nunca antes sequer ambicionado por ela. O ofuscante prestígio eleitoral de seu sucessor o afastou do topo da preferência popular, mas não elimina o fato histórico de que foi em sua gestão que se plantaram as bases sobre as quais Lula construiu sua obra aplaudida e de êxito indiscutível. Cabe ao PSDB resgatar a História, mostrando ao eleitor a relação de causa e efeito entre a herança bendita que Lula administrou bem e a paz gozada pelo brasileiro, hoje capacitado a planejar seu orçamento doméstico sem temer o fantasma dos índices inflacionários. Ao ocultar a própria história, o alto tucanato comete suicídio estulto, pois é estúpido imaginar que um eleitor vote em Dilma só porque Fernando Henrique apoia Serra.

RUY CASTRO Olhos de Armando

FOLHA DE SÃO PAULO - 31/03/10

RIO DE JANEIRO - Ano após ano, aos domingos, Armando Nogueira viu Zizinho, Ademir, Heleno, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Pelé, Tostão, Gerson, Zico e outros gigantes desfilarem sua ciência e arte nas tardes do Maracanã. Mas, ao escrever sobre futebol nos anos 60 e 70, em inúmeras crônicas ele teve olhos também para os garotos que jogavam pelada em sua rua, antes que os carros tomassem conta.
"Bendito o bairro em que os meninos ainda podem jogar futebol pelas calçadas", ele escreveu. "As ruas amenas de Ipanema estão sempre cheias de meninos a chutar bolas. Hoje, de manhã, mesmo, passei por dois garotinhos, um de seis anos, outro de três, no máximo: o maior ensinava pacientemente o menor a chutar com o peito do pé".
O crítico severo quanto à aplicação tática dos profissionais se encantava com a anarquia dos rachas: "São 20, 30 de cada lado, todos abaixo de 10 anos, ardendo na pelada que nunca tem hora para acabar". E que só acabava quando uma vizinha rabugenta confiscava a bola que caíra em seu quintal.
Ou como no dia em que um velho, "com cara de guarda-livros", entrou batendo palmas na pracinha onde se dava a pelada e espavoriu a turba: "O espantalho-gente pega a bola, viva ainda, tira do bolso um canivete e dá-lhe a primeira espetada. No segundo golpe, a bola começa a sangrar. Em cada gomo, o coração de uma criança".
Em outra bela crônica, Armando fala do homem de terno e gravata que passa por uma pelada a caminho do escritório e vê uma bola que rola à feição. Vai devolvê-la com seu sapato social. O chute pega na veia, perfeito, a bola penetra entre os dois montinhos de camisas que, a 50 metros, simulam as traves. A garotada aplaude. Pode haver coisa melhor? Só Armando Nogueira para enxergar esses pequenos enormes prazeres.

terça-feira, março 30, 2010

Celso Ming - Dilma, Eike e os irmãos PAC

O Estado de S. Paulo - 30/03/2010


A pobre ministra Dilma Rousseff e o bilionário empresário Eike Batista têm algumas coisas em comum. Ambos bolam planos mirabolantes e ambos não têm dinheiro para transformá-los em realidade.


Mas o empreendedor Eike Batista ao menos tem contratado competentes malabaristas financeiros. Estes têm obtido sucesso em convencer o mercado financeiro a adiantar os recursos que, logo em seguida, recebem o carimbo X (da multiplicação) e depois se destinam transformar boas ideias em ouro fulgurante.

Aquela que até agora foi a mãe do PAC apresentou ontem, sob aplausos da plateia, o caçula recém-saído de um arquivo Power Point. Mas não consegue explicar de onde vai ordenhar o R$ 1,6 trilhão em investimentos previsto no PAC 2, cerca de 150% a mais do que planejava para o filho mais velho, o PAC 1.

Para que o PAC 2 seja, a partir de 2011, mais do que uma extensa relação de boas intenções, contará, por mais nove meses, quase unicamente com o atual guardião do Tesouro, o ministro Guido Mantega, também um pobretão. Mantega concorda em que é preciso atrair capital estrangeiro para já e para o futuro, mas, na prática, faz o contrário.

Seus últimos passos foram desincentivar com uma taxa de 2% a entrada de capitais, inclusive as aplicações de estrangeiros no mercado de ações, que há alguns meses, dizia ele, passava por euforia excessiva e precisava de corretivo.

Mantega parece travado por seus amigos estruturalistas que não gostam de investimentos estrangeiros, não porque sejam maus, mas porque só podem acontecer em volumes enormes se houver também enormes déficits em conta corrente (contas externas). E a rombos assim, os amigos têm horror, independentemente da qualidade do capital estrangeiro que chega. Em todo o caso, apesar dessas restrições, na condição de presidente do Conselho da Petrobrás e do Banco do Brasil, Mantega sabe que precisa atrair capitais, e quantos mais, melhor.

Só para inversão em petróleo e gás estão previstos R$ 285,8 bilhões até 2014. Não se sabe onde a Petrobrás vai arrebanhar tantos recursos. Até para tomar dinheiro emprestado precisa urgentemente reforçar seu capital. Mas seu controlador, o Tesouro Nacional, que tem dado prioridade à cobertura de despesas correntes do governo federal e não à formação de poupança, só pode subscrever a sua parte se for em petróleo virtual, que está desde o período pré-cambriano a 6 mil metros de profundidade e precisa do concurso de centenas de bilhões de dólares para trazê-lo ao nível do mar.

A ideia é convencer os acionistas minoritários, daqui e do exterior, a comparecer com o que o Tesouro não tem para proporcionar, mais ou menos como tem ensinado o empresário Eike Batista.

Independentemente das boas intenções, o Brasil precisa de capitais para crescer. A poupança interna tem sido insuficiente (de apenas 16% do PIB), mas o que mais falta não é poupança, é uma política para garanti-la.

Quanto ao capital estrangeiro, é preciso entender que não faltará nunca, se o projeto é produzir no Brasil veículos, alimentos e produtos de limpeza. Já se o projeto for desenvolver infraestrutura e tecnologia avançada, mais do que oferecer incentivos fiscais, é preciso regras consistentes de jogo. Mas este é artigo em falta no País dos irmãos PAC.


CONFIRA

É um dinheirão

A tabela mostra que a área de energia (petróleo, gás e energia elétrica) toma a maior parte dos investimentos do PAC 2. Na área do petróleo e gás, a maioria dos investimentos acontecerá depois de 2014, quando o próximo governo já terá acabado.

O Brasil não é a China

Não faz sentido dizer que o Brasil precisa assumir o modelo chinês de desenvolvimento. A China poupa 51% do PIB e nós aqui, 16%. O Brasil nunca vai ser como a China, mas ao menos poderia aumentar sua poupança para uns 22% do PIB.

MERVAL PEREIRA A boca do jacaré

O Globo - 30/03/2010

Um dado relevante da mais recente pesquisa Datafolha é a confirmação de que o candidato do PSDB, José Serra, mantém-se na faixa dos 40% da preferência do eleitorado quando o deputado Ciro Gomes não está na disputa, o que faz com que tenha possibilidade de vencer a eleição já no primeiro turno.

No jargão das pesquisas, "a boca do jacaré" estava se fechando, com a diminuição da diferença entre Serra e Dilma para quatro pontos na pesquisa Datafolha anterior. No entanto, a pesquisa seguinte, do Ibope, já mostrava "a boca do jacaré" abrindo mais um pouco, aumentando para 5 pontos a diferença a favor de Serra.

Esse movimento continuou, e a diferença agora foi para 9 pontos.

Ninguém em seu perfeito juízo poderia imaginar que, com o presidente Lula popular no nível em que está, sua candidata não entraria na disputa com pelo menos os 30% do eleitorado de esquerda garantidos.

Em nenhum momento, no entanto, mesmo tendo a diferença a seu favor reduzida, o tucano José Serra saiu da faixa dos 40% nos mais diversos institutos de pesquisa, e deixou de ter a possibilidade de vencer no primeiro turno.

Como exemplo, apenas nas pesquisas de 2010: 41% no Sensus de janeiro; 38% no Vox Populi de janeiro; 41% no Ibope de fevereiro; 38% no Datafolha de fevereiro; 38% no Ibope de março; e 40% no Datafolha de março.

Desde o segundo turno de 2002, quando teve 38% dos votos e perdeu a eleição para Lula, que Serra aparece à frente das pesquisas com uma média entre 35% e 40% de preferências.

Quando abandonou a disputa em 2006 dentro do PSDB para deixar Alckmin perder para Lula, estava na frente das pesquisas, mas já com Lula nos seus calcanhares.

Fica claro que essa marca é muito mais do que o simples recall ( lembrança), fenômeno que as pesquisas eleitorais registram para os candidatos que, tendo disputado eleições anteriormente, permanecem no inconsciente do eleitor e são lembrados numa primeira reação nas pesquisas.

O simples recall, no entanto, não é suficiente para manter um candidato à frente das pesquisas se a lembrança não for acompanha da de algo mais substancial.

