Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 31, 2009

Brincando com fogo

O ESTADO DE S PAULO EDITORIAL,
Por pouco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não termina o ano imerso numa grave crise militar ? seria a primeira desde a redemocratização, há um quarto de século. O governo petista brincou com fogo ao permitir a edição do decreto que instituiu o Programa Nacional de Direitos Humanos. Esse plano, que reúne 25 diretrizes e mais de 500 propostas e ações nas mais variadas áreas, seria apenas uma coleção de intenções, se não tivesse sido enxertado com algumas medidas que podem solapar os instrumentos que serviram de base para a pacificação da sociedade brasileira, na transição do regime militar para o Estado Democrático de Direito.

A reação dos comandantes militares à tentativa ? mais uma vez patrocinada pelo ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi ? de revogar a Lei da Anistia foi enérgica e recebeu inteiro apoio do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que há tempos vem tentando conter as iniciativas revanchistas de Vannuchi e do ministro da Justiça, Tarso Genro.

As pessoas pouco afeitas aos fatos ligados à repressão política, durante os governos militares, e que somente tomem conhecimento das iniciativas daquela dupla de ministros certamente terão a impressão de que os quartéis, na atualidade, estão cheios de torturadores e as Forças Armadas são dirigidas por liberticidas. Nada mais falso.

Os militares que cometeram abusos, torturaram e mataram durante a repressão há muito deixaram o serviço ativo. Seus nomes e seus feitos são conhecidos, assim como os de suas vítimas. Alguns deles estão sendo processados e o Supremo Tribunal Federal deverá decidir qual o alcance e a abrangência da Lei da Anistia. Esses acontecimentos as lideranças militares veem com "naturalidade institucional", ou seja, não perturbam a rotina castrense.

Muito diferentes são as tentativas de revogar a Lei da Anistia, para punir todo e qualquer agente do Estado que participou da repressão ? e isso não significa necessariamente ter abusado, torturado ou matado ?, mas garantindo a imunidade dos que atentaram contra as leis e a ordem vigentes, mesmo tendo abusado, torturado e matado ? pois a esquerda armada também fez isso.

Para os militares, é ponto de honra que a Lei da Anistia permaneça em vigor, nos termos em que foi aprovada em 1985. Entre outros motivos, porque assim se isola a instituição de uma fase histórica conflituosa, que exigiu que os militares deixassem de lado sua missão profissional tradicional e assumissem os encargos da luta contra a subversão. Isso não se fez sem prejuízos à coesão e à hierarquia das Forças Armadas.

Para a Nação, a manutenção da Lei da Anistia é mais que um ponto de honra. É a garantia de que os acontecimentos daquela época não serão usados como pretexto para que se promova uma nova e mais perniciosa divisão política e ideológica da família brasileira. Aqueles que viveram os acontecimentos de 1964 para cá sabem que a Lei da Anistia foi o marco que permitiu a reconciliação nacional e a redemocratização ? esta completada três anos depois com a nova Constituição ?, sem que houvesse os episódios de autoritarismo e violência que pipocaram durante os processos de abertura na Argentina, Chile, Uruguai e Peru.

Diante do pedido de demissão do ministro da Defesa e dos três comandantes militares, o presidente Lula recuou. Pediu ao ministro Nelson Jobim que garantisse aos comandantes das três Forças que o Palácio do Planalto não será porta-voz de medidas que levem à revogação da Lei da Anistia. Mas o mais absurdo é que o presidente da República argumentou que não tinha conhecimento do inteiro teor do Programa Nacional de Direitos Humanos ? daí prometer rever a parte do decreto que causou descontentamento e adiar o envio ao Congresso do projeto de lei de criação da comissão encarregada de investigar os abusos cometidos durante a ditadura.

O programa, de fato, é caudaloso. Inclui de medidas que permitiriam à polícia invadir dependências das Forças Armadas, "para identificar e preservar locais de tortura", até a regulamentação da taxação de grandes fortunas ? o que quer que isso tenha a ver com direitos humanos. Por isso mesmo, o dever do presidente da República era não apenas conhecer o cartapácio, como determinar a seus assessores o expurgo dos excessos ideológicos que lá estão registrados.

CELSO MING - O espaço da Bolsa

O ESTADO DE S. PAULO

A Bolsa brasileira foi a que teve o melhor desempenho entre as aplicações financeiras em 2009. As ações que compuseram a cesta do Ibovespa (as 65 mais negociadas) se valorizaram 82,7%.

Para o aplicador, o que importa agora é o futuro e não o passado. Por isso, é preciso avaliar o que esperar e o que não esperar da Bolsa em 2010. (Nas tabelas você tem o comportamento do mercado em 10 bolsas globais medido em euros e em dólares e o que 15 bancos e corretoras esperam da Bolsa brasileira em 2010.)

Em outubro de 2009, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, advertiu que o mercado de ações do Brasil vinha sendo objeto de forte especulação. A necessidade de jogar água fria na fervura foi até mesmo uma das justificativas apresentadas por Mantega para a imposição do IOF de 2% sobre a entrada de capitais destinados à compra de ações no País. Sem mencionar especificamente o mercado de ações, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, por diversas vezes também denunciou a existência de "excessiva especulação nos mercados". Bastam esses avisos para justificar as perguntas sobre os riscos a enfrentar em 2010.

Um bom número de analistas internacionais adverte que a corrida às aplicações de risco e às ações tem tudo para criar uma nova bolha, que será candidata a um estouro se o mercado não se encarregar de esvaziá-la antes.

A principal ameaça vem de fora. Trata-se da possibilidade de recaída da economia global na crise. Hoje há mais dinheiro zanzando pelos mercados do que havia em 2003 e 2004, quando os juros nos Estados Unidos se mantiveram durante muito tempo ao redor de 1% e inflaram as bolhas que estouraram em 2008.

Mesmo se levando em conta que a economia mundial ainda depende das escoras oficiais, mais cedo ou mais tarde, mas provavelmente ainda em 2010, os grandes bancos centrais darão início à operação de enxugamento dos recursos despejados durante a crise (estratégia de saída). Isso significa alta dos juros, e juros em alta não combinam com tempos de esplendor do mercado de ações.

Os riscos internos da economia brasileira parecem menores, mas não são desprezíveis. Apesar de certa deterioração de seus fundamentos, as projeções apontam para forte crescimento da atividade produtiva com baixo risco de descontrole dos preços, o que é bom para as ações.

O maior problema está na disparada das despesas públicas em consequência do jogo eleitoral. Há, sim, certa probabilidade de que a deterioração fiscal crie desconfiança e acione ordens de venda no mercado.

E não se pode desprezar o risco político. Em 2002, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva se viu diante da necessidade de acalmar o mercado. Foi quando assinou a Carta ao Povo Brasileiro, instrumento público por meio do qual se comprometeu a não fazer bobagens na condução da política econômica. Não está claro nem se o mercado se sentirá igualmente inseguro desta vez nem se os candidatos se prestarão a assinar um documento assim.

Por tudo quanto se pode enxergar, o mercado de ações tem bom espaço para crescer. Mas a volatilidade pode aumentar.

Miriam Leitão Décadas gêmeas

O GLOBO

O crescimento médio anual da década foi quase tão pequeno quanto o da década perdida de 1980. Por aí se vê que números não provam tanto quanto se imagina. O salto do Brasil foi qualitativo. De 2000 a 2009 o país consolidou a estabilização, reduziu fortemente a desigualdade social, viveu o aumento do acesso a bens de informática e de comunicação.

Há uma tarefa difícil de executar: separar a década de 90 da primeira década do século XXI no Brasil. Muito do que frutificou nos últimos anos nasceu na década anterior. Os brasileiros tinham 23 milhões de celulares em 2000, hoje têm 170 milhões, mas o começo desse processo avassalador ocorreu no início dos anos 90 quando a mudança tecnológica no mundo encontrou o fim do monopólio estatal na telefonia no Brasil.

O país não cresceu muito nesta década: 3,3% em média ao ano, pouco mais do que os 2,9% que cresceu em média na década que ficou conhecida como “perdida”, a dos anos 1980. Mas quando se compara tudo que não seja número, as diferenças são gritantes. A mais importante delas, a inflação.

O descontrole de preços que atingiu extremos nos anos 80 foi vencido nos anos 90, tempo em que o Brasil cresceu magros 1,8% em média.

A vitória sobre a inflação se consolidou nesta década.

O realmente difícil foi a tarefa de transitar da economia superinflacionada para o real, o que foi feito em 1994-1995, mas sem ter passado pelo teste da alternância do poder ficaria sempre a dúvida sobre mudanças radicais na política econômica em caso de vitória do PT. O partido ganhou a eleição e manteve as bases da política abandonando suas bandeiras históricas. Por pragmatismo ou por entender que elas haviam envelhecido.

A pedra fundamental do novo Brasil foi o Plano Real.

Ele removeu o problema que havia engolido anos de crescimento e adiado tarefas gigantes como a do combate à pobreza. As duas décadas foram extraordinariamente bem sucedidas em redução da pobreza. Nos anos 90 o percentual de pobres caiu oito pontos percentuais, nesta década houve outra queda da mesma proporção, e de 2001 para cá houve outra vitória impressionante: a forte queda da desigualdade.

As políticas de transferência de renda avançam na execução da tarefa iniciada com a queda da inflação, mas o grande ponto destoante dessa década que termina é que ela reduziu o ritmo das mudanças na educação. E é com a educação que se fará a verdadeira transformação do país. A década de 90 foi a da inclusão das crianças de 7 a 14 anos na escola. De 1991 a 2000 a escolarização dessa faixa etária pulou de 79,4% para 95% e em 2008 era 98%.

O analfabetismo caiu de 20% para 13,6% e para 10%. Outros dados educacionais melhoraram menos do que a expectativa. A primeira década do século XXI era para ter registrado uma arrancada na educação. Houve melhoras, mas a revolução foi adiada. Sem isso fica difícil desembarcar realmente no século XXI.

No comércio exterior houve um salto forte na corrente de comércio, mas é difícil imaginar que isso fosse possível sem dois passos dados na década de 90: a abertura da economia e a adoção do câmbio flutuante.

Com isso o Brasil conheceu o patamar das duas centenas de bilhões de dólares de reservas cambiais, saindo das duas dezenas no começo da década.

O avanço nas contas públicas chegou até a Lei de Responsabilidade Fiscal e iniciou a era dos superávits primários na década passada.

Na atual os superávits foram mantidos. Com essas bases fiscais, monetárias, cambiais, o país enfrentou o pior ano da década, o que acaba hoje. Um ano de extremos, o de 2009. Tivemos forte recessão no começo do ano, e terminamos com a sensação de euforia de consumo; a Bolsa que parecia não ter piso no começo do ano parece estar entrando em outra bolha, agora; o dólar em alta preocupava, e agora preocupa sua queda excessiva. O amortecedor da crise este ano foi possível por tudo o que foi feito nos anos anteriores. Mas o Brasil já começou a queimar o patrimônio acumulado. Aumentou muito os gastos nos últimos anos, contratou despesas que ficarão cada vez mais pesadas nos próximos anos. 2010 começará com uma encomenda que não se entrega em ano eleitoral: o corte de despesas públicas.

