O Globo
Sei que não tenho o direito de abusar da paciência de vocês com as caturrices que anoto no meu caderninho, tanto assim que resolvi livrar-me dele, convertendoo num caderno de receitas culinárias, muito mais útil. Mas não resisto a comentar algumas anotações que me são particularmente caras, sempre na esperança de encontrar quem se solidarize, não é possível que eu seja o único chato a se incomodar com essas coisas.
Ninguém, falando, diz “no outro dia eu vi você na praia”; diz “outro dia eu vi você na praia”. No entanto, quando se escreve, ou se fala com a relativa formalidade dos noticiários de TV, essa e outras locuções adverbiais, como “este ano”, “este mês” ou “outra hora”, hoje ganham a preposição “em”, no caso redundante e mal usada, de uma forma que, se persistir, gerará muitas ambiguidades indesejáveis. Nas outras línguas (e todas as línguas ocidentais, com exceção do basco, são parentas e ligadas de mil formas) isso não acontece. Em inglês, por exemplo, não se diz “in this year”, diz-se “this year”, assim como, no mesmo caso, não se usa “dans” em francês.
Mas o sujeito diz, com propriedade, que este ano vai passar as férias em Búzios e, no entanto, quando escreve ou fala formalmente, resolve que o certo é “neste ano”. Daqui a pouco se escreve “numa vez eu vi um cometa”, em lugar de “uma vez”. Ou “num dia eu visitei Paris”, não se sabendo aí se a visita foi numa certa data ou durou apenas um dia. Se a frase fosse “um dia eu visitei Paris”, não haveria ambiguidade.
De forma análoga, há quem escreva “toda vez que” e “do mesmo jeito que” com uma preposição antes do “que”, por uma questão “lógica”. Mas são locuções consagradas e a lógica da língua amiúde é mais embaixo.
E por que tanto “você”, meu Deus do céu? Tem também gente, inclusive comentaristas, cuja fala é um enxame sufocante de “vocês”, praga que vem piorando muito. “Você adiantar os volantes a esta altura é temerário”, diz o falante.
“Para você segurar o placar, você precisa tentar manter o mesmo nível de marcação que você tinha no primeiro tempo.” Os primeiros dois “vocês” aí podiam ser simplesmente suprimidos e os restantes substituídos por uma maneira de falar menos neandertalesca, que, além de ser feia e revelar pobreza de expressão, faz a língua lembrar a que Tarzan usava para se comunicar precariamente com a Jane, no tempo do “me Tarzan”. Construção típica: “Você ingerir frutas que você não lavou bem traz riscos para a saúde. A fruta, ela pode estar sendo uma via de contaminação e você lavar faz a diferença.” Botei (modernamente, coloquei) essa “diferença” aí de propósito. Antigamente, as coisas faziam diferença. Podiam até fazer certa diferença, alguma diferença ou muita diferença. Mas a diferença não era determinada pelo artigo definido, como hoje, suspeito eu que por influência do inglês, já que muitos jornalistas e resenhistas literários leem bem mais em inglês que em português. “Ser cumprimentado por um bom trabalho faz diferença”, dizia-se antigamente.
Agora é “faz a diferença”.
A ausência do artigo definido, da mesma forma que em inglês, persiste na negativa “não faz diferença” (“makes no difference”), mas daqui a pouco é bem possível que se comece a dizer “isso para mim não faz a diferença”. Ou, para ficar mais de acordo com o inglês, “não faz uma diferença” (“does not make a difference”). Não duvido nada e assim, vamos prosseguir incorporando (o que, no ver de alguns, pode ser uma boa e não discuto) o gênio de outra língua à nossa, na forma mais radical de colonização que pode existir, a do idioma. Ubicumque lingua romana, ibi Roma — onde quer que esteja a língua romana, aí estará Roma, é isso mesmo.
No departamento do adeus-adeus, ao qual já se degredou o quase finado “cujo”, devemos também apontar “jovial”.
Antigamente — e ainda nos dicionários — jovial era alegre, comunicativo, afável. Hoje não é mais. Ou, por outra, não precisa ser, porque virou juvenil e parece que não tem volta.
Outro dia li numa revista que não sei quem se traja jovialmente e fiquei imaginando que essa pessoa se veste em meio a grande efusão e se cumprimentando ao espelho o tempo todo. E uma saudação jovial, é de supor-se, passa a ser algo como “valeu”, ou qualquer das palavrasocirc;nibus hoje em uso pela juventude. Num caminho parecido, o venerando adjetivo “difícil”, conosco desde os albores da língua, está sendo demitido, porque agora nada mais é difícil, é complicado.
O pessoal que pretende falar como se escreve também continua ativo e sua mais conspícua manifestação é ainda o “umaum” com que vários narradores esportivos anunciam um marcador igualado em um gol. Já ouvi também “umotel”, entendi “um motel” e, no decorrer da reportagem, vi que era um hotel. Um olho será um molho e um achado será um machado.
Esse pessoal é perigoso e, se a moda prosperar, ficará impossível falar português no futuro sem um bom preparo físico, para fazer todos os gestos tornados indispensáveis ao bom entendimento.
Acaba-se o espaço, sobram notas, nada a fazer. Bem, só mais estas duas, que tirei de uma revista e vejo muito por aí: “broxura” sexual é com x e “benfeito” é particípio passado do verbo “benfazer”, não quer dizer “bem-feito”. Pronto, acho que o caderninho, ele acabou.
Comunicado à praça: Segundo me contaram, eu integro diversas redes sociais na internet, como o Twitter e o Facebook.
Para mim foi surpresa, porque nunca ingressei em nenhuma dessas redes e nem sei como elas funcionam.
Mas já me garantiram que tem gente se fazendo passar por mim. Devo, portanto, enfatizar que não sou eu e lembrar que não posso responsabilizar-me pelo que me atribuam falsamente.
Entrevista:O Estado inteligente
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