O deputado Ciro Gomes, por exemplo, já foi candidato a presidente da República várias vezes e, no entanto, seu recall junto aos eleitores é muito fraco, está em queda permanente na casa dos 11% das preferências.

Embora tenha perdido a imagem de candidato competitivo, o que dificulta uma decisão do PSB a favor de sua candidatura contra a opinião do presidente Lula, o deputado Ciro Gomes ganhou novo fôlego com essa pesquisa recente do Datafolha, que o coloca mais uma vez como uma barreira à possibilidade de Serra vencer a eleição no primeiro turno.

Com sua saída, quem mais se beneficia é justamente Serra, que herda 4 pontos percentuais, indo a 40%. A candidata oficial, Dilma, ganha 3 pontos, indo a 30%. E a senadora Marina Silva ganha 2 pontos, chegando a 10%.

Como a margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos, continua sendo uma possibilidade a vitória de Serra já no primeiro turno no caso de Ciro não aparecer na tela da máquina de votar.

A explicação, dada por alguns marqueteiros, de que o eleitor de Ciro escolheria preferencialmente Serra devido ao seu conhecimento, perde a força diante da constatação de que a ministra Dilma Rousseff já é conhecida por 87% dos pesquisados, que já dizem conhecêla de alguma forma, ainda que apenas de ter ouvido falar.

Serra tem um percentual de 97% de conhecimento dos eleitores, e Ciro tem 93%. Só a senadora Marina Silva pode alegar que seu índice de preferência pode aumentar, pois o nível de conhecimento dela por parte do eleitor é de apenas 52%.

Agora, a explicação para a estagnação da candidatura oficial é que, embora conhecida do eleitorado, só 58% dos eleitores sabem que Dilma é a candidata de Lula.

E entre os eleitores que querem votar no candidato apoiado por Lula, ainda existiriam, segundo Mauro Paulino, diretor do Datafolha, 14% que não votam em Dilma por ainda não saberem que ela é a escolhida do presidente.

Um eleitorado de baixa escolaridade, baixa renda e de grande concentração na região Nordeste, que teoricamente seguiria as palavras do líder.

A questão é saber se, estando o presidente em campanha aberta há mais de dois anos, esse tipo de eleitor não identificou Dilma como a candidata oficial por incapacidade de entender a mensagem do presidente, ou se não encontra na candidata oficial capacidades que vê em Lula.

Essa segunda hipótese seria uma explicação mais política, que reduz a importância das análises técnicas das pesquisas.

É o caso da preferência por Serra de parte ponderável dos eleitores que consideram o governo de Lula ótimo ou bom. Dos que aprovam Lula, 33% votam na petista Dilma, e 32%, no tucano Serra.

Ao contrário, o desempenho de Dilma entre os 20% de eleitores que consideram o governo Lula apenas regular, é muito fraco: Serra recebe 51% das intenções de voto desse grupo, contra apenas 9% da petista, que tem menos do que Ciro e Marina, cada um com 10%.

Entre os 4% que consideram o governo Lula ruim ou péssimo, Serra tem 48% de preferência, enquanto Dilma tem apenas 5%, mais uma vez atrás de Ciro e Marina.

Esses números demonstram claramente a dependência de Lula que a candidatura de Dilma tem.

Mesmo entre os que gostam do governo, ela não consegue se impor como a escolha natural.

DORA KRAMER Ainda falta o principal

O Estado de S.Paulo - 30/03/2010

O resultado da pesquisa Datafolha divulgada no último sábado mostrando José Serra 9 pontos à frente de Dilma Rousseff foi uma surpresa geral. A oposição andava jururu, ainda traumatizada com a pesquisa anterior que havia registrado um quase empate entre os dois, achando que ela poderia ultrapassar Serra na próxima.


Os governistas cantavam vitória como se não houvesse amanhã, na base do "está eleita", já conseguindo contaminar vários setores da sociedade com essa certeza. A coisa chegara a um ponto em que a dúvida era se Dilma ganharia no primeiro ou no segundo turno.

Pura técnica de agitação política e ingenuidade de quem acredita. Pois a pesquisa favorável a Serra tampouco indica que os celebrantes por antecipação devam cancelar os festejos. Apenas aconselha o óbvio: que sejam prudentes, pois eleição não prescinde de campanha. Se não se ganha de véspera, quem dirá antes de começar a campanha eleitoral.

A decantada certeza da vitória por enquanto não teve nem tem base na realidade. Aos fatos: o oponente está na frente. Isso sem se declarar candidato. Uma vez declarando-se, qual o motivo de o eleitor desistir da opção feita anteriormente? Portanto, o mais lógico é que subisse e não caísse nas pesquisas.

Por ora, a pesquisa Datafolha mostra que onde a oposição está pior, no Nordeste, a diferença é de 10 pontos, 35% Dilma e 25% Serra. Mas onde o governo está pior, no Sul, a diferença é de 28 pontos, 48% Serra e 20% Dilma.

A oposição está na frente no Norte, Centro Oeste e Sudeste, aqui com 14 pontos de frente onde estão os três maiores colégios eleitorais, São Paulo, Minas e Rio de Janeiro.

Além disso, entre os eleitores que aprovam o governo, 33% votam em Dilma e 32% em Serra.

Isso significa que há vantagem oposicionista real. Só que há tempo, instrumentos e militância de sobra para alterar a situação se assim o eleitor decidir que deve ser.

Combination. Pode ter sido mera coincidência, mas à medida que ficava mais evidente a candidatura de José Serra à Presidência da República, menos se falava no PT e no Palácio do Planalto da candidatura Ciro Gomes ao governo de São Paulo.

Ao ponto de o consenso em torno do nome de Aloizio Mercadante ter se estabelecido sem necessidade de uma única conversa entre o presidente Lula e Ciro para "resolver" a questão como antes vinha sendo constantemente anunciado.

Conclusão: a candidatura de Ciro em São Paulo nunca existiu de verdade.

Defesa civil. Chico Buarque certa vez propôs a criação de um ministério para prevenção de catástrofes políticas óbvias.

Algo como um conselho que impedisse o presidente Lula de mandar cassar o visto do correspondente do New York Times, que fizesse ver aos aloprados do PT a bobagem de carregar dinheiro em malas para comprar dossiês contra adversários, que aconselhassem deputados a não tentar passar pelo sistema de fiscalização eletrônica de aeroportos com dólares na cueca, enfim, que não dessem tanta chance ao azar.

Seria um dos mais ativos ministérios. Agora mesmo teria a tarefa de desmentir José Rainha Júnior. Um dos primeiros líderes do MST a ficar famoso, a ser preso e acusado por formação de quadrilha, porte ilegal de armas, suspeita de assassinato, associação ao tráfico de drogas, condenado por crimes de incêndio, furto e danos e a merecer da direção nacional do movimento uma manifestação oficial de repúdio.

Ainda assim, apresenta-se como líder de uma ala do MST no Pontal do Paranapanema (SP), cujos acampamentos segundo ele, serão transformados em "comitês pró-Dilma".

As ações começam no "abril vermelho" com as ocupações que tanto desagradam à população. Da mesma forma, os movimentos dos sindicatos ligados à CUT em São Paulo, em que um grevista admitiu que a ideia é "quebrar a espinha" do governador e do candidato.

É de se perguntar aos estrategistas da campanha de Dilma se essa ausência de sutileza não cria uma associação de brutalidade e radicalismo a uma imagem que vem sendo trabalhada exatamente no sentido contrário, de suavidade e moderação.

FERNANDO DE BARROS E SILVA Fora, Suplicy!

Folha de S. Paulo - 30/03/2010



SÃO PAULO - O senador Eduardo Suplicy chegou à reunião da Executiva Estadual do PT, ontem pela manhã, montado em 19% das intenções voto ao governo de São Paulo, conforme registrou o Datafolha. Deixou a mesma reunião, horas depois, anunciando que abria mão da disputa partidária em benefício do senador Aloizio Mercadante, que aparece com 13% na pesquisa.
O desfecho da novela (a candidatura Mercadante) era previsível, mas o roteiro de ontem (a desistência instantânea de Suplicy) não.
O fato é que Suplicy foi massacrado pelo exército lulista. De quase 20 oradores presentes à reunião, nenhum o encorajou a levar suas pretensões adiante. Houve, pelo contrário, pressão unânime para demovê-lo. Um dos petistas, especialmente hostil, chegou a mencionar a eleição ao governo paulista de 1986, quando Suplicy, depois de passar por uma crise pessoal, interrompeu a campanha e se refugiou por alguns dias na serra da Cantareira, alegando ter "perdido o eixo".
"Fiquei surpreso", diz o senador, referindo-se à falta de receptividade a seu nome. Havia, mesmo, a intenção de assustá-lo, conforme relatos a esta coluna. As gentilezas ficaram por conta do café da manhã que lhe foi oferecido pelo presidente do PT paulista, Edinho Silva, com pão de queijo, suco de caju e bolo -uma variedade à mesa "muito incomum" por lá, segundo o anfitrião fez questão de dizer antes de lhe introduzir o menu amargo da política.
Mercadante será -como já era- o candidato. Em 2006, ele foi derrotado no primeiro turno por José Serra. Seu maior desafio ainda é conseguir chegar ao segundo turno.
O episódio de ontem no PT mostra, por um lado, a capacidade quase infinita de Suplicy de jogar para a plateia, faturando algo mesmo quando é derrotado. Sua desistência passa por "gesto de grandeza". Mostra também que, para a cúpula, Suplicy é quase um corpo estranho ao partido, um satélite midiático, circense, personalista. E mostra sobretudo a submissão disciplinada do PT à palavra e à vontade de Lula.

