PANORAMA ECONÔMICO
Nos próximos meses, as mulheres americanas atravessarão uma fronteira e passarão a ser a maioria das pessoas empregadas no mercado de trabalho. Hoje, são 49,9%. A revista "Economist" pegou o dado como assunto da sua primeira reportagem de capa do ano. Segundo a revista, essa foi a maior revolução que aconteceu nos tempos atuais. A transformação não está completa
No Brasil, as mulheres são 44% do mercado de trabalho, mas há muito tempo são maioria nos cursos universitários, e 59,9% tem 11 anos ou mais de estudo. Apesar disso, ganham 71% do que os homens ganham e têm mais dificuldade de ascensão nas empresas. O demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, Ence, do IBGE, dá números impressionantes sobre o Brasil: — Nos últimos 40 anos, 40 milhões de mulheres entraram na População Economicamente Ativa do Brasil.
Uma Argentina. De 2000 a 2007, entraram na força de trabalho nove milhões de homens e 12 milhões de mulheres. Na faixa de trabalhadores com mais de 11 anos de estudo, elas já são maioria.
Em 1966, 40% das mulheres que terminaram faculdade nos Estados Unidos tinham optado pela área de educação e apenas 2% se formaram em administração e negócios. Agora, são 12% em educação e 50% em administração e negócios. Mesmo assim, só 2% dos cargos de principal executivo das 500 maiores empresas americanas da Fortune são ocupados por mulheres. Na Inglaterra, são 5%.
A revista celebra o avanço da mulher no mercado de trabalho com frases assim: "Milhões de cérebros passaram a ser usados de forma mais produtiva." E sustenta que países que resistem a esta tendência — não apenas os países árabes, mas Japão e Itália, por exemplo — "vão pagar um alto preço na forma de talentos desperdiçados e cidadãos frustrados." O Goldman Sachs acha que incluir mais mulheres no mercado de trabalho pode puxar o PIB da Itália em mais 21%, do Japão, em mais 16%.
Os dados são espantosos.
Na União Europeia, as mulheres ocuparam seis milhões dos oito milhões de empregos criados desde 2000. Nos Estados Unidos, três em cada quatro demitidos na atual recessão eram homens. Em 2011, haverá 2,6 milhões de mulheres a mais do que homens entre os estudantes das universidades americanas.
Sempre haverá explicação do tipo: há mais emprego para mulheres porque elas recebem menos. Mas o fenômeno é mais complexo do que isso e qualquer tentativa de explicação com uma única causa ficará incompleta.
Há influência do movimento feminista, a pílula, a maior escolaridade, as transformações econômicas, as mudanças culturais, a vontade da mulher. Uma das explicações da revista para essa absorção de mulheres no mercado de trabalho é o crescimento do setor de serviços, que emprega mais mulheres, e também a demanda por habilidades mentais — nas quais há igualdade entre os sexos — maior do que a demanda por força física.
Chamadas para o mercado de trabalho na falta de homens, durante a Segunda Guerra Mundial, as mulheres nunca mais voltaram para casa. Na época, o cartaz da propaganda americana era uma mulher de uniforme — Rosie, a operária — com o braço levantado como sinal de força e a frase "We can do it" (Nós podemos fazer). A revista usa o mesmo cartaz e põe o título: "We did it" (Nós conseguimos).
Os dados derrubam os mitos que certas reportagens no Brasil sustentam de que as mulheres estariam fazendo o caminho de volta para casa, ou que passaram a valorizar mais o antigo papel da mulher. Estatisticamente não há sinal de fenômeno assim. Todas essas reportagens cometem um erro elementar do jornalismo que é confundir casos particulares com tendência.
Erro de pauta e apuração.
O grande problema, disse a "Economist", é a falta de políticas públicas e privadas que solucionem o dilema entre maternidade e vida profissional. Algumas dessas políticas seriam "simples, sutis e baratas, como a de ampliação do horário escolar ou a adaptação das empresas às possibilidades do trabalho executado em casa".
Na verdade, é preciso caminhar um pouco mais na discussão sobre a visão cultural de que é da mulher a obrigação primordial de cuidar da criança. É o que acha a demógrafa Ana Amélia Camarano, do Ipea. Excetuandose a gestação, parto e amamentação, tudo o mais pode e deve ser executado de forma compartilhada, no mundo de hoje, entre mãe e pai. Países escandinavos passaram a oferecer uma etapa da licença a quem cuida da criança, não necessariamente à mãe.
Alguns programas de incentivo ao aumento da fecundidade nos países europeus, como Itália, por exemplo, que enfrentam redução da população, não deram certo porque só previam incentivos às mulheres e não davam o direito à escolha do casal. Conclusão: não adianta dar dinheiro para as mulheres ficarem em casa para que elas tenham mais filhos, porque nem todas querem isso. O desejo por realização profissional mobiliza a maioria.
O esforço tem que ser para conciliar maternidade e vida profissional.
A revista inglesa acha que é preciso agora lidar com os efeitos da revolução que já ocorreu. Um deles é o fato de que crianças se ressentem da ausência de ambos os pais. Isso será resolvido de forma mais contemporânea, dentro da nova mentalidade de que o cuidado da criança é dever — e direito — tanto do pai, quanto da mãe; e que lidar com a nova situação é uma responsabilidade das políticas públicas e das empresas.
As mulheres vieram para ficar.
• e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br
COM ALVARO GRIBEL