Nestes primeiros dez anos do século XXI o Brasil elevou seu grau de preocupação com a destruição da Floresta Amazônica. Ao todo foram ao chão 169.311 quilômetros quadrados de floresta na década.

Isso é um território quase igual a dois países do tamanho de Portugal, quase igual a quatro estados do Rio. Por força de alguns passos dados em 90, como a volta à reserva legal de 80%, e vários outros passos dados nesta década o país viu a taxa anual despencar e tem a meta de nos próximos dez anos reduzir ainda mais o desmatamento. O desafio ganhou novas fronteiras. A preservação da Amazônia é causa planetária.

Nestes dez anos o mundo mudou muito num ponto: a interconexão global. No final da década passada, a internet era tosca e pouco disseminada até em países ricos.

Hoje o mundo se liga com uma rapidez e intensidade impressionantes. Segundo o Ibope Nielsen Online, o Brasil chegou a setembro de 2009 a 64,8 milhões de pessoas conectadas.

Essa estrada terá bandas cada vez mais largas e por elas vamos trafegar nos anos 10 atrás do futuro. Feliz Ano Novo e Boa Década.

Com Bruno Villas Bôas

quarta-feira, dezembro 30, 2009

Guiherme Fiuza O super-homem do ano


SÁB, 26/12/09
POR GMFIUZA |

O jornal francês “Le Monde” elegeu Luiz Inácio da Silva o homem do ano. Como se sabe, a imprensa e a intelectualidade francesas sofrem certa síndrome de Maria Antonieta. Brioches para o povo, poesia para os tolos.

A realidade não importa muito. Os franceses são uns abstratos. Amam erguer edifícios míticos sobre o nada. Eis mais um.

Entre outras pérolas, Lula é, para o “Le Monde”, um símbolo mundial da preservação do meio ambiente. Vejam a que ponto pode chegar a ignorância dos cultos.

Pena que os franceses não deram um google para ver que o presidente brasileiro reclama dos relatórios de impacto ambiental – para ele, um entrave burocrático ao desenvolvimento, que atrasa as obras e contraria as empreiteiras, inclusive na Amazônia.

Amazônia, terra da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, herdeira de Chico Mendes, que Lula cozinhou em fogo brando para alegrar os que passam o trator na floresta.

O homem do ano foi aquele que, na sua mais expressiva vitória em 2009, protegeu José Sarney e família da punição pelo escândalo de tráfico de influência no Senado. Em seu outdoor sobre o brasileiro bonzinho, o “Le Monde” esqueceu a bondade de Lula com o esquema podre de Agaciel.

Para o jornal francês, o ex-operário iluminado mudou a cara da América Latina. Seria bom alguém avisar aos editores em Paris sobre a nova doutrina de comunicação que Lula apóia em seu continente. Se a moda pega, um dia o “Le Monde” vai ter que escolher o homem do ano com a ajuda de um conselho de companheiros – que saberão podar os excessos da imprensa burguesa.

A condecoração registra ainda que o presidente petista transformou o Brasil em potência, encarnando “o renascimento de um gigante”. Nada contra a poesia vagabunda. Mas quem terá sido a fonte da inspiração grandiloqüente? Golbery do Couto e Silva? Vai ver confundiram o sobrenome.

Por influência do primeiro-ministro espanhol Jose Luis Zapatero, símbolo da esquerda cosmética européia, o “El País” também elegera Lula a personalidade do ano. No artigo que sustentava a escolha, o próprio Zapatero cuidava da exaltação – destacando atributos indiscutíveis, como a capacidade do presidente brasileiro de chorar em público, na escolha do Rio para sediar as Olimpíadas de 2016.

Não tem jeito. A santificação do bibelô da pobreza, suposto embaixador dos coitadinhos, está na ordem do dia. É um fenômeno correlato à onda Barack Obama, premiado com o Nobel da Paz pelos suecos lunáticos. O espetáculo não pode parar.

Na crônica envernizada do “Le Monde” sobre Lula, o bom selvagem, os cartesianos de fundo de padaria encontraram nele uma virtude inusitada: não ter querido mudar a Constituição para concorrer a um terceiro mandato.

Nessa linha, de fato, o Brasil e o mundo devem tudo a Lula. Sejamos gratos a ele por não ter explodido o mundo a quatro mãos com o tarado atômico do Irã, seu chapa. Obrigado, companheiro.

Decreto abre crise entre ministros


Lula promete rever Plano de Direitos Humanos após rebelião de comandantes militares

Evandro Éboli
BRASÍLIA Odecreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada criando Programa Nacional de Direitos Humanos provocou uma crise no governo e levou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os três comandantes militares a entregar uma carta de demissão ao presidente.

Os militares ficaram irritados com o trecho do programa que prevê a investigação dos atos cometidos por agentes do Estado durante a ditadura e abre espaço para revisão da Lei de Anistia, que pode levar à condenação de oficiais daquela época. Lula não aceitou o pedido de demissão, argumentou que não tinha conhecimento do completo teor do programa e prometeu rever a parte do decreto que gerou o descontentamento. Lula ainda prometeu adiar o envio ao Congresso do projeto que cria a comissão encarregada de fazer as investigações sobre abusos durante a ditadura.

Jobim reuniu-se com Lula na Base Aérea de Brasília na terça-feira passada, um dia após o presidente lançar o plano. No encontro, não apenas manifestou a insatisfação da caserna como entregou a carta de renúncia coletiva. Antes de reunir-se com Lula, Jobim esteve com os comandantes Enzo Peri (Exército) e Juniti Saito (Aeronáutica).

O comandante da Marinha, o almirante Júlio Moura Neto, não estava na cidade, mas apoiou a iniciativa. Com a garantia de Lula de que o texto seria alterado, Jobim, no dia seguinte, seguiu para o Rio, onde reuniu-se com o Alto Comando. O ministro transmitiu a promessa de Lula aos generais, que, assim como os três comandantes, ficaram satisfeitos com as explicações e deram o assunto como encerrado.

Duas diretrizes do programa irritaram profundamente os militares: a criação da Comissão Nacional da Verdade e a possibilidade da revisão da Lei de Anistia. A comissão, cuja criação depende de aprovação do Congresso Nacional, terá amplos poderes para investigar fatos ocorridos na ditadura e colaborar com a Justiça para auxiliar na apuração de supostos crimes. O projeto deverá ser encaminhado ao Congresso até abril de 2010, mas Lula prometeu aos militares suspender o envio da proposta.

Os militares também argumentaram que o texto trata com desigualdade os dois lados e não prevê qualquer punição ou apuração dos atos cometidos por guerrilheiros e ativistas políticos contra agentes do Estado.
Jungmann: episódio fortalece Nelson Jobim
No capítulo que trata do “Direito à memória e à verdade”, o programa diz que o Brasil ainda processa com dificuldade o resgate sobre o que ocorreu com as vítimas da repressão. “A investigação do passado é fundamental para a construção da cidadania. Estudar o passado, resgatar sua verdade e trazer à tona seus acontecimentos caracterizam uma forma de transmissão de experiência histórica que é essencial para a constituição da memória individual e coletiva”.

O documento lembra que tramita no STF uma ação que contesta a interpretação de que a Lei de Anistia não permite a punição de militares que atuaram na repressão. “A ação solicita um posicionamento formal para saber se, em 1979, houve ou não anistia dos agentes públicos responsáveis pela prática de tortura, homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais e estupro contra opositores políticos”.

Se confirmada a decisão de Lula em rever o decreto, o ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, sai enfraquecido. Ele é o mentor e coordenador do programa, que reúne centenas de ações em várias áreas, como segurança pública e educação. Vannuchi foi procurado pelo GLOBO, mas não retornou às ligações.

Em entrevista à Agência Brasil, estatal, no lançamento do programa, Vannuchi disse que o debate sobre esclarecimentos do que ocorreu na ditadura avançou no governo Lula e citou a discussão sobre limites e impunidades de torturadores.

— Uma interpretação correta da Lei de Anistia de 1979, não o senso comum que foi forjado e que tenta ser imposto até hoje — disse Vannuchi à Agência Brasil.

O deputado Raul Jungmann (PPS-PE), presidente da Frente Parlamentar de Defesa Nacional, disse que o episódio fortalece Jobim.

— Ele chamou para si a crise e fez prevalecer sua autoridade — disse Jungmann.

Jobim, procurado ontem, não quis se manifestar.

O coronel da reserva João Batista Fagundes, representante das Forças Armadas na Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, afirmou que não existem arquivos que possam trazer novas revelações sobre o período da ditadura.

— Sou testemunha que, por parte do Comando do Exército, sempre houve a maior boa vontade em trazer esses fatos à tona. Já falei com o general Enzo, que deu ampla carta branca para buscarem essas informações.


Saiba o motivo da discórdia


O plano anunciado no dia 21 de dezembro tem 25 diretrizes e mais de 500 propostas de ações nas mais variadas áreas:

PONTOS POLÊMICOS:

1. Criar um grupo de trabalho para apresentar, até abril de 2010, texto de projeto de lei propondo a criação da Comissão Nacional da Verdade. A comissão terá poder para apurar e esclarecer violações de direitos humanos durante o regime militar. A comissão poderá requisitar documentos e auxiliar investigações judiciais e deve divulgar relatório anual sobre suas atividades.

2. Criar um grupo de trabalho para propor junto ao Congresso a revogação de leis remanescentes do período 1964-1985 contrárias à garantia dos direitos humanos. A proposta foi interpretada como uma brecha para anular a Lei da Anistia.

3. Propor legislação proibindo pôr em ruas e logradouros públicos o nome de pessoas que tenham praticado crimes de lesahumanidade. E ainda propor a mudança de nomes de ruas já existentes.

OUTROS PONTOS DO PLANO:

1. Criar linhas de financiamento para centros de memória sobre o período da repressão.

2. Acompanhar os processos judiciais que buscam responsabilizar torturadores.

3. Divulgar, a cada três meses, relação de pessoas mortas ou feridas em ações de Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Força Nacional de Segurança.

4. Propor projeto de lei tornando obrigatória a filmagem de interrogatórios de presos feitos pelas polícias.

5. Criar ouvidorias independentes nas polícias estaduais.

6. Apoiar projeto de lei que disponha sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo.

7. Regulamentar a taxação das grandes fortunas.

8. Elaborar relatório anual sobre a situação dos direitos humanos no país.

9. Reforçar as estruturas dos conselhos de direitos humanos nos estados e municípios.

10. Estimular a criação de institutos de pesquisa sobre direitos humanos.

11. Erradicar o trabalho infantil e a exploração sexual de crianças.




Vinicius Torres FreirE- Banca privada volta à retranca

FOLHA DE S. PAULO



O dinheiro emprestado pelos bancos privados às indústrias encolheu de 2008 para 2009, segundo os dados sobre crédito divulgados ontem pelo Banco Central. Os números relativos a dezembro serão divulgados apenas no mês que vem. Mas o balanço do crédito da banca privada para o setor industrial não deve mudar com os resultados deste último mês do ano.

Até novembro de 2008, o total dos empréstimos do setor financeiro privado para as indústrias havia crescido uns 34% no ano, o equivalente a R$ 44 bilhões. Até novembro deste ano, o estoque de crédito foi reduzido em quase R$ 13 bilhões (queda de uns 7%).

