O GLOBO
O Brasil está diante de um conflito federativo por falta de liderança do presidente Lula e falta de reação firme do governador Sérgio Cabral. Agora estão todos contra o Rio e Espírito Santo, numa luta numericamente desigual. Quando Cabral se revoltou contra a emenda Ibsen Pinheiro, Lula disse que ele ficasse quieto, porque tudo se resolveria. Tudo se agravou.
Agora a emenda Ibsen que determina que os royalties do petróleo têm que ser de todos os estados e municípios foi aprovada na Câmara com grande apoio da bancada governista. Sinal de que não usou a incontestável liderança que tem sobre seu partido e sua base para impedir um fato que machuca a Federação, jogando estados contra estados.
O governador do Rio fiou-se no seu aliado, em vez de trabalhar usando a melhor das armas: os argumentos.
O Rio tem bons argumentos e pode fazer boa proposta.
Não precisa ser um ente passivo à espera de uma salvação sebastianista.
Rio e Espírito Santo têm em suas águas territoriais o petróleo que o Brasil extrai: 85% dele estão em águas do Rio, como os minérios estão em Minas e Carajás, no Pará.
Cada estado tem sua riqueza. Há uma diferença que desfavorece o Rio e o Espírito Santo: do petróleo o estado produtor não pode cobrar ICMS. Isso faz com que a atividade petrolífera acabe levando impostos para os cofres de todos os estados. Todos os outros produtos têm ICMS na origem, só petróleo tem o imposto no destino. Isso tira uma receita dos estados produtores e leva impostos valiosos para os cofres de quem consome o produto que sai do Rio.
Os royalties e a participação especial foram pensados para cobrir essa diferença de tratamento. Parte grande dos royalties vão para o governo federal que o redistribui em investimentos e transferências para todos os estados da federação.
Não é que o petróleo só beneficia o Rio.
Beneficia a todos através da União e seus repasses.
O vice-presidente José Alencar, que é mineiro, como eu, diz que aceita que os royalties do minério de ferro sejam incluídos no mesmo sistema federal novo a ser criado para o petróleo. Na verdade, Minas quer uma revisão do sistema de cobrança de impostos porque acha que sobre minério pesa imposto menor do que sobre petróleo. E que a exploração em terra deixa muito mais danos ambientais.
Que se analise os dados e argumentos mineiros, mas que não se use Minas para criar mais uma pressão sobre o Rio. É da natureza e da geografia de Minas unir, e não dividir o país.
Tem razão quem argumenta que a repartição tributária entre os municípios cria situação de grande injustiça.
Municípios limítrofes têm desigualdades inaceitáveis: uns ficam com grande receita, outros, sem nada na mesma área. Tem razão quem pede maior transparência no uso desses recursos pelos municípios.
Os desatinos dos países produtores já nos ensinaram que o petróleo é uma riqueza temporária que traz prejuízos permanentes; é uma abundância que divide e cria conflitos; é uma dádiva que pode virar maldição. A ciência nos ensinou, mais recentemente, o custo dos combustíveis fósseis para os destinos do planeta.
Com isso em mente, é preciso que a arrecadação dos impostos tenha aplicações certas para determinadas áreas: que se aplique na criação de um futuro de prosperidade mais permanente, proteção contra os danos ambientais provocados pelos combustíveis fósseis, promoção de menos desigualdade.
Isso se faz com mais transparência e prestação de contas no uso dos recursos pelos estados e municípios produtores, e não com mais um golpe de federalizar o que é do estado, e não com mais concentração de receita na voraz União.
O novo modelo do pré-sal já vai tirar dos estados produtores a participação especial.
Os bilhões de barris de petróleo que serão destinados à Petrobras, ou os outros que serão explorados por outras companhias no novo sistema de partilha, não recolherão um centavo de participação especial ao Rio ou Espírito Santo, ou São Paulo ou Sergipe. Já é uma perda grande imposta pelas mudanças no modelo de exploração criado por meia dúzia de cabeças de poucos neurônios no gabinete presidencial, e enfiadas goela abaixo do país pelo rolo compressor da base governista.
O presidente Lula tem liderança sobre essa base.
Quando quer.
Em ano eleitoral, o governo criou uma guerra federativa em que oferece a 24 estados o eldorado de tirar recursos de outros dois. O resultado da disputa já está numericamente determinado de antemão. O ambiente se presta aos sofismas e manipulações demagógicas, do tipo a riqueza é do Brasil, e não do Rio. Isso atiça a sanha de oportunistas de outros partidos.
O político, há longo tempo sem mandato e bandeira, Orestes Quércia, já disse que mobilizará os municípios para forçar a aprovação da emenda.
O presidente Lula foi ambíguo durante toda a discussão.
Agora, seu líder na Câmara disse que o presidente vetará. É de se duvidar, mas se vetar, a mesma maioria, que ele comanda apenas quando quer, pode derrubar o veto. Restará ao Rio e Espírito Santo uma desgastante briga judicial.
Uma federação se constrói com equilíbrio, com a sensação de que cada estado tem a ganhar com a união de todos. A Federação brasileira já tem imperfeições demais, concentração tributária excessiva, desigualdades.
Não é sensato que um governante crie, por razões eleitoreiras, uma fratura desta magnitude, em que a maioria imporá a dois estados a força da superioridade numérica. No fim, restará, em frangalhos, o princípio de que não se rasga contratos. O pior será a cicatriz na Federação.
Entrevista:O Estado inteligente
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