O apagão de Lula

EDITORIAL - FOLHA DE SÃO PAULO

Folha de São Paulo - 30/03/10

SÓ AGORA , quase cinco meses depois do apagão que atingiu ao menos 1.800 cidades em 18 Estados do país, surge uma explicação oficial satisfatória para o corte abrupto e generalizado de energia no final de 2009.
Segundo relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica, divulgado na semana passada, a responsabilidade recai sobre a empresa estatal Furnas, cujas linhas de transmissão cruzam os mais de 900 km que separam Itaipu de São Paulo.
Equipamentos obsoletos, falta de manutenção e de investimentos, além de erros operacionais conspiraram para produzir a mais séria falha do sistema de geração e distribuição de energia do país desde o traumático racionamento de 2001.
Técnicos da Aneel já haviam constatado, em julho de 2009, problemas nos "sistemas de proteção das instalações de transmissão" de Furnas. Foi em seguida conferido à empresa um prazo de mais de dois meses para que se procedessem aos ajustes e investimentos necessários -de maneira específica, nas subestações de Ivaiporã (PR) e Itaberá (SP), onde o blecaute teve origem. Como nenhuma medida foi tomada, o sistema ficou "sujeito a risco de novos desligamentos".
Em novembro, a crise anunciada aconteceu. Temeroso do possível desgaste eleitoral que a falha poderia acarretar para a candidata petista Dilma Rousseff, a gestora do sistema de energia do país, o governo lançou uma nuvem de fumaça sobre o episódio. O ministro Edison Lobão logo tratou de atribuir a um temporal em Itaberá um curto-circuito nas linhas de transmissão.
Além de proteger Dilma, ao governo não interessava jogar luz sobre um setor da administração estatal entregue à esfera de influência do PMDB, sigla que se tornou uma espécie de modelo de fisiologia na política.
O relatório da agência não deixa dúvida sobre a responsabilidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva no apagão. O que houve, em resumo, foi falta de acompanhamento do sistema e de investimentos por parte do Estado.

Miram Leitão Peça de marketing

O GLOBO

O presidente Lula governa o Brasil há 87 meses.

Faltam nove para acabar seus dois mandatos. Por que ele lança, assim no finalzinho, um programa para os próximos quatro anos e além? Para fazer campanha política, óbvio. O presidente alega que é para que o próximo governante não perca um ano sem saber o que fazer, mas para isso existe o Plano Plurianual, que vai até 2011.


Do PAC-1, anunciado em 2007, não se concluiu uma única obra de logística. Foram inaugurados alguns trechos de rodovias, mas de ferrovia não adianta inaugurar trechos.

A Ferrovia Norte-Sul andou, mas não ficará concluída.

A Ferrovia OesteLeste é só uma ideia na cabeça, que liga um porto sem estudo de mercado, sem projeto, sem licença, em Ilhéus, à Norte-Sul. A Transnordestina está parada pelas enormes complicações das desapropriações de minifundios no nordeste.

Os portos não foram dragados. O trem-bala precisará de mais dois anos para concluir o projeto. Começou custando US$ 11 bilhôes, hoje custa US$ 20 bilhões, e o governo diz que fará mais três trens-balas diz o professor de logística Paulo Fernando Fleury.

O truque dos números gigantes é somar o que pode vir a ser orçado com o que pode vir a ser investido pelo setor privado e com os futuros orçamentos das estatais.

Assim foi construído o número de R$ 503 bilhões anunciado em 2007. Depois, virou R$ 638 bilhões.

Destes, o governo considerou ações concluídas de R$ 256 bilhões, mas do Orçamento foram R$ 35 bilhões disse o economista Gil Castelo Branco, do site Contas Abertas.

Mas como 35 viram 256? Do total, mais da metade são empréstimos habitacionais de pessoa física com dinheiro do FGTS. Até reforma na sua casa se for com dinheiro da Caixa entra como ação do PAC diz Gil No balanço do PAC-1, o governo disse que R$ 88,8 bilhões foram investimentos do setor privado. O site Contas Abertas já perguntou insistentemente ao Planalto que empresas são estas.

Ainda não obteve resposta.

O governo alega que completou 40% do que se propôs a fazer nestes quatro anos, mas só concluiu 11%, segundo o site.

Para os próximos quatro anos, o governo Lula anuncia investimentos de cerca de R$ 1 trilhão. O número é outro ilusionismo, e o anúncio, feito agora, é truque eleitoral. De novo, reempacota-se dinheiro que já está aí, como o do FGTS, com investimento que pode estar no orçamento dependendo do próximo governo e possíveis investimentos privados e de estatais a serem feitos no futuro.

É uma forma de dizer, em linguagem de palanque: se o governismo vencer, é isso que o país terá. É também uma armadilha para o próximo governante, se não for eleita a candidata oficial. O próximo será cobrado em cada cidade, cada estado, cada região por não ter feito aquilo que Lula faria. E todas as ideias que são levadas ao governo são incluídas nessa verdadeira sacola de papai Noel.

A mensagem é clara: tudo isso só acontecerá se o governo continuar. Como disse o presidente da CUT, não podemos retroceder.

Ou como disse a ministra Dilma Rousseff: O neoliberalismo que nos antecedeu não tinha planejamento.

Antes, nós tínhamos o Estado que dizia não.

Era o Estado omisso.

Lula admitiu que não lançou o PAC-1 em 2006 para não confundir com as eleições.

A ministra fala do que acontecerá em 2011 como se não houvesse uma eleição no meio.

Tenho a felicidade de anunciar que haverá a democratização da água prometeu.

Os números mostram que, apesar dos sete anos e três meses do governo Lula e um PAC, os problemas de água e esgoto continuam enormes.

Segundo o presidente da Abcon (Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto), Yves Besse: 14,5 milhões de pessoas não têm acesso à água potável; 40 milhões sofrem com abastecimento descontínuo de água; 70 milhões não são atendidos por coleta de esgoto; 100 milhões não têm esgoto tratado.

Besse diz que o PAC-1 prometeu R$ 40 bilhões para quatro anos, pouco mais de 15% do necessário, mas não trouxe recursos novos, apenas reorganizou orçamentos como o do FAT (Fundo de Amparo do Trabalhador), sob controle da BNDES, e o do FGTS, sob comando da Caixa Econômica.

No ritmo atual de investimentos, o serviço de água e esgoto só vai ser acessado pelo total da população em 2070 afirmou.

Planejamento é necessário, mas isso que foi exibido ontem não foi planejamento.

A Constituição estabelece que seja feito, e passe pelo Congresso, o Plano Plurianual, e determina que ele não coincida com o período de mandato, exatamente para que não haja a paralisia que Lula teme que ocorra no ano que vem. O Plano atual vai até 2011. Claro que existem obras que não podem ser concluídas no período de quatro anos ou oito , mas não é razoável apresentar uma lista gigante de projetos que tomariam o próximo governo inteiro, a menos que fosse um programa de governo de candidato.

O empenho para pagar parte da festa saiu ontem no Diário Oficial. A empresa Swot, serviços de festas e eventos, receberá R$ 170 mil.

segunda-feira, março 29, 2010

Fora de controle-Ricardo Noblat

O GLOBO

"Notícia é o que a gente quer esconder; o resto é propaganda".
(Lula, que gostava de notícia antes de virar presidente)

No passado, desdenhou o canudo da universidade.

Por hábito, censura o comportamento da imprensa.

Ridicularizou em Cuba a greve de fome e o conceito de direitos humanos. Na semana passada, para completar, debochou da Justiça. E logo após ter sido punido duas vezes com um total de R$ 15 mil em multas por fazer campanha fora de hora para Dilma.

Saiu no lucro, ressalve-se. O que representam R$ 15 mil para quem se ocupa há mais de um ano e meio em afrontar a lei eleitoral? No caso, a Justiça foi cega, lenta e conivente. Em benefício da solidez das nossas instituições, digamos, porém, que na maioria das vezes a Justiça se limita a ser cega e lenta.

Manda Paulo Okamoto, atual presidente do Serviço Brasileiro de Apoio a Micros e Pequenas Empresas, pagar a multa! Em 2004, Okamoto pagou do próprio bolso uma grana que Lula devia ao PT. Sindicalistas zelosos já se ofereceram para quitar a multa e agradar Lula. Sem problema.