A retranca dos bancos privados parece notícia velha. Bem, pareciam, até ontem. Como se sabe, desde o início da crise as instituições privadas se recolheram, temendo calotes de tomadores de empréstimos em tempos recessivos -trata-se aqui não só dos empréstimos à indústria, mas do total de financiamentos. Os bancos estatais chegaram a responder por mais de 80% do aumento do estoque de crédito em alguns meses entre setembro de 2008 e junho de 2008. Na verdade, o saldo de crédito na banca privada chegou a encolher em janeiro e fevereiro. Ou seja, o valor dos empréstimos que concederam foi inferior ao dos empréstimos quitados.

Desde julho, parecia que a banca privada retomava aos poucos o caminho para a atividade normal. Em julho, responderam por pouco mais de 50% do aumento do estoque de crédito desse mês (antes da crise, ficavam com dois terços). No mês passado, o número caiu de novo, para 37%. Note-se, porém, que Itaú Unibanco e Bradesco parecem destoar um tanto de seus pares privados, pelo menos segundo os dados disponíveis de balanços (isto é, até setembro).

Um dos desempenhos mais notavelmente ruins é o dos bancos privados estrangeiros, que neste ano terão menos dinheiro emprestado ao público do que em 2008. Segundo dois executivos desses bancos, que obviamente não querem aparecer, a ordem veio das matrizes (Europa e, em muito menor escala, EUA).

Coisa parecida com o crédito à industria ocorreu com os financiamentos para a habitação, embora em escala menos dramática. Os bancos privados haviam entrado firmes nesse negócio em 2007, quando foram responsáveis por 36% do aumento de crédito habitacional.

Nos dois anos anteriores, por exemplo, os bancos públicos respondiam por quase 90% do crescimento do saldo de crédito para a habitação (que, é verdade, andava estagnado).

Neste 2009, os bancos públicos voltaram a tomar o mercado. Foram responsáveis por quase 80% do aumento de crédito para habitação.

Decerto o crédito imobiliário é um setor especialmente difícil. Os bancos captam dinheiro no curto prazo e emprestam em 10, 15, 20 anos. No caso de pessoas físicas, trata-se de um financiamento caro e sujeito a trovoadas em períodos de aumento de desemprego.

Mas está difícil de entender o quadro geral. A recessão brasileira, além de ter sido relativamente suave, já está no retrovisor faz meses. Alguns banqueiros dizem, em privado, que a situação vai logo voltar ao normal. Também disseram isso em maio.

Paulo Rabello de Castro -2010: um país para Kamila

FOLHA DE S. PAULO


Encerro nossas conversas deste ano reproduzindo o apelo da Kamila Umbelino Paiva, estudante do 2º ano do Colégio QI, no Rio de Janeiro, ao concluir sua redação sobre "Uma nova forma de governo", dedicada ao futuro presidente (ele ou ela), e publicada no jornalzinho do Instituto Rogério Steinberg, entidade beneficente: "A verdade é esta", diz Kamila, "o Brasil precisa de um governo que funcione". Mais direto, impossível.

Kamila é muito nova para lembrar que padecemos de males detectados há mais tempo do que ela tem de vida. Mas a garota intui, como milhões de outros jovens, quanto será difícil competir e vencer no mundo. Percebe que suas chances não dependem só dela, mas do conjunto chamado Brasil. Seria bom se o recente surto de crescimento acelerado virasse realidade sustentada. Bom para Kamila e melhor para todos. Mas como podemos almejar 6% de crescimento e dobrar a renda das pessoas nesta década se o país onde Kamila nasceu ainda não conseguiu:

- elevar o investimento, como proporção do PIB, para 24%, na média, de modo a garantir as infraestruturas do progresso almejado;

- "choque de eficiência" na gestão pública de modo a assegurar serviços públicos eficazes sem onerar o cidadão (meta de 5% ao ano de ganho de produtividade no governo);

- reduzir a carga tributária dos quase 40% do PIB que, afinal, vão direto para o custo dos produtos, onerando o trabalhador e eliminando a margem competitiva dos empresários ante os importados (meta seria rebaixar para 30% do PIB até 2020);

- rebaixar os atuais 5% do PIB pagos em juros sobre a dívida pública, que sobe a 70% do PIB em termos brutos, verdadeiro tendão de aquiles da estabilidade;

- controlar melhor os 12% do PIB gastos na rubrica previdenciária pública e do INSS, o dobro da média de países em estágio de renda e idade semelhantes ao nosso (meta seria conter em 10% do PIB, até 2020);

- por último, sair do topo da lista das nações mais burocratizadas do mundo (dados do Banco Mundial), o que duplica o custo de tarefas como pagar impostos e se livrar de multas, notificações e intimações.

Kamila provavelmente nunca ouviu falar de taxa de investimento nem de carga tributária nem de gestão pública nem de impasses burocráticos. Mas provavelmente conhece bem alguns dos efeitos dessa imensa e surda ineficiência, na qualidade da educação, na prestação da saúde, na segurança ausente, na justiça lenta. A próxima geração estará mais atenta do que antes à relação entre promessa de político e resultado de governo. E cobrará mais desenvolvimento efetivo, e não a continuação da prosa solta que disfarça a ineficácia da gestão pública.

Entramos no último ano da era Lula, que melhor se chamaria de "duplo ciclo de estabilização (FHC) e inclusão (Lula)". Foram 16 anos, a provável idade de Kamila. Entramos numa década que pede desenvolvimento mais acelerado, num regime de mais criatividade e menos desperdício, incluídos menos roubos e corrupção. Embora não mentalize, Kamila será capaz de vasculhar, nas promessas de candidatos, quem terá mais capacidade de virar o disco da estabilidade com juro alto e o da inclusão social com ênfase no assistencialismo, para começar a tocar a música do "desenvolvimentismo", termo hoje quase profano que o ministro Mantega teve a coragem de resgatar em recente entrevista. Kamila não sabe, mas é desenvolvimentista, como o resto do país, à procura de uma agenda para crescer. Pede só que o governo funcione.

Míriam Leitão -Um ano, dois medos

O GLOBO

O ano trafegou entre dois medos: no início, de a economia repetir a depressão de 1929; no fim, de não se conseguir evitar a tragédia climática. Contra o primeiro, os governos despejaram um volume nunca visto de dinheiro. Para o segundo, nenhum dinheiro foi possível. Parece ser o ano em que o mundo salvou a economia e condenou o planeta.

O presidente do FED, Ben Bernanke, foi a “Person of the year” da Time. Bernanke não pode ser culpado pela crise que explodiu em 2008. A bolha se formou no período Alan Greenspan.

Bernanke era membro da diretoria de Greenspan e nunca discordou do então chefe, mas se pode dizer que o atual presidente do FED não fez a crise, apenas não a viu a tempo.

Como reação, Bernanke afogou a crise num mar de liquidez nunca visto e ainda não demonstrou saber como vai sair dos excessos de estímulos monetários que produziu. Se demorar muito pode contratar uma nova bolha, e nova crise. Em 2010 é que Bernanke terá que mostrar seu valor. Até agora, tudo o que fez foi distribuir dinheiro. O resgate das instituições financeiras, iniciada no ano passado e completada em 2009, não puniu ninguém.

Os bancos tomaram decisões insensatas, emprestaram indevidamente, tiveram lucros exorbitantes e, quando quebraram, foram socorridos com dinheiro público e seus executivos receberam bônus. A nova lei da reforma bancária, aprovada na Câmara no dia 11 de dezembro sem um único voto republicano, pode ser que impeça novos casos como esse no futuro.

Quando cheguei a Copenhague achei divertido o anúncio dos líderes políticos atuais envelhecidos avisando que poderiam ter protegido o planeta, mas não o fizeram.

Parecia só uma boa sacada de marketing. Quando saí, duas semanas depois, as fotos ainda estavam espalhadas pela cidade, e nas paredes do aeroporto, mas eu as vi com outros olhos.

Pareciam proféticas.

Eles realmente poderiam ter feito e não fizeram o Acordo de Copenhague.

Os líderes falharam.

O presidente Barack Obama ganhou o Nobel da Paz entre duas guerras, no meio de uma escalada no Afeganistão e um pouco antes de bombardear as chances de um acordo climático. Talvez ele o mereça algum dia, mas certamente não em 2009. Dos Estados Unidos que rejeitaram Kioto — e que são os maiores emissores históricos dos gases de efeito estufa — se pedia apenas que dissessem: sim, nós podemos fazer um novo acordo geral do clima. Ele chegou a Copenhague para dizer: talvez algum dia. Foi o maior teste da sua liderança internacional e ele falhou. A China também foi responsável, mas de Obama se esperava mais.

A crise econômica afetou milhões e continua afetando.

Se 2008 foi o da ameaça da crise sistêmica, 2009 foi o da perda de emprego. O ano começou com o PIB encolhendo. Se aqui os empregos foram sendo recuperados, em outros países ainda não. Em Dillon, uma pequena cidade na Carolina do Sul onde Ben Bernanke nasceu, o desemprego é de 17%. Nos Estados Unidos, como um todo, o desemprego subiu de 7% para 10%.

Apesar desses números, Bernanke continua dizendo que tudo o que fez foi para salvar Main Street e não Wall Street. O cruzamento das duas ruas é usado como metáfora das escolhas entre o mercado financeiro e a população comum.

O risco sistêmico tem que ser combatido pelo Banco Central no seu papel principal de emprestador de última instância. Mas o FED de Ben Bernanke virou o emprestador de primeira instância. A oferta de dinheiro foi para todos: bancos de investimento, hedge funds, fundos mútuos, bancos estrangeiros, empresas industriais, seguradoras. A história desse resgate ainda não contada é a de uma grosseira operação de dar dinheiro a todas as criaturas do mercado financeiro sem fazer perguntas. Ao contrário do Proer, no Brasil, em que houve uma separação entre as contas do público, que foram garantidas, e os banqueiros que perderam seus bancos, o resgate americano manteve todos os interesses. Os donos continuaram donos, os executivos continuaram executivos, e com dinheiro público foram poupados.

Os trilhões distribuídos tornaram ainda mais intrigante a pergunta: por que o Lehman foi o único a quebrar? A explicação da Time para dar o prêmio de Pessoa do Ano a Ben Bernanke é que tudo poderia ser muito pior sem as medidas que ele tomou, mas a própria revista admite as falhas do premiado como a de que ele não tinha ideia de que a bolha estava se formando.

Em março de 2007 Bernanke garantiu ao Congresso que o problema dos títulos podres, conhecidos como “subprime”, estava sendo contido e que os fundamentos da economia eram fortes.

Meses depois tudo desabou e o subprime contaminou a economia global.

Na questão climática, nunca se viu o que se viu em 2009. Milhões se mobilizaram pensando em uma cidade: Copenhague.

Pelo mundo afora foram feitas campanhas e contagens regressivas. Nunca uma reunião da ONU foi tão popular e provocou tantas emoções.

O ano termina sem o medo de uma depressão, mas com a sensação de que dilemas da crise foram apenas adiados e que o resgate à moda Bernanke confirmou a ideia de que no mercado financeiro os lucros são privados, os prejuízos, públicos. Na questão climática, o ano termina com a sensação de que era vã a esperança de que com Obama os Estados Unidos se sentariam à mesa em Copenhague para fazer o acordo.

