O Estado de S. Paulo - 14/03/2010
Na semana passada o professor Luiz Carlos Bresser-Pereira saudou-me com o que ele acredita que seja uma crítica contundente ao artigo que submeti a este jornal na semana anterior. Aqui vai a minha resposta. Afirmei que "contrariamente à China, o Brasil tem poupanças domésticas baixas, e sempre que a taxa de investimentos aumenta, acelerando o crescimento do PIB, surgem déficits nas contas correntes. O Brasil não é um exportador de capitais, e os investimentos exigem a complementação das poupanças externas, que são importadas por meio dos déficits nas contas correntes".
O professor Bresser contesta a minha afirmação, sustentando que o aumento da poupança externa simplesmente substituiria a poupança interna, com o déficit nas contas correntes se dissipando em um aumento transitório de consumo, sem gerar o aumento de investimentos que é necessário para elevar a taxa de crescimento econômico. Ele gasta metade de seu longo artigo apresentando argumentos que "provariam" ser correta a sua visão sobre a substituição de poupanças, e a outra metade mostrando que, como essa minha interpretação sobre a complementação das poupanças domésticas pelas poupanças externas seria, na sua visão, errada, chego a conclusões também erradas. Esta é a coluna-mestra de toda a sua crítica, e por isso concentro-me apenas nela.
Bresser se alonga detalhando mecanismos de transmissão por meio dos quais supostamente seus resultados seriam obtidos, mas o que me importa neste ponto são suas conclusões. Nas suas palavras, "o pressuposto que o nome "poupança externa" sugere é que o déficit em conta corrente se somaria à poupança interna dos países e, assim, a taxa de investimento (que é decisiva para o desenvolvimento) aumentaria", e conclui que esta proposição "é tão verdadeira quanto a de que a terra é plana... Parece ser verdadeira, mas é falsa".
Ridicularizar as ideias discordantes é uma tática descortês e arrogante. Afirmações falsas são aquelas que são negadas pelos fatos, e não aquelas que seguem o rumo contrário ao do acusador. E o que dizem os fatos?
Olhemos para as séries da formação bruta de capital fixo (os investimentos), e das exportações líquidas de bens e serviços (os saldos nas contas correntes). No eixo horizontal do diagrama de dispersão, no gráfico ao lado, estão as exportações líquidas medidas em proporção ao PIB (os saldos nas contas correntes), e no eixo vertical estão as taxas de investimento, também expressas em proporção ao PIB, e medidas a preços constantes do ano 2000.
Os dados foram extraídos das contas nacionais brasileiras calculadas pelo IBGE. É visível a olho nu que quando as taxas de investimento são elevadas, próximas de 18% do PIB, como ocorreu no período entre 1997 e 1998, chegamos a déficits nas contas correntes, e quando as taxas de investimento são baixas, em torno de 14% ou 15% do PIB, como ocorreu entre 2002 e 2006, por exemplo, temos superávits nas contas correntes.
Diz o provérbio chinês que "uma imagem vale mais do que mil palavras". Se o prof. Bresser tivesse razão, de que o aumento da poupança externa se dissiparia em pura e simples elevação do consumo das famílias, impedindo o aumento do investimento, a correlação negativa mostrada no gráfico não existiria, e as taxas de investimento seriam independentes dos saldos nas contas correntes expressos em proporção ao PIB.
Os dados claramente negam a sua proposição. Mas não negam a minha de que as poupanças domésticas no Brasil são insuficientes para financiar investimentos maiores, e requerem a contribuição das poupanças externas, que crescem com a elevação dos investimentos.
Ao ignorar o fato demonstrado no gráfico acima que os investimentos requerem a contribuição das poupanças externas, postulando que os déficits nas contas correntes apenas são usados para financiar acréscimos de consumo, Bresser lança a sua crítica aos ingressos de capitais.
Neste ponto ele assume uma posição extremamente radical, rebelando-se contra os próprios investimentos estrangeiros diretos, argumentando que em nada contribuiriam para o desenvolvimento, porque financiam apenas o crescimento do consumo. Ele quase chega a dizer que o País estará melhor se rejeitar qualquer tipo de ingressos de capitais.
Como nos ensina a filosofia de ciência de Karl Popper, proposições científicas não são aquelas feitas por cientistas, mas aquelas que não são negadas pelos fatos. "Matéria atrai matéria na razão direta das massas e na razão inversa do quadrado das distâncias" não se tornou parte da física por ser uma proposição enunciada por um cientista do calibre de Isaac Newton, mas simplesmente porque nunca foi negada pelos fatos.
Mas há pessoas que divergem dessa postura, e diante de fatos negando suas "teorias" preferem ignorá-los. Afinal, elas resistem em abandonar uma "bela teoria" porque um "mero fato" a nega. Quando isto ocorre preferem desprezar os fatos, apegando-se apenas à sua retórica. Não é o meu caso. Pelo menos posso dormir tranquilo, tendo a certeza de que afinal a terra não é plana, poupando-me do risco de cair no abismo quando me movimentar sobre ela.
Entrevista:O Estado inteligente
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