Problema e grave é ver o presidente da República incitar seus seguidores a ignorarem a lei. Foi assim em Osasco, São Paulo, durante a inauguração de 106 apartamentos inacabados. A multidão começou a gritar o nome de Dilma. Conhecido por repreender com severidade multidões que vaiam seus aliados, como Lula reagiu?

Disse: Se eu for multado, vou trazer a conta para vocês.

As pessoas acharam graça e fizeram com as mãos o gesto de assentimento.

A faceta cada vez mais debochada de Lula com tudo e com todos combina com a faceta conhecida de um país galhofeiro, mas é imprópria para o titular do cargo mais importante do serviço público.

Nem os generais da ditadura, nem mesmo Jânio Quadros, por exemplo, ousaram tanto. Os militares aviltaram a democracia, mergulhando o país numa treva de duas décadas. O folclórico Jânio avacalhou o voto popular mergulhando sua alcoolizada presidência num porre de sete meses que acabou, três anos depois, com a ressaca do golpe militar.

Mas os generais conseguiram manter a pose e a circunstância ensaiadas em suas academias militares, embora a tortura rolasse nos porões. E Jânio fingiu uma sobriedade expressa em bilhetinhos nervosos que projetavam um bafo austero sobre a administração.

Diferente deles todos, Lula não mascara o que é, nem finge o que não é.

Isso é bom quando ele atravessa a barreira que sempre separou governantes de governados e procura atender às necessidades primárias do povo. É ruim quando, do alto de seus impressionantes 76% de aprovação popular, e no ocaso de uma administração histórica, sente-se no direito de desafiar qualquer coisa, até mesmo a Justiça.

Com frequência, a língua nada presa e muitas vezes irresponsável de Lula vergasta instituições, ideias, princípios e verdades. Em Osasco, ela justificou a falta de revestimento nas paredes dos apartamentos com uma desculpa malandra: Tem gente que vê o azulejinho de uma cor e na semana seguinte tira e coloca outro.

Qualquer cidadão tem o direito de criticar a imprensa.

Eu diria o dever. Ela é poderosa demais para ficar imune a críticas. E se não lhe faltarem sabedoria e bons propósitos, aprenderá com elas. Mas esse não é o objetivo de Lula ao admoestá-la.

Lula é um governante populista e autoritário. Esse tipo de gente prefere uma imprensa servil.

Não consigo entender a predileção (da imprensa) pela desgraça. Há tanta coisa boa no cotidiano do povo brasileiro, repetiu ele outro dia. O lamaçal que derrubou o governo de José Roberto Arruda não arrancou de Lula uma só palavra de indignação. Imagem não quer dizer tudo, afirmou de cara limpa. Referia-se aos vídeos do escândalo.

OK. Lula foi apenas coerente.

Afinal, o mensalão jamais existiu. O preso político cubano Orlando Zapata morreu porque decidiu fazer uma greve de fome. E preso político é igual a preso comum. Pois imagine se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrassem em greve de fome e pedissem liberdade.

Carlos Alberto Sardenberg -Alguém vai se decepcionar

O Estado de S.Paulo
Para ficar apenas no noticiário mais recente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer capitalizar, ou seja, colocar mais dinheiro na Petrobrás, na Eletrobrás, na Telebrás, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e num novo banco de financiamento à exportação.


Também quer gastar dinheiro, na forma de subsídios a compradores e de financiamento a empreiteiras, para "acabar com o maldito déficit habitacional", como disse na sexta-feira.

Acrescente aí os compromissos com o aumento real do salário mínimo e das demais aposentadorias, com a ampliação das bolsas e com os reajustes do funcionalismo, mais as megaobras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - como o trem-bala e a transposição do Rio São Francisco - e se verifica que, sem fazer contas, o governo não tem dinheiro para isso tudo.

Há algumas engenharias financeiras ou simplesmente alguns truques em andamento, como essa ideia do governo de capitalizar a Petrobrás "pagando" com barris do petróleo do pré-sal, que ainda não existem. Mas continuam enroladas.

Já o endividamento do Tesouro existe. O governo andou lançando uns papagaios na praça para emprestar ao BNDES - o que aumentou a dívida pública bruta, que, aliás, já se aproxima perigosamente dos limites.

Ou seja, esse é um artifício de pouco uso, daqui em diante, se o governo pretende, como promete, manter a estabilidade das contas públicas.

Também há - ou havia - promessas de aliviar a carga tributária de alguns setores da economia, como o de exportação, o que também significa custo para o Tesouro.

De novo, a conta real não fecha com as promessas.

E aí?

Aí é que muita coisa simplesmente não vai acontecer. O pacote de apoio à exportação, por exemplo, saiu bem mixuruca.

A principal reivindicação dos exportadores é que eles possam compensar automaticamente os impostos que pagam indevidamente. A exportação é isenta, mas, quando o exportador compra insumos e partes, esses produtos vêm com impostos embutidos no preço, em razão do nosso sistema - perverso - de cobrar antecipadamente.

Com isso, os exportadores ficam com uma espécie de crédito, que gostariam de descontar automaticamente de outros impostos, devidos sobre o comércio local, por exemplo. Gostariam, também, de poder vender esse crédito de maneira simples e rápida. Mas não saiu. Ficou o sistema antigo, pelo qual o exportador tem de praticamente implorar a devolução. Entra na fila, e aí já viu.

E por que não mudaram a regra, se todos estão de acordo que é preciso apoiar a exportação? Porque o governo precisa do dinheiro para os gastos já contratados, a Previdência Social, pessoal, os programas sociais e o custeio, que levam mais de 90% das receitas líquidas do governo federal.

Ou seja, eis a alternativa: ou o presidente Lula se convenceu de que ganhou uma licença para gastar e deixou de lado as metas de superávit primário e de redução do endividamento público ou esse amontoado de planos e promessas não passa de agitação e propaganda.

O mercado, que o presidente Lula e seus companheiros adoram atacar, acredita piamente na promessa de austeridade que está no Orçamento: superávit primário de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) - ante menos de 1% no ano passado - e redução da dívida líquida do setor público de 41,5% para 39,5% do PIB, com juros em alta e inflação contida. É o cenário que aparece no Relatório de Mercado, publicado pelo Banco Central (BC), com base nos cenários desenhados por instituições financeiras e consultorias.

Por outro lado, o setor produtivo - especialmente entre aqueles que dependem de encomendas do governo e das estatais - acredita piamente que o dinheiro para os seus negócios vai pintar.

Um dos dois vai se decepcionar. Capaz de os dois se decepcionarem, o que seria o pior cenário para o País.

Fixação. Parece que dois sentimentos movem a atividade externa do presidente Lula. Um é a fixação nos Estados Unidos. O outro é uma espécie de teimosia, que o leva a dobrar a aposta toda vez que é criticado.

Dirão: como fixação, se o presidente não perde a oportunidade para atacar "a subserviência" aos Estados Unidos?

Pois é justamente isso, uma fixação ao revés. Lembram-se daquela diplomacia do regime militar - "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil ?" Troquem um "bom" por um "ruim" - e eis o comportamento atual.

Quanto ao segundo sentimento, basta observar as reações do presidente. Quanto mais criticam, por exemplo, sua futura visita ao Irã, mais Lula anuncia que vai lá, que vai falar isso e aquilo e que, para não perder o embalo, não vai deixar de ir só porque os Estados Unidos não querem.

Na sexta-feira passada, por exemplo, Lula disse que era "subserviência" aceitar a tese de que a paz no Oriente Médio depende dos Estados Unidos. Por isso, o Brasil está se metendo na história.

E, se dizem que a capacidade da diplomacia brasileira por lá é muitíssimo limitada, o presidente Lula acusa os críticos de sentimento de inferioridade e declara que vai fazer muito mais pela paz.

Bobagem, portanto, querer discutir a eficiência dessa política externa. A coisa não passa por essas racionalidades.

Denis Lerrer Rosenfield -O espírito do capitalismo

O Estado de S.Paulo
O Brasil está sendo objeto de um cerceamento progressivo da liberdade de escolha, que atinge contextos tão díspares como a escolha propriamente individual até uma presença cada vez maior do Estado na esfera econômica. A Anvisa, por exemplo, crê-se autorizada - e edita uma resolução - proibindo a venda de remédios que não necessitam de receita na frente do balcão, local de livre opção. Proíbe também a venda de balas e chocolates. Os cidadãos são tomados como idiotas, incapazes de decidir por si próprios. Ao mesmo tempo, o governo edita um decreto, o PNDH-3 que, em nome da democracia, procura minar as bases mesmas da democracia representativa, visando a instituir no Brasil uma espécie de República sindical ou dos conselhos.