E são os dois, Bernanke e Obama, os grandes premiados do ano. Ainda não fizeram para merecer. Tomara que façam

Celso Ming -O IGP-M andou para trás

Final de ano, em geral tão fraco em notícias econômicas, ontem apresentou duas informações que pedem análise. A primeira é o IGP-M fortemente negativo. E a segunda, a rápida expansão do crédito.

O Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) poderia não passar de um medidor de inflação como tantos outros, com a peculiaridade de ter em sua composição um peso mais alto (60%) de preços no atacado. No entanto, é bem mais do que isso, na medida em que é usado como indexador, ou seja, como critério de reajuste de um grande número de contratos: aluguéis, tarifas, prestações imobiliárias, honorários de advogado e valores financeiros.

Desde meados do ano se esperava que a evolução do IGP-M seria negativa em 2009 porque a crise global e o tombo do dólar derrubaram os preços no mercado atacadista. O que se viu ontem foi um número fortemente negativo, de -1,72%, o mais baixo da série histórica do índice. Isso significa que os preços amarrados ao IGP-M têm de cair. Um aluguel de R$ 1 mil, reajustável em janeiro, por exemplo, terá de cair para R$ 982,80. Bom para o inquilino, não tão bom para o proprietário.

As imobiliárias não gostam dessa derrubada porque têm de admitir que os imóveis desvalorizaram. Por isso, quando se deparam com um reajuste desse tipo, tendem a escamotear a realidade e a manter os valores do ano anterior. O que se pode dizer é que, a longo prazo, os índices que medem a inflação, seja qual for sua composição, tendem a confluir para o mesmo número. O que é negativo hoje tende a ser compensado com uma esticada mais à frente.

A outra informação é a disparada do crédito, de 15% em 12 meses até novembro. Em 2002, o saldo das operações correspondia a 22% do PIB. Agora, está a 45%. Isso quer dizer que sua expansão contribuiu para o aumento do consumo, que se imagina tenha sido entre 4% e 5% em 2009.

Alguns economistas veem na esticada do crédito o risco de alimentar a inflação a partir do momento em que o consumo correr à frente da produção. Esse risco existe, mas vai demorar para produzir impacto sobre os preços porque ainda há capacidade ociosa na indústria, não só porque mercadoria encalhada apenas agora vai sendo desovada, mas também porque as exportações de manufaturados caíram 29% neste ano até novembro.

O volume de crédito no Brasil ainda é baixo, especialmente quando se compara com o dos países ricos (em geral acima de 100% do PIB). Mas a velocidade da expansão (a quase 15% ao ano) é insustentável a longo prazo, por duas razões. Primeira, porque a produção não segue o mesmo ritmo. E, segunda, porque o governo está gastando demais, tem de emitir mais títulos de dívida para financiar a gastança e, assim, à medida que mais recursos vão para a cobertura das despesas públicas, menos sobram para o crédito ao setor privado.


Confira



Não acabou - A virada de 2009 para 2010 está levando muita gente a fazer o balanço da década: os melhores livros, os melhores filmes, as melhores músicas, os maiores acontecimentos econômicos da primeira década do século 21.

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Estão pulando um ano. Os anos 10 também pertencem a esta década, pela mesma razão pela qual, no jogo do bicho, a dezena 00 (vaca) vem depois de 99 e é a última da série.

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Não houve um ano zero, seja qual for a contagem dos tempos. Cristo, por exemplo, não nasceu no ano zero. Nasceu no ano 1 e só completou 10 anos ao final do ano 10.

terça-feira, dezembro 29, 2009

Miriam Leitão Leis e vetos

O GLOBO

O presidente Lula se debruçou sobre o Orçamento e a Lei de Mudanças Climáticas. Já se sabe que a Lei de Mudança Climática terá pelo menos três vetos e um é muito ruim, porque inclui todo o capítulo 10, o coração do esforço para incentivar o uso de energia alternativa. No Orçamento é que o presidente deveria exercer seu poder de veto, cortando o excesso de gastos incluído pelo Congresso.

A sanção da Lei de Mudanças Climáticas foi anunciada como tendo ocorrido ontem, mas deve ocorrer só hoje. Quando acontecer, comprovará a tese de que, a despeito do que aconteceu em Copenhague, os países assumiram compromissos em suas políticas nacionais que acabarão seguindo. Não porque isso é uma exigência de um acordo internacional com força de lei, mas porque é uma exigência do clima e da sociedade.

Na lei orçamentária e na lei do clima o que se vê é um país em transição. No Orçamento, está havendo uma mudança para pior: o país está se distanciando cada vez mais do prudente equilíbrio fiscal. Por isso alguns vetos seriam bem-vindos. Na lei climática o que se vê é um desengonçado começo de uma mudança boa, para uma nova era de baixo carbono.

O Ministério das Minas e Energia propôs dez vetos à lei. Lula deve atender dois pedidos, e um da Advocacia Geral da União. A da AGU tem razão técnica. A lei estabelecia que alguns recursos não poderiam ser contingenciados, mas isso só pode ser estabelecido por outro instrumento legal. Um dos pedidos do MME, que deve ser atendido, é o de cortar o parágrafo que propõe o paulatino “abandono” da energia fóssil. Com o “abandono” é mesmo forte, ainda que paulatino, o presidente deve vetar.

O terceiro possível veto é pior porque deve incluir todo o artigo 10 que estabelece simplesmente o aumento gradativo de fontes renováveis em substituição às fosseis. O texto não fala em acabar com as fósseis, mas incentivar as outras. E lista: eólica, biomassa, pequenas centrais hidrelétricas, solar, biodiesel, etanol.

O artigo estabelece que se deve promover a pesquisa de novas fontes de energia limpa e dar tratamento tributário diferenciado.

O argumento do Ministério das Minas e Energia é que o texto fala de PCH, mas não das grandes centrais hidrelétricas que, convenhamos, não precisam ser “incentivadas”. E ao falar de fósseis não faz uma exceção para o gás natural e isso pode levar a alguma confusão.

Mas se todo o parágrafo for mesmo cortado, o que se abre é a chance de o governo continuar fazendo o que tem feito. O Brasil incentiva com subsídios e com redução tributária a construção de térmicas a carvão. Ou seja, não é apenas que não se incentiva a energia limpa, incentiva-se o uso de fontes sujas.

A Lei de Mudança Climática é um avanço sem dúvida, ainda que descarnada, incompleta e com uma contradição até curiosa: a lei diz que as metas de 36% a 39% de redução das emissões futuras serão voluntárias.

Uma lei para dizer que seu objetivo é voluntário é uma inovação na história das leis.

Além disso, o fato de ter sido aprovada no Congresso e estar para ser sancionada pelo governo não garante nada. Começa agora uma nova batalha segundo informa Suzana Kahn, secretária nacional de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente.

— Será preciso regulamentar e esse decreto é a chave para fazer as coisas funcionarem. Até março o decreto tem que estar pronto — afirma.

Suzana Kahn se preocupa também com a falta de uma agência, uma entidade nacional que execute a política climática. Sem isso, a execução pode ficar prisioneira dos impasses das comissões interministeriais.

No Orçamento, governo e sua base se juntaram para aumentar despesas, criar receitas, e expandir gastos correntes. O Orçamento de 2010 já chegou ao Congresso com uma previsão de receita otimista. Segundo técnicos, as chamadas “receitas atípicas” que geralmente somam R$ 10 bilhões pularam no novo orçamento para R$ 36 bilhões. São, por exemplo, depósitos judiciais que o governo espera recuperar e valores que grandes empresas deixaram de contribuir neste ano. Receitas incertas e difíceis de serem estimadas e checadas.

O Congresso ajudou e fabricou com a apoio do governo mais R$ 20 bilhões para comportar suas emendas no orçamento do ano eleitoral, sob argumento que o crescimento econômico será forte no próximo ano e que a receita precisará acompanhar. Foram R$ 6,4 bilhões de depósitos judiciais transferidos da Caixa para o Tesouro, R$ 6 bilhões de crédito-prêmio IPI. O executivo autorizou acrescentar mais R$ 3,8 bilhões de alienação de bens e IOF sobre operações de crédito.

Liberou ainda R$ 7 bilhões do superávit primário.

O Orçamento terá um aumento de gastos com pessoal de 8,8%, os gastos de custeio com a máquina de 9,9%. Tudo acima, portanto, da previsão do crescimento do PIB em 2010. O país vem há anos aumentando despesas que não podem ser comprimidas em percentuais acima do crescimento da economia. O que acaba levando mais cedo ou mais tarde a um aumento da carga tributária.

O governo também tentou uma manobra com recursos do PAC. Incluiu no projeto enviado ao Congresso a possibilidade de remanejar livremente 30% do conjunto de recursos do PAC em 2010, o que significaria algo próximo a R$ 9 bilhões. Assim, pode-se parar uma obra e acelerar outra em regiões de maior interesse eleitoral. A oposição conseguiu reduzir para 25% e estabelecer que vale para cada obra, e não sobre o total do PAC. Isso diminui um pouco o poder de manobra do executivo, ainda que não inteiramente.

Celso Ming Recado chinês

Quem, há alguns anos, se importava em saber o que pensavam as autoridades chinesas sobre a economia deles?

Mas isso mudou e, hoje, tudo o que é dito pelos líderes chineses sobre o assunto é prontamente analisado pelos perscrutadores globais (chinese watchers) porque a economia da China vai assumindo funções cada vez mais importantes como locomotiva global.

Domingo, o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, entendeu que devesse passar alguns recados por meio de uma agência oficial de notícias, a Xinhua. Não é uma atitude usual e, por isso, as declarações foram recebidas com atenção ainda maior.

Wen disse três coisas. Primeira, que o desempenho da economia chinesa poderia ter sido melhor, "se as operações de crédito dos bancos fossem mais balanceadas, melhor estruturadas e não tivessem acontecido em escala tão grande".

Segunda, o governo chinês estará pronto para atacar focos de inflação se eles aparecerem. E, terceira, em hipótese alguma cederá às pressões dos países ricos do Ocidente de valorizar o yuan, a moeda chinesa.

A partir daí há chão para analisar. A decisão de levar os bancos a promover uma farta distribuição do crédito atendeu à necessidade de reforçar o consumo interno para produtos que normalmente seriam exportados e que só não foram porque a demanda global foi contida pela crise. Apesar disso, o índice de poupança da China continua a níveis elevados, de 51% do PIB, como esta Coluna analisou em 15 de dezembro.

Ao longo de 2009, as vendas de veículos da China devem alcançar 12,8 milhões de unidades, 36,5% a mais do que em 2008. É a primeira vez que os chineses compram mais veículos do que os americanos, que devem ter parado nos 10,3 milhões (19% a menos do que em 2008).

As pressões inflacionárias parecem concentradas na área imobiliária e não na produção industrial, que enfrenta bolsões de capacidade ociosa (demanda mais baixa do que a capacidade de produção). Mas se Wen entende que o crescimento do crédito foi maior do que o devido, parece claro que os preços tenderão a subir se o crédito não for contido.

O regime de câmbio na China é fixo, à proporção de 6,826 yuans por dólar. O Banco do Povo da China (PBOC, o Banco Central do país) está comprometido em comprar dólares, cada vez que o yuan tende a se valorizar, e a vendê-los, cada vez que as pressões são em sentido contrário.

