O Estado de S.Paulo - 16/08/10
Desde o início da civilização, cerca de 1 milhão de quilômetros quadrados de florestas desapareceu e elas foram substituídas por cultivos agrícolas. Os efeitos negativos da ação predatória sobre florestas já foram detectados na Europa há mais de 200 anos e amplos programas de reflorestamento foram lá realizados no século 19.
Mais recentemente, um novo problema, decorrente da destruição das florestas - além da perda de biodiversidade e de perturbações no ciclo hidrológico -, foi detectado: a emissão de gases que provocam o aquecimento global. Em um hectare de área coberta por uma floresta densa estão armazenadas cerca de 300 toneladas de CO2 (dióxido de carbono), correspondentes a dez caminhões carregados de petróleo ou carvão.
É por essa razão que o desmatamento que ainda ocorre no mundo (principalmente na Amazônia, na Indonésia e na África) contribui significativamente para o aquecimento da Terra. Há, portanto, sólidas razões para reduzi-lo e estimular o reflorestamento de áreas degradadas, e esses são dois componentes importantes do esforço que se trava hoje para evitar que o clima da Terra mude de forma desastrosa.
A necessidade de reduzir o desmatamento já foi compreendida e absorvida pela maioria dos governos, inclusive no Brasil, e esforços estão sendo feitos nesse sentido. O Plano Nacional de Mudanças Climáticas prevê uma redução de 30% na área desmatada por ano na Amazônia até 2013, o que é claramente um progresso se for efetivamente posto em prática. A meta mais ambiciosa é reduzir o desmatamento em 80% até 2020.
Apesar disso, as vantagens do reflorestamento e da recuperação de áreas degradadas continuam a encontrar dificuldades, pela incompreensão de certos grupos.
A primeira delas é a ideia, que se origina na desinformação de alguns ambientalistas, de que o reflorestamento usando pinus ou eucalipto dá origem a um "deserto verde" onde nem passarinhos sobrevivem e que essas culturas perturbam o ciclo hidrológico. As técnicas florestais mais modernas superam esses problemas e por essa razão o Protocolo de Kyoto inclui o reflorestamento como uma das atividades que se podem beneficiar do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Por esse mecanismo, países em desenvolvimento que promoverem o reflorestamento podem receber pagamento pelo carbono que a floresta plantada absorve. Empresas dos países industrializados que arcarem com parte dos custos desse reflorestamento recebem "créditos" que podem ser usados nos seus países de origem para demonstrar perante o governo que estão reduzindo as suas emissões. A obrigação de reduzir as emissões nesses países decorre do Protocolo de Kyoto.
A segunda é que o Brasil poderia ser um dos grandes beneficiários desse mecanismo, mas, curiosamente, apenas um projeto de reflorestamento existe entre os mais de 5 mil projetos aprovados de MDL. Uma das razões para tal são os preconceitos dos ambientalistas europeus, que argumentam que, se os seus países promovessem o reflorestamento nos países em desenvolvimento, seriam deixados de lado os esforços internos para emitir menos carbono, via aumento da eficiência energética e mudança dos padrões de consumo. Na realidade, os países europeus estão reduzindo as suas emissões.
Por causa desses problemas, a Conferência das Partes da Convenção do Clima que se reuniu há alguns anos em Marrakesh, no Marrocos (COP-7, 2001), atribuiu às reduções de emissões resultantes do reflorestamento "créditos provisórios", com base no argumento tecnicista de que seria impossível garantir que a área reflorestada permaneceria intacta ao longo dos anos e, portanto, não seria realmente sustentável. Com isso os investidores se desinteressaram de usá-los. A solução fácil para esse problema seria cobrar, juntamente com os créditos, um seguro para garantir a sua preservação.
É tempo de corrigir essa distorção no MDL, bem como incluir benefícios para o desmatamento evitado (RED), e se espera que isso seja feito na Conferência do México, em Cancún (COP-16), em novembro próximo, o que permitirá expandir as atividades de reflorestamento e proteção de florestas em muitos países tropicais e, principalmente, no Brasil. Essa, aliás, é uma das poucas áreas em que progresso real poderia ser conseguido em Cancún, porque o Acordo de Copenhague (COP-15, 2009) reduziu as esperanças de se alcançar um acordo global de redução das emissões. Segundo esse acordo, só se pode contar com ações nacionais voluntárias nos principais países emissores (EUA, China, Índia, Brasil e uns poucos outros), que estão ocorrendo, mas não no nível necessário e desejável.
Resolvendo o problema do desmatamento se dissipariam também as "teorias conspiratórias" levantadas pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), relator do novo projeto do Código Florestal, de que reduzir a destruição de florestas tropicais só interessa aos EUA, e não ao Brasil. Segundo essa "teoria", se o desmatamento cessar, a produção agrícola nos países em desenvolvimento - que é competitiva -, como no Brasil, deixará de crescer e os EUA continuariam a dominar o mercado de alimentos.
Essa "teoria" está errada, por duas razões: por um lado, existem amplas áreas onde a agricultura dos países em desenvolvimento se pode expandir sem destruir florestas; por outro, os EUA não têm a capacidade de produzir e vender, sozinhos, os alimentos de que o mundo necessita, e não há dúvidas de que, se o fizessem, os preços dos alimentos subiriam muito. "Fazendas nos EUA e florestas intactas nos países em desenvolvimento" (Farms here, forests there) não é uma proposta séria e os congressistas brasileiros não devem permitir que prossiga o desmatamento em nome de teorias esdrúxulas.
O Brasil é grande o suficiente para ter florestas preservadas e amplas áreas para produção agrícola, com tecnologia moderna.
PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)