O perigo está no enfraquecimento do espírito do capitalismo, pois ele pode levar consigo as instituições democráticas. O capitalismo não reside apenas no seu "corpo", constituído pela economia de mercado, mas também na sua "alma", formada pela liberdade de escolha e por um conjunto de atitudes, hábitos e instituições que lhe dão sustentação. Pode perfeitamente ocorrer que um Estado autoritário capture o espírito do capitalismo tornando-o socialista, enquanto etapa preliminar de um controle maior dos cidadãos e da própria economia de mercado. Um corpo sem alma seria uma presa fácil.

Durante esse período de captura, empresários podem até se sentir muito confortáveis, desenvolvendo seus negócios e ganhando privilégios do Estado, que se apresenta como encarnando um novo modelo nacional de desenvolvimento. As palavras podem até mudar, porém o que conta é o processo de captura do espírito capitalista, que vê reduzido progressivamente o seu espectro de atuação. A captura do espírito capitalista pode, por parte dos seus beneficiários do setor econômico, ser uma espécie de servidão voluntária, traduzindo-se por lucros crescentes, que, no imediato, provocam a adesão desse setor aos que estejam conduzindo tal política governamental. O problema, no entanto, está no longo prazo, pois a servidão voluntária poderá traduzir-se por correias cada vez mais opressivas, inviabilizando que estas possam, depois, vir a ser rompidas. Os elos da corrente serão forçosamente de maior resistência, pois o que terá sido quebrado é a espinha dorsal do espírito capitalista.

Isso é particularmente claro no que diz respeito à liberdade de escolha. Pode-se dizer que a liberdade de escolha é o princípio mesmo do espírito capitalista. Liberdade de escolha que se opera sobre bens materiais e imateriais, bens tangíveis e intangíveis. A liberdade de escolha de bens materiais é aquela que se torna mais visível nas operações de uma economia de mercado, quando um cidadão compra ou vende algo. Temos o conjunto de transações que constituem a economia mesma de mercado, ancorada que está neste significado da liberdade de escolha.

A liberdade de escolha no sentido imaterial concerne à escolha de crenças, de um(a) parceiro(a) amoroso(a), de objetos de gosto em geral; concerne também a uma determinada religião ou, mais genericamente, ao que uma pessoa estima como o seu próprio bem. Articula-se um conjunto de atitudes, de comportamentos, todos eles baseados na liberdade de escolha, que encontra suas formas mais elaboradas na liberdade de pensamento, de imprensa, de eleição dos governantes, também denominada liberdade política. Há todo um conjunto de hábitos que, de tão naturais, escapam a nosso ângulo de visão, como se não pudessem ser mudados, como se seu espírito fosse, por assim dizer, eterno.

Acontece, porém, que esse segundo conjunto de atitudes, o da liberdade de escolha imaterial, começa a ser enfraquecido e progressivamente limitado, enquanto o livre-arbítrio na acepção material continua intacto ou aparentemente intocado. Os cidadãos podem estar contentes com seus benefícios materiais, suas rendas, seus salários, empregos e lucros, enquanto o cerceamento da liberdade se faz em sua acepção imaterial. O paradoxo que se esboça é o do enfraquecimento do espírito do capitalismo no momento mesmo em que a economia capitalista mantém o seu crescimento e pujança.

Na verdade, uma situação desse tipo termina, a longo prazo, reverberando sobre a própria liberdade material, porém quando isso acontece o jogo, por assim dizer, da liberdade já se encontra jogado, tendo o seu desfecho na eliminação da liberdade em suas duas acepções. Acontece que o processo é lento, gradativo, fazendo-se mesmo por meio do contentamento das pessoas. Por exemplo, o governo começa a estabelecer uma série de restrições relativas a escolhas individuais ou de propostas em relação às instituições e ao Estado de Direito. O conjunto dessas medidas se faz em nome do bem do indivíduo, em nome de sua saúde, como se coubesse ao Estado ditar aos cidadãos o que é melhor para eles. As propostas podem ser também ditas de aperfeiçoamento da democracia, quando esta, na verdade, está sendo posta em causa.

A questão, porém, consiste em que o Estado começa a invadir competências que não deveriam ser suas. Ele começa a monopolizar um saber que diz ser seu, o de decidir em lugar dos próprios indivíduos. E termina impondo ao cidadão o que entende como o seu próprio bem. Num primeiro momento, ele toma o lugar do cidadão, determinando o que ele pode fazer ou não relativamente à sua própria saúde. Num segundo momento, procurará impor o que entende ser a "boa" matéria jornalística, estabelecendo a censura aos jornais. Em outro momento, passará a determinar o que os indivíduos deveriam ouvir ou não no rádio, ver ou não num canal de televisão, em nome daquilo que também vem a considerar como o bem. Processo semelhante poderá ocorrer na educação, com livros didáticos que terminarão impondo um credo político ou religioso. Propostas essas já contempladas no PNDH-3. É o espírito mesmo do capitalismo que se esfacelaria e, com ele, a democracia representativa.

SANDRA CAVALCANTI Gracinhas típicas de marionetes

O Estado de S.Paulo - 29/03/10

Foram muitas provocações ao longo dos anos. Foram muitas as flechadas no peito de nossa cidade, que leva o nome de seu santo padroeiro: São Sebastião do Rio de Janeiro. Mas, desta vez, encheu!

Nunca fomos bairristas. Nem separatistas. Nem espanhóis. Contaminados por nossa vizinhança, nossos vizinhos fluminenses, do antigo Estado do Rio, também se sentiam muito brasileiros. Muito cosmopolitas. Sem sotaques e sem barreiras.

Quem nasce em outros cantos e vem para cá logo se sente dono da casa. Por isso não somos muito treinados para nos defendermos. Não desconfiamos dos brasileiros dos outros Estados.

Percebi essa diferença quando fiz parte da Assembleia Constituinte de 1986. Atuando na decisiva Comissão de Sistematização, deu para ver o bairrismo caipira, até ressentido, que imperava em algumas bancadas estaduais. Eram espertas, gananciosas, queriam levar vantagem em tudo. Na parte tributária, principalmente, era preciso estar sempre alerta.

Se nós não nos mexêssemos, levávamos a pior. Isso ocorreu, por exemplo, quando tentamos obter, para o então paupérrimo norte fluminense, os mesmos incentivos fiscais da Sudene que já funcionavam para o norte de Minas e o Espírito Santo. Nossa, foi uma guerra! O pior é que tivemos deputados, eleitos pelo Rio, orientados por empresários de São Paulo, votando contra o nosso projeto. Eles venceram! Com o apoio de Minas, do Espírito Santo e de representantes do Nordeste.

Nós sempre pensamos grande. Sempre fomos diferentes. Quando um grupo sulista fortíssimo, liderado por São Paulo, quis acabar com a Zona Franca de Manaus, o que fizemos? Organizamos uma frente parlamentar, ativa e eficiente, para defender a continuação daquela oportuna e valiosa iniciativa, que já vinha recuperando a destroçada economia da região. Encarávamos a região como coisa nossa, maltratada e explorada. As grandes "colônias" de nortistas no Rio davam todas essas informações.

Sofremos outra derrota quando o norte de nosso Estado começou a surgir no mapa como a mais promissora região petrolífera do País. Graças ao extraordinário esforço e à brilhante vitória do professor e consultor-geral da República Clóvis Ramalhete, o Brasil teve reconhecido, na Convenção de Genebra, o direito de extrair petróleo da sua plataforma continental, podendo operar dentro dos limites de 200 milhas. Mas como era a Petrobrás que detinha o monopólio da prospecção e do refino, ela só pagava royalties se o petróleo estivesse em terra firme, como na Bahia.

Quando foi convocada a Assembleia Nacional Constituinte, em 1986, achei que essa seria uma boa oportunidade para corrigir a descriminação feita ao petróleo extraído da plataforma marítima. Na hora de elaborar o capítulo sobre o sistema tributário, buscamos um modo de sermos recompensados, quando ficasse definida a forma de recolher o ICM na sua comercialização. Pois sim! A coisa piorou. O ICMS a ser recolhido nessa operação passou a ser recolhido em favor dos cofres do consumidor! Uma solução inacreditável, é verdade. Mais uma vez o Estado do Rio foi flechado.

Anos depois, quando o Brasil acordou e acabou com o monopólio da Petrobrás, vimos que era chegado o momento de buscar, de novo, os nossos royalties. Foi uma luta demorada e difícil, mas conseguimos. Essa conquista, nossa e de todos os Estados produtores, ficou entalada na goela das bancadas dos ressentidos. Foi a conta. Assim que surgiu uma oportunidade, eles estavam prontos para dar o bote.

A armação foi bem-feita. Cheia de patriotismos locais e de bairrismos fiscais. Quem ouve a argumentação dos parlamentares que votaram aquela excrescência sente até pena... Que mediocridade! Quanta ignorância! Quanta mesquinharia!

Só falta dizerem (mas é o que pensam...) que o Estado do Rio de Janeiro tem de ser punido! Acham que Deus foi muito injusto com eles e, por isso, o Rio merece o castigo.