Há anos o governo americano quer que os chineses promovam a valorização do yuan, cujas consequências seriam o encarecimento do produto de exportação da China e o barateamento (em yuans) de suas importações. Mas o governo chinês tem se recusado com firmeza a fazer esse jogo, sob dois argumentos: o de que o objetivo estratégico do seu governo é dar condições para o desenvolvimento econômico do país, o que exige câmbio desvalorizado; e o de que a exigência ocidental de valorização do yuan não passa de tentativa de empurrar o ajuste global para os chineses em vez de partilhá-lo com os Estados Unidos e demais países ricos.

No entanto, se a inflação da China tomar realmente corpo, como Wen parece temer, seria inevitável que parte da tarefa de valorização do yuan acontecesse espontaneamente, por meio do encarecimento do produto chinês (valorização real).

Confira

Complexo de vira-lata - O presidente Lula tem razão quando diz que "2009 foi um ano mais que bom". Foi quando a economia brasileira passou pela prova de fogo: a maior crise global desde os anos 30.

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Faltou dizer duas coisas: Primeira, essa blindagem começou lá atrás, no governo Fernando Henrique, com a estabilidade da moeda e com o saneamento das finanças públicas.

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Segunda, que isso é como forma física. O que leva anos de regime e malhação para ser conquistado pode ser destruído em uma temporada de extravagâncias. A gastança do governo federal leva esse risco.

segunda-feira, dezembro 28, 2009

PAC faz 3 anos com apenas 10% das obras concluídas

O GLOBO

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) completa três anos em janeiro longe de concluir metade do proposto pelo governo. Levantamento da ONG Contas Abertas mostra que, das 12.520 obras do programa em todo o país, apenas 1.229 foram concluídas, o que representa 9,8% do total, incluindo os projetos de habitação e saneamento. Sem esses dois setores - que são maioria no PAC- os números melhoram e apontam para 31% dos empreendimentos concluídos. Do total, as obras que nem sequer saíram do papel - estão em fase de contratação, em ação preparatória ou em licitação - chegam a 62%. Nos últimos meses, o PAC foi engordado e passou a ter orçamento de R$ 646 bilhões até 2010. A Casa Civil contesta o levantamento e diz que ele leva em consideração apenas o número de obras. No Rio, a Petrobras ajudou a puxar os investimentos.

PAC: prazo acabando. Obras, não

Para ONG Contas Abertas, só 9,8% das 12.520 iniciativas estavam concluídas

Gustavo Paul, Brasília

Com obras espalhadas por vários municípios e cujos valores vão de poucos milhões até bilhões de reais, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) completa três anos em 2010 ainda longe de concluir metade do que se propôs. De acordo com levantamento da ONG Contas Abertas, das 12.520 obras do programa em todo o país, apenas 1.229 estavam concluídas, o que representa 9,8% do total. Esse montante inclui os programas de habitação e saneamento, que formam sua grande maioria. Sem esses dois setores, os números melhoram, mas ainda ficam distantes das metas do PAC em 2010: o volume de obras concluídas sobe para 31% dos 1.340 empreendimentos contabilizados.

Do total, as obras que sequer saíram do papel — consideradas em contratação, em ação preparatória ou licitação —chegam a 62% do total.

Apenas 29% estão em pleno andamento.

A compilação dos dados só foi possível em 16 de dezembro, quando a Casa Civil divulgou os cadernos estaduais do PAC, que detalham todas as obras do programa. Os números se referem ao balanço de agosto.

— O governo terá de trabalhar em um ano mais do que fez em dois anos e oito meses para entregar boa parte das obras ao final do mandato — diz o economista Gil Castelo Branco, coordenador do Contas Abertas.

Programa cresce e ultrapassa 2010

Ao lançar o PAC em uma grande solenidade em janeiro de 2007, o governo tinha como horizonte apenas o ano de 2010, fim do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. A previsão era gastar R$ 503,9 bilhões em obras no setor de logística, energia e nas áreas social e urbana.

Em fevereiro de 2009, ao completar dois anos, o governo turbinou o programa com R$ 142,1 bilhões de novos investimentos previstos até 2010. Além disso, foram computados mais R$ 502,2 bilhões para após a gestão Lula.

Com isso, o PAC passou a ter um orçamento de R$ 646 bilhões até 2010. A Casa Civil contesta o levantamento, sob argumento de que ele leva em conta apenas o número de obras. No 8oBalanço do PAC, divulgado em outubro, o governo federal informou que 32,9% das ações estavam concluídas, considerando o montante de recursos.

“Consideramos que o critério de valor seja mais adequado para calcular o percentual de conclusão de obras, pois o PAC é composto de um número muito grande de obras com dimensões muito diferenciadas. Esse fato provoca distorções”, informa a assessoria da ministra Dilma Rousseff, em nota.

Eles lembram que o PAC Funasa, voltado para saneamento, contabilizava 6.916 empreendimentos no valor de R$ 3,5 bilhões. Isso representaria 40% da quantidade de obras e apenas 0,5% do valor total do PAC até 2010. Ao mesmo tempo, a Usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, orçada em R$ 13,5 bilhões, equivale a 2% do PAC.

Para a Casa Civil, em 2010 as expectativas são melhores, pois algumas obras ganharam ritmo e outras sairão do papel. Mas grandes obras previstas para 2009 não começaram.

É o caso do trem-bala entre Rio e São Paulo, cujo edital só foi lançado para consulta pública em 18 de dezembro.

A usina de Belo Monte só deverá ser licitada no início de 2010, e até a terceira etapa das concessões rodoviárias, prevista para junho passado, foi transferida para abril de 2010.

Paulo Godoy, que preside a associação de empresas de base (Abdib), lembra que há problemas, mas acredita que o programa trouxe um novo modelo de gestão de obras públicas.

Dados orçamentários levantados pela Contas Abertas mostram que, até 15 de dezembro, dos R$ 27,9 bilhões previstos para o ano foram empenhados R$ 21,4 bilhões (76,7%).

Efetivamente pagos foram R$ 6,7 bilhões (24%). A maior parte dos R$ 15 bilhões restantes deve ser paga em 2010.

Foram incluídos no programa os R$ 7,3 bilhões do programa Minha Casa, Minha Vida. Mas a maior parte do orçamento do PAC de R$ 29,8 bilhões deverá ficar com o futuro presidente.

Gil Castelo Branco alerta que ainda há um estoque de R$ 8,9 bilhões de restos a pagar acumulados de 2007 e 2008. Com isso, o governo já teria comprometido cerca de R$ 23 bilhões de restos a pagar em 2010. Somados aos recursos novos orçados para o ano que vem, se o governo gastar o que já empenhou e o que poderá empenhar, terá de quitar cerca de R$ 53 bilhões em 2010, segundo a ONG: — Com certeza essa conta será herdada pelo futuro presidente.

A Casa Civil ressalta que, considerando apenas os recursos orçamentários, a execução do PAC tem crescido de maneira expressiva ano a ano. Sobre o montante de restos a pagar, afirma que se deve a uma contingência da estrutura das contas públicas.

Marvado atraso JOÃO UBALDO RIBEIRO


Às vezes eu acho que nós, brasileiros, temos razão em manter nosso tradicional complexo de inferioridade, achando que tudo do famoso Primeiro Mundo é melhor do que aqui, a começar pela aparência e a terminar pela língua. É quando constato que somos atrasados mesmo, triste verdade. Somente um povo atrasado é que ia dedicar, como dedicou, espaço e tempo a comentar indignadamente e rechaçar com veemência uma piada que o ator Robin Williams fez num programa de tevê americano. Deve ser o único lugar do mundo onde isso acontece em relação a algo dito por Robin Williams, que os próprios americanos nem ouviram — dá uma vergonhazinha.

Lembro agora, a propósito, o que aconteceu, faz algum tempo, quando o então correspondente do “New York Times” no Brasil escreveu sobre a relação do presidente Lula com as bebidas alcoólicas.

O presidente quis expulsar do país o sacrílego jornalista e também lembro que o ministro Gushiken, aquele com cara de Fu-Man-Chu que na época nos assombrava, justificou tal reação dizendo que a matéria contendo o crime de lesa-majestade era equivalente a, em se estando no Japão, difamar o imperador. Em comparação, conta-se que, quando o presidente Kennedy se julgou ofendido pelo mesmo “New York Times”, apenas murmurou um palavrão e cancelou sua assinatura.

Agora, notadamente aqui pela América do Sul, cria-se novamente um clima anti-imprensa, a começar pelo nosso presidente, que se esquece do muito que deve a uma imprensa livre e agora a considera incômoda e quer ditar seu comportamento. Como não lê nada, a realidade lhe é narrada pelos puxa-sacos que o rondam, como rondam qualquer governante, e que não querem ser portadores de novas desagradáveis. A imprensa, assim, só pode refletir uma realidade que ele desconhece. Liberdade de imprensa, sim, contanto que a favor do poder. Tudo atraso, aqui neste triste continente agora ostentando cá e lá o que poderia ser uma caricatura, mas é retrato. Populismo barato, gritos de muerte a isso e muerte aquilo, viva la revolución aqui e viva la revolución ali, peitos ataviados com medalhas do tamanho de bolachões, provavelmente ganhas pela promoção ou repressão de alguma arruaça de meia-pataca.

Mais atrasado que isso — e, ai de nós, não de todo incogitável num futuro tenebroso — só na Etiópia do tempo de Haile Selassie, quando qualquer coisa a ser impressa, até mesmo convites de casamento, tinha de passar pela censura oficial. Não duvido nada, mas nada mesmo, que alguém queira adotar práticas semelhantes para o Brasil de hoje e daqui a pouco proponham a padronização dos convites de casamento, para os quais sugiro logo a proibição dos dizeres “os noivos receberão os cumprimentos na igreja” para os casais cujo pai da noiva ganhe mais de vinte salários mínimos, pois nessa faixa será obrigatória a realização de uma recepção a convidados, com uma quota de trinta por cento para negros, vinte por cento para pardos e quinze por cento para moradores de comunidades carentes.

Não esqueçamos a tentativa que se fez em Brasília, de regulamentar a maneira pela qual deveríamos falar, o politicamente correto da nossa linguagem de todo dia. Na ocasião, seus elaboradores e proponentes alegaram que a cartilha não era normativa, mas apenas sugestão, como se, no mar da macaquice e da indigência mental de tantos de nós, todo mundo em breve não fosse falar e escrever conforme ela. E daí a pouco, os comunicadores e porta-vozes estariam falando como o presidente do Lions Club de Wichita na presença dos leões e suas domadoras.

Age-se aqui como se as liberdades de pensamento, expressão e imprensa, que não podem ser dissociadas, como se uma fizesse sentido sem as outras, fossem uma outorga do Estado, ou, pior ainda, do governo. É comum entre nós a mentalidade de que o governo ou o Estado nos dá isso ou aquilo. Nem um nem outro nos dão nada, não somente porque pagamos os impostos que os sustentam, mas principalmente porque legitimamos o poder que é exercido sobre nós. Essas liberdades não são um dom do Estado ou do governo, são parte da dignidade e dos direitos básicos do cidadão e da sociedade.

E não podemos, como também fazemos habitualmente, confundir Estado com governo. O funcionário público não é servidor do governo, mas do Estado.

A tevê pública, ou o que lá seja isso no Brasil, não é do governo, mas do Estado. Contudo, não só encaramos como do governo tudo o que é estatal, como o governo de fato mete o bedelho a seu bel-prazer em áreas que deviam ser escrupulosa e rigorosamente defendidas, como as próprias tevês públicas, onde nunca é aconselhável falar mal do governo e o mesmo governo nomeia e demite como lhe apraz.

Agora mesmo acaba de se encerrar uma tal Conferência Nacional de Comunicação, onde, segundo me contam, houve um festival de asnices e intenções duvidosas digno da ala de extrema esquerda de um grêmio infanto-juvenil norte-coreano. Tentaram de novo criar um Conselho Federal de Jornalismo, para dar palpite na imprensa e, provavelmente, involuir para o ponto em que eu receberia uma lista de assuntos que deveria abordar neste espaço, bem como a opinião a ser adotada.

Também propuseram a volta da exigência de diploma em comunicação para o exercício da profissão de jornalista. Isso não é pela liberdade de imprensa, porque qualquer cidadão deve ter o direito de publicar um jornal em que defenda legitimamente suas opiniões, sem precisar recorrer a um diplomado, que, em certos casos, só fará emprestar, ou vender, sua assinatura. Enfim, quanto mais as coisas mudam, mais permanecem as mesmas. Com uma exceção: sem imprensa livre, elas piorariam bastante.

CELSO MING - Sem ajuda, não avança

A partir de 1.º de janeiro, o combustível (diesel) que transporta a maior parte da produção brasileira conterá 5% de biodiesel, o chamado B5. O projeto inicial era manter a mistura anterior, de 4%. Mas o governo decidiu antecipá-la para livrar o setor de uma encrenca: o de ter produção mais alta do que o consumo e, assim, ter de amargar sérios prejuízos.

O aumento da participação do biodiesel na mistura puxará o consumo interno a 2,4 bilhões de litros por ano. A estimativa da União Brasileira de Biodiesel (Ubrabio) é de que o setor deverá faturar no próximo ano R$ 7 bilhões. A reivindicação dos produtores é a de que até 2015 a mistura obrigatória seja de 20% nos grandes centros urbanos e de 10% no restante do País.

Até agora o biodiesel não mostrou que é um produto sustentável. Não fosse a obrigatoriedade da mistura, seria rejeitado, porque é cerca de 70% mais caro do que o diesel derivado de petróleo.

Isso porque não se obteve no Brasil matéria-prima mais adequada para a sua fabricação do que a soja. E a soja é uma commodity cujos preços são determinados pelas bolsas internacionais de mercadorias, sujeitos a disparadas. Sempre que isso acontecer, o biodiesel brasileiro será acusado de desviar alimento para ser queimado nos motores de caminhões, tratores e ônibus.

Ao longo de 2009, o presidente Lula pareceu ter perdido o entusiasmo pelo produto. Seu objetivo de levar os pequenos proprietários a se inserirem na cadeia do biodiesel foi frustrado na medida em que o fornecimento de matérias-primas exige escala e inserção nos canais de distribuição. Não há viabilidade em produzi-lo com óleo de mamona ou do fruto da palma (dendê). Além disso, as perspectivas da extração de petróleo a partir do pré-sal parecem tirar o futuro das produções que não forem conduzidas pelos critérios do agronegócio.

As dúvidas sobre a viabilidade econômica do biodiesel não atingem apenas o Brasil. Os europeus são os maiores produtores globais do biocombustível. Fornecem 65% do biodiesel consumido no mundo, o que corresponde a 78% da matriz energética de biocombustíveis do bloco. As matérias-primas usadas são os óleos de colza (ou canola) e de girassol.

Nos Estados Unidos, o biodiesel (obtido a partir do óleo de soja e do óleo residual de alimentação) também tem posição de destaque. O país produz anualmente cerca de 2,7 bilhões de litros.

Tanto os governos europeus como o americano subsidiam sua produção. Isso explica por que o galão (3,8 litros) de diesel comum e o de biodiesel são vendidos em média a US$ 2,50 nos postos americanos. Na Europa, o litro do biocombustível chegou a ser comercializado a preços mais baixos do que o do diesel de petróleo.

Mas o período de farta renúncia fiscal parece estar chegando ao fim. Na Alemanha, a situação começou a mudar a partir de 2006, quando o governo passou a taxar o biodiesel. Isso fez com que o litro na bomba ficasse mais caro que o do diesel comum. Situação semelhante está ocorrendo na Noruega, que já disse que passará a taxá-lo da mesma forma que os outros combustíveis.

Em outras palavras, embora se tenha tornado um combustível ecologicamente correto, sem apoio oficial ainda não se viu biodiesel sustentável.

CONFIRA

Certa estabilidade - Há dois meses, os preços das commodities seguem relativamente estáveis. Ainda não se viu a formação de novas bolhas na área, como vêm denunciando os comentaristas preocupados com a enorme liquidez global.

* Colaborou Nívea Terumi

Transição para 2010 Suely Caldas

"Os brasileiros entram em 2009 com incerteza e apreensão, desconhecendo o que os espera, qual a real extensão dos estragos da crise, quanto tempo ela vai durar e com dúvidas quanto ao futuro. Haverá chances de voltar à prosperidade de 2008? (...) na onda do otimismo pré-crise um capítulo à parte para a Bovespa, que iniciou 2008 com 60 mil pontos, disparou a 73 mil em maio e acabou o ano murcha em 36 mil pontos" - assim se iniciava o último texto do ano de 2008 publicado neste espaço.

As dúvidas se dissiparam, a economia brasileira se recuperou antes do que se imaginava e previa, a incerteza foi superada e hoje o futuro em 2010 é previsível. Se no começo de 2009 a economia privada apostava numa queda entre 1,5% e 2% do Produto Interno Bruto (PIB) e o governo, num crescimento de 2,5%, hoje a realidade mostra que os dois estavam errados: o número final do PIB em 2009 tende a apontar um leve recuo, o que os economistas chamam de crescimento zero.

Literalmente nocauteada no primeiro momento da crise, a Bovespa saiu do fundo do poço, dobrou de valor e hoje oscila entre 66 mil e 69 mil pontos. Para ela convergiram capitais externos em busca de lucro rápido e já há quem alerte para o risco de formação de uma bolha. As empresas preferem não acreditar e nela apostam programando lançamento de ações.

O Brasil se recuperou bem, mas outros países se saíram melhor. China, Índia e alguns asiáticos nem sequer foram arranhados pela crise e continuaram crescendo o ano inteiro. Por aqui ela chegou forte, foi enfraquecendo, mas ainda não conseguiu recuperar a melhor marca da geração de empregos de 2008.

Apesar das incertezas políticas e do excesso de gastos dos governos em épocas de eleição, é certa a expansão da economia em 2010, um tanto em razão da baixa base de comparação com 2009 e muito pelo ritmo da produção, em franca ascensão, sobretudo da indústria, que na crise demorou mais a se recuperar. E as pesquisas sobre intenções de investimento ajudam, são animadoras. As previsões de crescimento do PIB refletem esse clima de otimismo: elas variam entre 4% e 6,5%, a Fiesp aposta em 6,2% e o governo, em 5,5%.

O fator eleição, que sempre funcionou como gerador de incertezas e de especulações no mercado financeiro, em 2010 não deve atrapalhar, como aconteceu em 2002. Hoje nenhum dos candidatos à Presidência representa o risco de ruptura à estabilidade econômica que Lula representava em 2002. Não há razões, portanto, para ataques contra o real e para a situação de desordem econômica que abalou o Brasil em 2002.

Ajudaria muito uma transição política civilizada e serena se na campanha eleitoral, ou mesmo antes dela, Lula anunciasse a disposição de nomear uma equipe para passar a gestão do governo ao novo presidente a ser eleito. Como fez FHC. Esse gesto ajudaria a frear tentativas de especulação no setor financeiro.

Se o risco eleitoral é controlado, o risco de um crescimento abaixo do potencial do País não está descartado. Ele é gerado pelo próprio governo, ao recusar avanços à estabilidade da economia, gastando mais do que pode, comprometendo a receita tributária com despesas engessadas (que não podem ser removidas) e, pior, levando-as a crescer nos próximos anos, invadindo o mandato do próximo presidente. O aumento salarial do funcionalismo, o inchaço da máquina pública com apadrinhados, cruzar os braços para a expansão do déficit da Previdência (pública e privada) e gastar em obras eleitoreiras de eficácia e qualidade duvidosas para atrair votos para os candidatos do PT - é isso que compromete a estabilidade da economia.

Os números comprovam: aumentos salariais e novas contratações elevaram a folha de pagamento do governo federal de 4,8% do PIB, em 2002, para 5,1%, este ano. No Poder Judiciário, por exemplo, o salário médio dos funcionários, do motorista ao ministro do Supremo Tribunal Federal, ultrapassa R$ 5 mil - muito acima de todo o resto dos trabalhadores privados do País, o que faz de Brasília a cidade brasileira de maior renda per capita.

A expansão da dívida pública é outro freio ao crescimento. Com o pretexto de reagir contra a crise o governo decidiu reduzir o superávit primário de 2009 e 2010, o que fez sua dívida crescer em vez de reduzir, como tem sistematicamente prometido o Ministério da Fazenda. Em 2009 o ministro Guido Mantega prometeu encerrar o ano com redução no endividamento, mas a dívida líquida cresceu de 38,8% do PIB para 44%. E a situação piora quando é usado o indicador da dívida bruta, que saltou de 53,1% para 67% do PIB ao longo do governo Lula, e já soma quase R$ 2 trilhões.

Agravado pelo limitado poder de interferência do governo, porque depende do desempenho da economia mundial - e os países ricos continuam mal -, o déficit externo de transações correntes é o grande problema a ser enfrentado em 2010. Bancos, agentes financeiros e o próprio Banco Central elevaram suas previsões para esse indicador. Com exportações em queda, o déficit deve saltar de US$ 23 bilhões, em 2009, para US$ 56 bilhões, em 2010, aumentando de 1,4% para 3,2% do PIB. "Um déficit superior a 1,5% do PIB não é nada saudável", reconhece o presidente do BNDES, Luciano Coutinho.

Mas, se este ano a economia começou mal e terminou bem, a política começou ruim e terminou péssima.

O retrocesso político-institucional que começou com casos de corrupção - Waldomiro Diniz, o mensalão do PT, os vampiros, aloprados e outras aventuras, o loteamento político-partidário de cargos técnicos - foi reforçado em 2009 com as contas secretas do Senado, os negócios suspeitos da família Sarney, o mensalão do DEM em Brasília. Até a União Nacional dos Estudantes (UNE) desviou dinheiro público para empresa fantasma em Salvador. E pior: tudo com a bênção e o estímulo do presidente Lula, que, em vez de condenar e combater corruptos, os defende. Mas o máximo desse retrocesso político, em 2009, foi a ressurreição da censura à imprensa, que o País imaginava estar morta e enterrada junto com a ditadura militar.

Um próspero 2010 a todos!