Onde já se viu coisa igual? Baía da Guanabara, praias deslumbrantes, Parque do Flamengo, igrejas admiráveis, Serra da Tijuca, Pão de Açúcar, Pedra da Gávea, mata atlântica, Maracanã, Teatro Municipal, Jardim Botânico, Petrópolis, Angra, Cabo Frio, Búzios, Porto de Sepetiba, não! O Cristo do Corcovado entre as sete maravilhas do mundo? O sistema do Guandu ser considerado, pelo Guinness, o mais importante projeto de engenharia de águas feito no mundo, no século passado? E pela engenharia carioca? E mais universidades, os centros de cultura, o carnaval? É demais!

Aqueles que no Planalto montaram essa lambança, e seus cupinchas parlamentares, já receberam a resposta contundente do senador Francisco Dornelles. Sua intervenção no episódio foi de extrema felicidade. Calmo, objetivo, com dados precisos e muita lucidez, o senador do Rio colocou a questão nos seus devidos termos. Mas ainda persiste no ar uma questão muito nebulosa nessa conspiração de ratazanas e cupins, produzida e criada naquele ambiente de esgoto, em Brasília.

Será que o chefe de todos eles não sabia de nada? Será que vamos ouvir, outra vez, a mesma desculpa? Nem ele, nem os seus ministros, nem a herdeira do trono, será que ninguém sabia mesmo de nada?

Dá para acreditar?

O chefe acabou dizendo que sabia de tudo, sim. Ele bem que desconfiou de seus ardilosos cupinchas. "Podem ser gracinhas, gracinhas típicas de período eleitoral" (sic!). Pois o chefe acertou. As marionetes fizeram as gracinhas. E conseguiram nos indignar!

Fomos para as ruas. Mais de 150 mil habitantes de nosso Estado, numa passeata de gente do bem. Não pretendemos levar desaforo para casa. O aviso está dado. O deputado Ibsen Pinheiro não é importante nesse episódio. Nem merecia encerrar sua carreira política de forma tão melancólica. O fundamental é saber, agora, como se vai comportar o chefe. E o que está por trás disso...

Fernando RodriguesO PT no Sudeste

FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Lula chegou ao Palácio do Planalto em 2002 e reelegeu-se em 2006, mas o PT nunca decolou de fato quando se trata de ganhar os governos dos três Estados mais populosos do país, São Paulo,Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Na eleição deste ano, por enquanto, os petistas continuam pouco competitivos no Sudeste. O partido não deve ter candidato próprio ao governo do Rio. Apoiará a reeleição de Sérgio Cabral. Em Minas Gerais pode ocorrer o mesmo. Lula está impondo ao PT mineiro uma adesão forçada à candidatura de Hélio Costa. É sintomático da atual fase lulista que Cabral e Costa sejam ambos filiados ao PMDB.

Em São Paulo, berço do PT, o partido terá Aloizio Mercadante como candidato próprio ao governo local.

O desempenho do petista é sofrível.

Na pesquisa Datafolha, registra 11% -bem abaixo dos 32% obtidos na eleição para o mesmo cargo em 2006, quando recebeu 6,8 milhões de votos. Antes, em 2002, havia conquistado 10,5 milhões de votos para o Senado.

Tudo somado, o único nome do PT nas disputas pelos governos de São Paulo, Rio e Minas Gerais é o de Mercadante, cuja popularidade enfrenta uma queda real e fulminante nos últimos anos.

Os petistas rebatem em coro, dizendo que a eleição é só em outubro. Até lá, esperam ser inoculados com os 76% de aprovação do governo Lula. É uma hipótese não desprezível, porém incerta.

Um pouco antes do Datafolha deste fim de semana, lulistas já falavam em vitória em São Paulo. Por esse raciocínio, Dilma Rousseff iria disparar nas pesquisas para presidente e galvanizaria os apoios necessários para Mercadante.

Essa teoria megalômana do PT ruiu com os dados do Datafolha. Para o governo de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin tem até 53%.

Falta muito tempo ainda até a eleição. OK, mas, por ora, o PT repete seu clássico e histórico desempenho medíocre no Sudeste.

domingo, março 28, 2010

AUGUSTO NUNES A LIÇÃO DE UM PAÍS CIVILIZADO AO GROTÃO DOS CULPADOS INCOMUNS

VEJA ONLINE

Confrontado com um caso de polícia, o presidente Lula criou uma nova categoria de inimputáveis ─ a dos homens incomuns ─ para desviar do camburão o chefe do bando. "O Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum", deliberou em junho o camelô dos palanques, de passagem pelo Cazaquistão, ao saber das bandalheiras nas catacumbas no Senado.
Confrontado com a ação movida contra o Estadão pelo empresário Fernando Sarney, o desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, decidiu que, se o pai é incomum, como tal o primogênito também deve ser tratado. Em homenagem à família chefiada pelo patriarca José, de quem ganhou o emprego, o juiz amordaçou o Estadão com a censura prévia.
Confrontado com a reportagem da Folha que denunciou a existência da conta com 13 milhões de dólares no Suíça, o tesoureiro da capitania hereditária do Maranhão fez outra retirada audaciosa nos fundos da arrogância. "Não me manifesto sobre o que não acontece", tentou encerrar a conversa com o repórter, com a empáfia de quem se julga condenado à impunidade.
Confrontada com delinquências financeiras de Fernando Sarney, a presidente da Suíça, Doris Leutrard, escancarou com uma frase o abismo que separa uma nação civilizada das paragens afundadas no primitivismo. "Aqui tratamos todos de forma igual", resumiu. "Aqui pouco importa se a pessoa é rica ou pobre, famosa ou não".
As regras que tratam do sigilo bancário ─ algumas absurdas desde sempre, outras devastadas pela esclerose ─ imploram por mudanças urgentes. Mas ninguém na Suiça é incomum. Os governantes de lá não têm bandidos de estimação. O presidente não ousa atropelar ostensivamente a lei. Não há meliantes especiais. Nem existem sobrenomes intocáveis.
Dias antes da decretação do bloqueio judicial, como apurou o jornalista Lauro Jardim, o sempre ágil Fernando emagreceu a conta suspeitíssima em 10 milhões de dólares, transferidos para outro esconderijo em Lichtenstein. Foram retidos 3 milhões. Não é muita coisa perto das cifras com que lida a turma liderada por Madre Superiora, Magro Velho, Bomba e outros codinomes bisonhos. Mas é mais que suficiente para amparar a pergunta que resume outra ópera do malandro: se o dinheiro não é fruto da ladroagem, por que está escondido da Receita Federal e homiziado na Europa?
O Estadão está sob censura há 239 dias. Ninguém no clã dos Sarney sabe o que é sequer uma hora de cadeia. A credibilidade do Poder Judiciário, em seu conjunto, pode entrar em colapso se a população carcerária não incorporar outras estrelas do universo dos corruptos além de José Roberto Arruda, engaiolado provisoriamente. A diferença entre o ex-governador do Distrito Federal e os colegas de ofício é que a Turma do Panetone foi copiosamente filmada em ação.
No século passado, convencida de que não conseguiria reunir provas suficientes para prender Al Capone por delitos ainda mais graves, a Justiça americana tratou de enquadrar o chefão mafioso em crimes contra o Fisco. A movimentação do dinheiro no exterior não deu as caras nas declarações de renda de Fernando e sua mulher. Que tal percorrer a estrada pavimentada há quase 80 anos?
Ainda existem juízes no Brasil, e um deles é o ministro César Peluso, novo presidente do Supremo Tribunal Federal. Único integrante da Corte que foi juiz de primeira instância, cumpre a Peluso liderar a luta pela sobrevivência moral do Poder Judiciário. Ele sabe que não pode contar com o Executivo e o Legislativo.
O presidente da República e o presidente do Senado estão a milhões de anos-luz da Suiça. Lula desafia acintosamente o Tribunal Superior Eleitoral. Sarney é o chefe da família retratada de frente e de perfil na entrevista com o jornalista Palmério Dória, aqui nesta página. Os dois políticos que melhoraram bastante de vida são atropeladores compulsivos de normas legais e códigos éticos. Também por isso descobriram recentemente que eram amigos de infância.
Pelo menos tão cedo o presidente do STF tampouco deve contar com a opinião pública. No Brasil do terceiro milênio, só o julgamento do casal Nardoni conseguiu induzir a multidão a clamar pelo castigo dos culpados. É compreeensível que o assassinato de uma criança provoque tanta comoção. Mas o triunfo dos bandidos incomuns sobre a Justiça consumará o assassinato da esperança dos brasileiros decentes.
Nenhum outro crime é tão hediondo.

DANUZA LEÃO Adultério consentido

Folha de S Paulo
Fala sério: dá para dançar com os corpos grudados e não pintarem pensamentos altamente eróticos?