A política e o homem público Gaudêncio Torquato

2009 chega ao fim deixando a impressão de que a política, aqui e alhures, não passou no teste para aferir sua qualidade. A frustração generalizada com os pífios resultados da conferência de Copenhague aponta para o fracasso da missão de mandatários importantes, a partir de Barack Obama, em que se depositavam as maiores esperanças da coletividade mundial. Espraia-se por todos os continentes o sentimento de que a política, além de não corresponder aos anseios das sociedades, não é representada pelos melhores cidadãos, como estatuía o ideário aristotélico.

A estampa dos homens públicos também se apresenta esboroada. Basta olhar para o nariz e os dentes quebrados do premier italiano, Silvio Berlusconi, pelo impacto de uma pequena réplica do Domo de Milão, jogada por um manifestante de rua. Aquela imagem reflete o sexto compromisso não cumprido pela democracia, que trata da educação para a cidadania, e que foi objeto de análise de um dos mais proeminentes pensadores da ciência política, o também italiano Norberto Bobbio, em seu vigoroso ensaio sobre o ideário democrático.

Governantes das mais diferentes ideologias dão efetiva contribuição à degenerescência da arte de governar, pela qual Saint Just, um dos jacobinos da Revolução Francesa, já expressava, nos meados do século 18, grande desilusão: "Todas as artes produziram maravilhas, menos a arte de governar, que só produziu monstros." A frase se destinava a enquadrar perfis sanguinolentos. Mas, na atualidade, a canalhice e a mediocridade também frequentam espaços públicos. Quando Bill Clinton foi flagrado em atitudes não muito litúrgicas nos salões da Casa Branca, o panteão da esculhambação se elevou às alturas. Da mesma forma, ao admitir ter recebido doações do caixa 2, o ex-presidente Helmut Kohl cindiu o escudo da ética alemã.

O que explica a propensão de homens públicos a assumirem o papel de atores de peças vis, cerimônias vergonhosas e, ainda, abusarem de linguagem chula, incongruente com a posição que ocupam? O que explica a imagem de um governador recebendo pacotes de dinheiro ou a de um presidente de Assembleia escondendo propina na cueca? A resposta pode ser esta: a despolitização e a desideologização, que se expandem na sociedade pós-industrial. Os mecanismos tradicionais da democracia liberal estão degradados. Outra resposta aponta para o paradigma do "puro caos", que o professor Samuel Huntington identifica como fenômeno contemporâneo e que se ancora na quebra no mundo inteiro da lei e da ordem, nas ondas de criminalidade, no declínio da confiança na política e na solidariedade social.

No caso da política, esse declínio é acentuado. Ela deixou o espaço missionário para entrar no mercado das profissões. Por que os mecanismos clássicos da política vivem crise descomunal? As nações democráticas registram, neste princípio de século, forte declínio da participação dos cidadãos no exercício da vida pública. Basta apurar o retraimento dos eleitores por ocasião dos pleitos. O profundo desinteresse das populações pela política se explica pelos baixos níveis de escolaridade e ignorância sobre o papel das instituições, e pelo desinteresse dos políticos em relação às causas sociais. Este fenômeno - a distância entre a esfera pública e a vida privada - se expande de maneira geométrica.

Na Grécia antiga, a existência do cidadão se escudava na esfera pública. Esta era sua segunda natureza. A pólis constituía o espaço contra a futilidade da vida individual, o território da segurança e da permanência. Até o final da Idade Média, a esfera pública se imbricava com a esfera privada. Nesse momento, os produtores de mercadorias (os capitalistas) invadiram o espaço público. Aí começa o ciclo da decadência. Que, na primeira década do século 20, se acentuou com o declínio moral da classe governante. Assim, o conceito aristotélico de política - a serviço do bem comum - passou a abrigar o desentendimento. E a ambição.

Com a transformação dos estamentos, as corporações profissionais se multiplicaram. Campos privados articularam com o poder público leis gerais para as mercadorias e as atividades sociais. Sensível mudança se processa. Agora, a esfera pública vira arena de interesses. Disputas abertas e intestinas são deflagradas, na esteira de discussões violentas. Bifurca-se o caminho da res publica com a vereda do negócio privado. O diagnóstico é de Hannah Arendt: "A sociedade burguesa, baseada na competição, no consumismo, gerou apatia e hostilidade em relação à vida pública, não somente entre os excluídos, mas também entre elementos da própria burguesia." Em suma, a atividade econômica passou a exercer supremacia sobre a vida pública. Os eleitores se distanciaram de partidos, juntando-se em núcleos ligados ao trabalho e à vida corporativa - sindicatos, associações, movimentos. Eis a nova face da política.

Se há participação dos aglomerados sociais, ela ocorre dentro das organizações intermediárias. O discurso institucional, levado a efeito por atores individuais e partidos, não faz eco. Mas a estética da política pontua e remanesce nos sistemas cognitivos, emoldurando a policromia e o polimorfismo do modus operandi dos atores em seus palcos: parlamentares se atracando em plenários, dentes quebrados, sangue jorrando pelo nariz, encontros mafiosos, orações de propina, dólares na cueca, descrições de cenas de sexo, ovos podres atirados em autoridades, etc.

O que fazer para limpar a sujeira que borra a imagem do homem público? Não adianta colocar sobre ela camadas de tinta. Equivaleria a pintar uma parede sem argamassa, oca. A pintura deve ser feita por dentro. A reengenharia voltada para o resgate da moral na vida pública é tarefa para mais de uma geração. Mas pode ser iniciada já. Primeiro passo: o homem público deve cumprir rigorosamente o papel que lhe cabe. Segundo: punir os que saem da linha. Terceiro: revogam-se as disposições em contrário.

domingo, dezembro 27, 2009

Internacional Retrospectiva 2009



Vilma Gryzinski

O ano em que Obama caiu na real

Jewel Samad /AFP

Ser um homem de inteligência superior submeter suas ideias ao teste supremo da realidade – e existe outro maior do que a Presidência dos Estados Unidos? – foi o espetáculo mais hipnotizante de 2009. O júri ainda vai ficar acompanhando o desempenho de Barack Obama por um bom tempo, mas já deu para ter uma visão da mistura de pragmatismo e idealismo que parece guiá-lo. Em geral, o pragmatismo funcionou melhor. A começar pelos dois eixos mais vitais, a economia e a defesa, em que Obama manteve praticamente as equipes e as políticas em vigor. A argumentação que fez sobre a inevitabilidade das "guerras necessárias", mesmo entre aqueles que como ele não têm ânimo beligerante, foi talvez o ponto alto, em termos intelectuais, de seu primeiro ano de governo. No campo do idealismo, brilhou no discurso do Cairo em que estendeu a mão ao mundo muçulmano e tentou, metaforicamente, quebrar a narrativa massacrante da vitimização. Não se deu tão bem ao sair pelo mundo pedindo desculpas por políticas americanas do passado recente (os públicos ou não acreditam na beleza moral da autocrítica ou a desprezam) e se curvar excessivamente diante de monarcas estrangeiros. E continua parecendo totalmente inexplicável que tenha mandado transferir para Nova York o julgamento do, digamos, diretor executivo dos atentados de 11 de setembro, Khalid Sheikh Mohammed. Depois de pragmáticas adaptações, deve conseguir a aprovação da reforma mais importante no plano interno, a do sistema de saúde – que, numa reação só possível nos Estados Unidos, causou mais desaprovação do que o contrário na opinião pública. Em política externa, apesar da imagem fenomenalmente positiva, teve resultado zero até agora. É duro o teste da realidade, mas Obama leva jeito para enfrentá-lo.

Os dólares furados

Chip Eaast/Reuters


O governo baixa pacotes econômicos a toda hora, o presidente dá bronca em banqueiros porque não estão soltando financiamentos, o desemprego chega a 10% e a moeda anda fraquinha, fraquinha. Cidadãos comuns alarmam-se com a dívida pública, um mastodonte que bateu em 12 trilhões de dólares, e cidadãos incomuns começam a sair às ruas em protesto. O pior da crise já passou - aliás, tão depressa que os peixinhos vorazes que nadavam em volta do grande Moby Dick americano, loucos para fazer a dança de morte do capitalismo, nem tiveram tempo de aproveitar direito. Dá para acreditar que foi no ano da pouca graça de 2009 que o governo Obama assumiu a General Motors? Ou que o pagamento contratual de bônus a altos executivos das instituições financeiras resgatadas com dinheiro público provocou uma proposta de que todos fossem enforcados em praça pública com cordas de piano? Mas a insegurança econômica, e seus terceiro-mundistas acompanhamentos, ainda cala fundo na alma americana. "Os Estados Unidos estariam errados se dessem como garantido o lugar do dólar como reserva monetária predominante", avisou em setembro o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick - é, o mesmo chamado pelo presidente Lula de "sub do sub do sub" na época das negociações comerciais, e que continua adepto do estranho hábito de falar a verdade.

Pintura de guerra

Ahmed Jadallah/Reuters


Azadi, azadi, azadi.
O rugido que subiu das ruas de Teerã veio em farsi, mas seu significado é o mesmo em todos os lugares do mundo onde existe um grito sufocado no peito: liberdade. A intensidade, a energia e a extraordinária coragem dos jovens manifestantes mostraram que existe vida independente no Irã. O elemento catalisador foi a candidatura presidencial de Mir Hossein Mousavi, um ex-primeiro-ministro que se transformou em ícone do reformismo. Sob a bandeira verde, a cor apropriadamente islâmica de sua campanha, as belas maquiaram-se para a guerra das ruas e empurraram o lenço da cabeça, de uso obrigatório, até limites antigravitacionais. A campanha e os protestos subsequentes, diante da reeleição fraudada do sinistro Mahmoud Ahmadinejad, expuseram várias camadas de descontentamento, desde os jovens que anseiam por uma vida mais normal até dissidências no interior dos quadros do regime. Ahmadinejad e sua turma não negaram o sangue: engrossaram, reprimiram e continuaram celeremente no caminho da produção secreta de bombas atômicas, o assunto que vai tumultuar o mundo em 2010. Mas agora a trilha sonora iraniana incorporou a palavra mágica. Liberdade, liberdade, liberdade.

Obama quer Osama

David Guttenfelder/AP


A foto do soldado americano de chinelão e cueca cor-de-rosa, arrancado do sono por causa de um ataque dos talibãs, mostrou um momento de especial fragilidade: por baixo da habitual carapaça de combate, existem garotos de 18, 19, 20 e poucos anos. Já o governo americano não foi pego de calças curtas no Afeganistão. Ao contrário. O general Stanley McChrystal, comandante de campo, foi tão explícito sobre os riscos envolvidos no país que levou até repreensão do presidente Barack Obama. Mas ficou o aviso de clareza cristalina: ou os Estados Unidos enviavam mais tropas para controlar a situação na região que ainda abriga Osama bin Laden e companhia ou a guerra ia para o brejo. Até o nada belicista Obama se convenceu de que não dava. Imaginem a desmoralização total que seria os talibãs desfilando vitoriosos com o barbudão terrorista montado num jipão. Depois de se debater em dúvidas durante três meses, Obama acabou com o climão de Elsinore na Casa Branca: já está aumentando em 30 000 o número de soldados. Automaticamente, também aumenta a própria responsabilidade. Agora, Obama tem de pegar Osama. Ou no mínimo neutralizar categoricamente seus aliados locais. Parada dura.