NOS CHAMADOS anos dourados, o comportamento de homens e mulheres era bem diferente do dos dias de hoje. Por homens e mulheres, leia-se moças e rapazes, pois ninguém tinha mais de 25 anos; 30, no máximo. A partir daí, já pertenciam a outra turma, a dos mais velhos.
A noite começava cedo e acabava tarde. Pensando agora: será que ninguém trabalhava? Tudo era desculpa para "esticar" (a noite), e quando se saía de casa - para um cinema, teatro ou restaurante -, era obrigatória, depois, uma passadinha na boate da moda; assim, para nada. A música era ao vivo, e o pianista da casa, conhecendo de cor as preferências de todos -que, aliás, eram sempre os mesmos-, tocava o que era praticamente um hino pessoal.
Muito Sinatra, muito Nat King Cole, muita Ella Fitzgerald. Com o barulho, pouco se conversava, mas, em compensação, as mulheres iam muito ao banheiro, retocar a maquiagem. Aliás, ao banheiro, não: ao toalete, e sempre em bando. Lá, passavam pó de arroz, batom, perfume atrás das orelhas (os estojos de pó, batom e perfume eram, na maioria, de ouro), cacarejavam bastante e voltavam, lindas e cheirosas.
Até então todos tinham uma postura bem anos 50: conversas vagas, pouca política, sendo que elas não falavam de quase nada, mas sorriam sem parar; como sorriam. Os volteios na pista só começavam mais tarde, e era muito gentil, da parte dos homens, convidar para dançar cada mulher que estivesse na mesa; num momento de distração, até a sua própria.
Quando começava a dança, geralmente tipo lenta, tudo mudava. Pessoas que se tratavam com uma quase cerimônia juntavam seus corpos -da ponta dos pés à raiz dos cabelos- a tal ponto que por ali não passava nem pensamento. Os rostos se colavam ("cheek to cheek", se chamava), e dependendo do que todos já sabiam, isto é, que A tinha um caso com B, as mãos se entrelaçavam, e enquanto a outra mão (dele) segurava com mais firmeza a cintura (dela), a outra mão (dela) acariciava a nuca (dele); quando se falavam, sentiam a respiração um do outro, tão próximas eram as bocas das orelhas.
Era um adultério explícito sob os olhos de seus próprios cônjuges, todos achando tudo normal. Muitos amores começaram -ou terminaram- ao som de "Night and Day". Fala sério: dá para dançar com os corpos grudados e não pintarem pensamentos altamente eróticos? É claro que não.
Morro de pena das novas gerações que frequentam as raves, que começam na sexta-feira; dançam separados, são 84 beijos por noite, mal se tocando, e transar, só no domingo à noite, quando acaba a rave. Ouso dizer que não levo muita fé no sexo dessa garotada.



PS - Atenção: quem não quiser pegar a gripe suína deve ir a um posto de saúde, sendo que "mulheres grávidas, crianças de 6 a 23 meses e portadores de doenças como o diabetes, coronárias" (e mais umas quatro que esqueci) devem se vacinar entre 22 de março e 2 de abril de maio", já a vacinação dos "com mais de 60 anos" deve acontecer entre 24 de abril e 7 de maio". De dar inveja às telefônicas quando lançam um novo plano de cem minutos grátis nos três primeiros meses, 31 torpedos durante a vigência do contrato, sendo que o SMS é gratuito se for mandado para um celular da mesma. Palmas para a comunicação do Ministério da Saúde.
danuza.leao@uol.com.br

VINICIUS TORRES FREIRE A China está soprando bolhas?

Folha de S Paulo

VINICIUS TORRES FREIRE

A China está soprando bolhas?
Excesso de investimento, de crédito e medo de enfrentar protesto social cria condições para bolhas na China, diz Citi


"O RESULTADO mais provável (...) das políticas chinesas é que o boom de crédito em curso desde 2008 (...) vai causar um boom de ativos, uma bolha e seu estouro. Já vemos o começo disso no mercado de imóveis residenciais. Os preços das casas novas em Pequim e Xangai subiram 68% e 66% [em um ano] (...), a terra mais do que dobrou de preço em 2009."
A citação é de um relatório algo preocupante mas bem circunstanciado, publicado por economistas do Citigroup: "A China está soprando bolhas?" Os economistas dizem que tanto na Bolsa como no mercado imobiliário há por ora apenas o início de um boom. Alertam, porém, que os chineses têm poucas opções para aplicar sua poupança e consomem pouco. Com inflação à vista, tendem a aplicar em imóveis.
A bolha viria entre dois ou três anos, estimam. Parece haver tempo de evitar o problema. Mesmo os economistas do Citi dizem que a previsão de bolhas não é ciência, nem arte -talvez apenas feitiçaria. O motivo da confiança deles no prognóstico de bolha é que estão presentes na China as condições que, em outros países, provocaram bolhas.
Quais são as condições? Fundamentos econômicos sólidos, ritmo frenético de mudanças na economia e na finança, autoridades inexperientes em bolhas, tudo isso cozinhando num caldo de expansão desenfreada de crédito. O crédito bancário crescia a 12% em 2008; foi a 33% em 2009 e está a 25% em 2010.
No entanto a alavancagem na China é pequena. O crédito para o consumidor é apenas 16,5% do PIB; a dívida pública é 50% do PIB. A China ainda teria espaço para engordar, digamos. Mas já haveria sinais de superaquecimento e excesso de investimento, que não darão bom retorno e resultarão em calotes nos bancos.
A maior parte do dinheiro foi dirigida a investimentos de médio e longo prazo. Não se pode cortá-lo, sem mais, sem custo. Mas a economia não carece de mais estímulo. Deve crescer mais de 9% neste ano. A inflação sobe. Mas os chineses, diz o pessoal do Citi, temem elevar os juros e, assim, atrair ainda mais dólares. É como se a China vivesse numa armadilha de excesso de liquidez.
A fim de evitar a valorização da moeda, o governo empilha reservas (compra dólares). Mas não retira da economia todos os yuans utilizados na compra de reservas (não os esteriliza). A liquidez cresce mais. Se mais dólares entram na China, pior.
Diz a lenda que, a fim de evitar protesto social, a China tem de crescer mais de 8% ao ano. Com uma taxa de investimento de 45% do PIB (2,5 vezes a nossa) e crescimento de 10% ao ano, o número de empregos cresce só 1,1% ao ano. Esse modelo de crescimento, superintensivo em capital, exige crédito abundante. Logo, é improvável que o governo promova arrocho brutal do crédito. Para piorar, há o "ciclo político".
Em 2012, sete dos nove membros do Politburo podem ser trocados. Ninguém vai querer arriscar uma freada forte na economia e perder apoio político, argumenta o povo do Citi.
O que se pode fazer? Elevar juros, deixar o yuan se valorizar. A China exportaria e investiria menos, consumiria mais: mudar o modelo. Para ajudar, uma taxação sobre a entrada de capitais externos (como o Brasil fez), escreve o pessoal do Citi.

vinit@uol.com.br

MERVAL PEREIRA - O exemplo de Lula

O Globo
O descaso com que o presidente Lula trata as condenações que recebeu do Tribunal Superior Eleitoral resume bem o estado de complacência moral em que o país se debate, gerando o esgarçamento de seu tecido social com graves repercussões.

Está se impregnando na alma brasileira uma perigosa leniência com atos ilegais, que acaba tendo repercussões desastrosas no dia a dia do cidadão comum, que passa a considerar a "esperteza" como um atributo importante para vencer na vida.

Em vez de usar seu imenso prestígio junto ao eleitorado para dar o exemplo de cidadania, de respeito às leis, o presidente Lula vem, não é de hoje, confrontando publicamente as instituições que considera obstáculos a seus objetivos políticos, não apenas os meios de comunicação, a chamada "mídia", mas principalmente órgãos encarregados da fiscalização dos atos governamentais.

Já em 2008, em Salvador, chegou a dizer um palavrão em público criticando a lei eleitoral que dificulta suas viagens pelo país.

Àquela altura, ele já desdenhava das possíveis punições, fingindo ensinar ao povo como deve se comportar para não ferir a lei eleitoral.

Quando a torcida organizada começa a gritar o nome da ministra Dilma, ele se faz de desentendido: "(...) a gente não pode transformar num ato de campanha.

É um ato oficial, é um ato institucional. (...) vocês viram que eu, por cuidado, não citei nomes. Vocês é que, de enxeridos, gritaram nomes aí. Eu não citei nomes".

Igualzinho ao que continua fazendo, mesmo depois de multado.

Nos comícios, não é raro o presidente criticar o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público, por supostos entraves que imporiam à execução de obras, e chegou até mesmo a defender a alteração da Lei das Licitações, uma legislação que foi criada depois dos escândalos do governo Fernando Collor, exatamente para coibir a corrupção.

"Aqui no Brasil se parte do pressuposto de que todo mundo é ladrão", disse o presidente certa vez, com a mesma atitude complacente com que trata os "mensaleiros" e os "aloprados".

Lula se incomoda quando os organismos institucionais atuam para fazer o contraponto exigido pela democracia, que é o sistema de governo de pesos e contrapesos para controlar o equilíbrio entre os poderes.

Se existe uma legislação que impede um determinado ato seu, ele tenta superála com a maioria parlamentar que obteve à custa da divisão do governo em verdadeiros feudos partidários.

O exemplo mais recente é o projeto de lei que transforma os recursos do programa Territórios da Cidadania, que leva a regiões do interior projetos de educação, saúde, saneamento básico e ação fundiária, em transferência obrigatória da União para cidades com menos de 50 mil habitantes, mesmo havendo inadimplência financeira com o governo federal, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O caráter político da medida pode ser compreendido quando se sabe que 90% das Câmaras de Vereadores estão instaladas em municípios de menos de 50 mil habitantes.

O Tribunal de Contas da União (TCU) é uma vítima recorrente da obsessão de Lula, que o acusa constantemente de atrasar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Para Lula, de fato "quem governa é o TCU, que diz que obra pode ser realizada".

O incômodo é tão grande que chega a existir no Congresso, incentivado pelo governo, um projeto que reduz os poderes do Tribunal de Contas da União (TCU) na fiscalização, com o objetivo de impedir que o TCU paralise obras públicas, mesmo que a fiscalização encontre indícios de irregularidades graves.

Enquanto não consegue seu objetivo de neutralizar a ação do TCU, Lula vai desmoralizando suas decisões.

Recentemente inaugurou a primeira parte da ampliação e modernização da Refinaria Getúlio Vargas (Repar), obra apontada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) como suspeita, um dos quatro empreendimentos da Petrobras que não poderiam receber dinheiro público em 2010 por possíveis irregularidades.

A impugnação do TCU foi incluída na Lei Orçamentária para 2010, mas recebeu o veto presidencial, que garantiu a continuidade das obras. A maioria governista na Câmara dos Deputados aprovou o veto.

Na ocasião, fez comício e tudo, com sua candidata Dilma Rousseff a tiracolo, como sempre, e usando os trabalhadores como desculpa para ter ultrapassado a decisão do TCU.

"Quem vai assumir as responsabilidades e explicar para as famílias dos 24 mil trabalhadores que tudo bem, a obra foi suspensa e a gente volta mais tarde?", discursou Dilma, defendendo a decisão do chefe, de quem não discorda "nem que a vaca tussa", como já disse uma vez.

Foi o TCU, um órgão do Poder Legislativo, por exemplo, que levantou os gastos exorbitantes dos cartões corporativos e exigiu maior transparência nas prestações de contas.

Outro órgão que se defronta com sérias críticas presidenciais é o Ibama.

Ainda em 2007 aconteceu a citação aos bagres, que ficaria famosa com o demonstração da veia ecológica do presidente Lula.

Em reunião com o Conselho Político, o presidente não escondeu a sua irritação com o Ibama por causa da demora na concessão de licença ambiental para construção de usinas hidrelétricas no Rio Madeira.

"Agora não pode por causa do bagre, jogaram o bagre no colo do presidente.

O que eu tenho com isso? Tem que ter uma solução".

Dois anos depois, Lula estava em Copenhague, na reunião do clima, no papel de defensor da ecologia.

Mas esta é uma outra história de esperteza dessa autoproclamada metamorfose ambulante.

JOÃO UBALDO RIBEIRO Um certo cansaço

O ESTADO DE SÃO PAULO - 28/03/10

Sei que talvez me repita um pouco hoje, mas, no momento, é difícil desviar a atenção para outro assunto. Refiro-me a Hugo Chávez, a quem assisto num clipe que me mandaram por e-mail, declamando seu bestialógico padrão e terminando em "¡muerte!" outra vez, com a habitual vaniloquência fanfarrona que, apesar de "de esquerda", parece mais com o figurino de Mussolini. Não tenho nada com isso, havendo por graça divina nascido do lado de cá do Oiapoque, mas, como já observei antes, fico passado de vergonha com essas coisas. Chega desse negócio de "muerte", que parece coisa de dramalhão mexicano da década de 50 do século passado, não sei como se consegue aturar essa palhaçada, ainda mais estrelada por um caudilho de meia-tigela. Até aqui mesmo, em meio a nosso atraso, já deram o último grito desses há bastante tempo e, segundo muito se comenta, não resultou nem em independência nem em morte.

Além disso, é difícil aguentar a mesma cantilena antiamericana com os quais os mais velhos já torravam o saco das novas gerações há décadas, a ponto de se atribuir aos gringos até surtos de catapora. Primeiro, tem a conversa de que, com cinquenta caças russos e mais uns tantos foguetes de São João, ele está preparado para enfrentar o poderio bélico americano, confronto que, como sabe todo mundo, só poderá ser deflagrado depois que for explicado aos americanos o que é um chávez e de que se trata a Venezuela. Em seguida, vem a convicção de que os mencionados americanos perdem horas de sono com o que uma aguerrida Venezuela pode fazer a eles. Não deixa de ser interessante, porque é do conhecimento geral que o sulfuroso petróleo venezuelano tem mercado restrito e os Estados Unidos são de muito longe seu freguês mais importante. Ou seja, bastava, para acabar logo com a farofada, que os americanos não comprassem mais o petróleo venezuelano. Mas imagino que isso ia gerar protestos, inclusive do Brasil, por resultar em odiosa pressão econômica, interferência nos negócios internos de um país soberano e semelhantes papos, além da ajuda humanitária que acabaria tendo de ser mandada para lá e demais chateações.

Agora, outra vergonha e outra manifestação de atraso, entre as que quase todo dia chegam da Venezuela: mais sufocamento da liberdade de expressão. Desta feita um político anti-Chavez foi preso por dar uma entrevista considerada ilegal, ou seja, que continha algo do desagrado do governo, que, lá como aqui, se confunde propositadamente com o Estado. E, com certeza, a autoridade que fez a prisão garantiu e garante que ela não tem nada a ver com o fato de que o preso concorreu à presidência da Venezuela na oposição e talvez ainda venha a concorrer, se Chavez daqui para lá não se promover a marechalíssimo e protetor perpétuo do povo.

Pelo menos dois dos delitos definidos pela lei chavista são exemplares. O primeiro é o "incitamento ao ódio". Isto, é claro, significa qualquer coisa que se queira. Por exemplo, o governador Cabral podia ser enquadrado nessa lei, ao chorar por causa da emenda de Ibsen Pinheiro. Quantas velhinhas fluminenses não passaram a odiar o deputado Ibsen, por ter feito o paladino delas chorar tão sentidamente? E o segundo delito é a "difusão de informação falsa", o que, novamente, tem amplitude suficiente para abranger qualquer coisa, bastando para isso que o governo diga que essa coisa é falsa. Por exemplo, imagino que, se algum técnico venezuelano opinar que os apagões de lá são consequência de incompetência do governo, o governo aparece, brande as estatísticas que estão sempre à disposição de qualquer governo e prende o técnico, não por delito de opinião, decerto, mas por divulgar informação falsa - a cadeia é a mesma, mas ninguém pode alegar que motivo da prisão também é.

Como, no Brasil de hoje, o governo e seus prepostos na máquina pública (que devia ser do Estado, mas é do governo) parecem estar empenhados em regulamentar todos os aspectos de nossa vida, venho até estranhando que não tenham ressuscitado a regulamentação da profissão de escritor, um projeto que já ocupou o Congresso e que também era "de esquerda". Regulamentada essa profissão, que, na definição concebida pelos seus defensores, incluiria até mesmo os redatores de bulas de remédio e, com um pouquinho mais de esforço, os autores das comunicações internas dos condomínios residenciais, a primeira providência seria, naturalmente, sindicalizar os escritores. Depois viria a obrigatoriedade, para quem quisesse escrever, de filiar-se ao sindicato, pagar o imposto sindical e as mensalidades e seguir as orientações da categoria. Entre estas, com certeza, terminariam por constar diretrizes baixadas em assembleias gerais com a participação de cinco escritores profissionais, dez mil escritores eventuais e quatrocentos mil inéditos. Como, no sofisticado Brasil de hoje, se acredita que democracia quer dizer tirania da maioria, o escritor que se recusasse a aderir às posições do sindicato poderia ser expulso dele, passando assim a não ter mais direito de exercer a profissão. Quanto às editoras, é bem possível que o projeto venha a ser reformulado para obrigar qualquer editora que atue no Brasil a obedecer a uma pauta de publicação. Poderá ser criada uma lista de temas obrigatórios definidos pelo Conselho Nacional de Literatura e, com certeza, será aprovado um dispositivo que imporá às editoras dedicar um significativo percentual de sua produção a títulos de autores inéditos, outro a autores de cada Estado mediante indicação dos conselhos estaduais, outro a mulheres, outro a idosos e, finalmente, conquista das conquistas, a quotas para escritores negros. É, isso tudo realmente dá um certo cansaço. Mas não se pode descansar, porque o preço do descanso é a vitória do atraso e da burrice.

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