Uma siesta muito, muito longa

Edgard Garrido/Reuters


Tudo teve ares de pastelão, mas pelo menos uma coisa deve ser considerada: a potestade das forças que se ergueram contra Manuel Zelaya não foi brincadeira. O infeliz do chapelão foi destituído da Presidência de Honduras com ordem assinada pela Suprema Corte e sem nenhuma cerimônia por parte do Exército. No seu lugar ficou um sujeitinho bravo, Roberto Micheletti, que assumiu interinamente com um objetivo - no pasará - e o cumpriu. Ainda por cima, Zelaya contou com o apoio incondicional dos megalonanicos da diplomacia petista, sempre uma garantia de que a coisa vai dar errado. Por ordem de Hugo Chávez, voltou à sorrelfa e se instalou na Embaixada do Brasil com planos inversamente proporcionais à capacidade de executá-los. As simpatias dos que, mesmo desconfiando das patranhas da figura, repudiavam os métodos de sua deposição sofreram um cruel golpe quando ele disse que estava sendo torturado por mercenários israelenses com emissões de alta frequência e gases tóxicos. Folhas de papel-alumínio passaram a recobrir as paredes da embaixada, dando a impressão de que a qualquer momento sairiam dali miolos ao forno. Zelaya não foi o único a passar atestado de maluquice: o governo brasileiro repudiou até o fim a realização de eleições presidenciais e, depois, seu resultado. Em outras circunstâncias, o mau conselheiro Marco Aurélio Garcia e o chanceler Celso Amorim ensaiaram dar uma de good cop e bad cop, aquela jogadinha de policial mau e policial bonzinho. Da história de Honduras, saíram parecendo os Keystone Cops.

Salto em crescimento

Erinhard Krause/Reuters


As jovens recepcionistas chinesas são escolhidas por critérios universais: beleza, altura e sorriso - quanto mais bonitas, mais importantes são os figurões a quem servem chá. Na foto, elas pularam para demonstrar disposição amável durante um evento legislativo na China. Todo mundo deveria pular junto: o crescimento econômico de 8% segurou praticamente metade do planeta à tona ou um pouquinho acima, o Brasil inclusive. Dos países que contam, nenhum atravessou a crise com tanto ímpeto. Os feitos portentosos e as construções espetaculares deram um tempo, inclusive por fadiga de atenção do resto do mundo depois da Olimpíada de 2008. Mas em 2010 a China reocupará o palco com a Exposição Mundial de Xangai. Entre as extravagâncias arquitetônicas, o pavilhão de Macau será em formato de coelho futurista. E as coelhinhas então...

Pecado original

Fayaz Aziz/Reuters

Militantes muçulmanos podem matar muçulmanos inocentes? A pergunta soa absurda, mas é objeto de intenso debate no mundo islâmico. Ainda mais com o recrudescimento, a partir do segundo semestre de 2009, dos ataques com carros-bomba nas três grandes frentes de atuação dos fundamentalistas armados – Iraque, Afeganistão e Paquistão –, com horríveis carnificinas entre a população civil. Os jihadistas, ou partidários da guerra santa, acham que a luta pela imposição de um regime islamicamente puro justifica que inocentes sejam feitos em pedacinhos. No pós-morte, Alá separa os justos dos culpados e compensa o sacrifício dos primeiros. No Paquistão, os atentados se multiplicaram a partir de agosto, em resposta a uma operação militar contra áreas dominadas pelos militantes fundamentalistas. Mais de 500 pessoas morreram explodidas por carros-bomba desde então. O menino morto, na chocante foto ao lado, foi vítima do ataque contra um mercado cheio de mulheres e crianças em Peshawar. O governo paquistanês conseguiu do alto clero uma fatwa dizendo que os atentados terroristas são haram,o equivalente a pecaminosos, e os líderes religiosos que os insuflam incorrem na mesma categoria. Um avanço no campo moral que terá, infelizmente, resultado nulo no campo prático.

Chanchada à italiana

Stoyan Nenov/Reuters

O paradoxo italiano salta aos olhos: o país vai bem, mas seu chefe de governo está tão mal que começou o ano gritando na frente da rainha Elizabeth para chamar a atenção de Barack Obama e terminou levando na cara uma miniatura da Catedral de Milão. Entre uma coisa e outra, uma erupção vesuviana de mulheres de boa figura e má reputação, um processo de divórcio anunciado pela esposa ofendida no principal jornal da oposição e uma decisão da Suprema Corte que o priva da imunidade do cargo. Para tudo Silvio Berlusconi deu a explicação clássica dos políticos erráticos ("intriga da oposição"). Tudo, sobretudo as cenas das festinhas de arromba na casa de praia, teve um ar de pornochanchada dos anos 70. O que não pode, evidentemente, ser debitado na sua conta é o ataque de Milão. Mas é quase impossível resistir aos paralelos entre o estilo kitsch do milionário populista e o objeto usado, uma lembrancinha de turista de arrepiar até cabelos implantados.

Ressaca geral

Junko Kimura/Reuters

Recessão, deflação e desanimação parecem conceitos difíceis de engolir num país com o espantoso nível de desenvolvimento do Japão. Mas nem um ofurô gigante de vinho, como na foto, seria capaz de revigorar os ânimos nacionais. A segunda potência do mundo tornou-se em 2009 um pouco mais a potência de segunda que a ascensão da China e a economia enfaixada já estavam prevendo antes mesmo da devastação trazida pela crise. Não que tenha mudado o estilo de vida de país rico, pós-industrialíssimo (embora ainda tenha indústria) e, nos casos mais limítrofes, já transposto em tempo quase integral para a realidade virtual. Um estudo feito no fim do ano sobre as expressões que mais definiram 2009 no Japão incluiu o seguinte: "homens herbívoros", ou soshoku danshi, sobre o tipo masculino meigo e algo assexuado que surgiu recentemente; "fast fashion", a modinha barata e descolada que salvou a pátria das grifes na hora da recessão; e "mudança de governo", propiciada pela eleição do primeiro-ministro Yukio Hatoyama. O sopro de renovação trazido por uma cara nova na política ficou mais na esperança. A coisa mais vibrante que aconteceu no Japão sob nova direção foi a mulher do primeiro-ministro, Miyuki Hatoyama, que diz ter sido abduzida por um óvni, aparentemente confirmando a crença de que, na fase atual, os japoneses são de Vênus.

Menos foi mais

Philipp Guelland/Reuters

Numa era de populistas exibidos, Angela Merkel é um alívio. Não joga para a plateia, não conta piadas, não se considera uma enviada dos céus. É de direita, mas com flexibilidade suficiente para ver a necessidade de dar umas estimuladas na hora do aperto e, depois, voltar às apertadas no déficit. Não fala uma palavra que não seja criteriosamente pensada – e, portanto, não diz besteiras. Suporta-as com estoicismo, como já se comprovou com Silvio Berlusconi falando ao celular, Nicolas Sarkozy tendo surto napoleônico e Lula elogiando o programa nuclear do Irã, tudo sob seus pouco complacentes olhinhos azuis. A maior mudança de imagem que fez para enfrentar a campanha eleitoral deste ano, no meio da crise, foi levantar o penteado uns 2 centímetros. Filha de pastor luterano, criada na antiga Alemanha Oriental e formada em física, ela gosta de tudo em perfeita ordem, disciplina e discrição. Sem nenhuma surpresa, os alemães também gostam do estilo minimalista. "Algumas pessoas disseram que ela era tediosa e provinciana. Mas os eleitores não são burros, não querem uma Britney Spears como chefe do governo", disse o diretor de um instituto político, Detmar Doering, a propósito da reeleição dela, em setembro. "Querem uma pessoa séria, em quem possam confiar." Bingo.

Surto de medo – e máscaras

Yuriko Nakao/Reuters

O nome oficial é influenza A (H1N1), mas no popular o que pegou mesmo foi gripe suína. As sucessivas ondas de medo demonstraram que o mundo está sempre esperando o pior. Talvez sob influência das previsões apocalípticas e dos filmes-catástrofe, a ideia de que sobrevirá a mãe de todas as epidemias foi abraçada até com excessiva credulidade. A gripe que fez todo mundo usar máscara hospitalar, ou pensar em fazê-lo (na foto, estudantes japoneses em visita ao Parlamento), foi menos mortífera do que o antecipado. Apesar da propagação global, provocou cerca de 10 000 mortes, das quais cerca de 1 600 no Brasil. Mas assustou tanto pelo potencial letal quanto pela faixa atingida. Quando a gripe comum mata, 80% das vítimas são pessoas acima dos 60 anos, em geral debilitadas por outras doenças. Na suína, a proporção é inversa. A reação mais insensata à pandemia aconteceu no Egito, onde o governo mandou matar todos os porcos. Além da conexão errada entre os animais e a gripe – uma vez disseminado entre humanos, o vírus tem autonomia –, pesou o fator religioso: o islamismo proíbe os porcos por considerá-los impuros. No Egito, eram criados com restos de comida e consumidos pelos coptas, adeptos de uma igreja que remonta aos primórdios do cristianismo. Sem eles, o lixo orgânico aumentou ainda mais, e as cidades egípcias ficaram naquela situação na qual o presidente Lula disse que o povo brasileiro vive. Em suma, uma porcaria.

Eterno enquanto dure

Yuriko Nakao/Reuters


Hugo Chávez começou o ano cumprindo o que havia prometido. Tanto fez, manipulou, distorceu e ameaçou que conseguiu reverter o resultado do plebiscito de 2007. Em fevereiro, ganhou a possibilidade de reeleições até o fim dos tempos. O populismo autoritário e caudilhesco que comanda fincou mais fundo suas raízes malignas. O sistema de ensino está sob novo e perverso estatuto, as poucas vozes independentes que restam sofrem intimidações crescentes, comitês armados defendem a ideologia oficial. Chávez passou o ano ameaçando ir à guerra contra a Colômbia. Fez um acordo de armamentos com a Rússia, mas comandou uma grita contra o uso de bases colombianas por forças americanas para combater os traficantes de cocaína. Entre uma ameaça presente e imediata como o narcotráfico e um futuro e hipotético uso indevido das bases, adivinhem de que lado os seus dúcteis aliados ficaram...

O homem do efeito velcro

Sang Tan/AP

Há políticos que, famosamente, parecem revestidos de teflon: tudo de ruim que se joga neles não gruda. Já Gordon Brown exigiu a criação do conceito de político velcro. O homem atravessou 2009 atraindo tanta encrenca que bateu o impressionante recorde de 74% de desaprovação. A súbita era glacial da economia (encolhimento de 5,9%) já seria suficiente para destruir a reputação de qualquer um, mas o primeiro-ministro britânico caprichou. No seu turno, eclodiu o escândalo das despesas indevidas penduradas por políticos nas contas públicas, um assessor apareceu mandando mensagens com intrigas sexuais sobre desafetos, o aumento de mortes de militares britânicos no Afeganistão foi atribuído a deficiências de material. Em visita de Brown a mutilados de guerra, vários fecharam a cortininha em volta da cama para não ver a cara dele. Em carta à mãe de um jovem soldado morto em combate, ele conseguiu a proeza de errar a grafia de 25 palavras, incluindo o nome do falecido. Quis fazer graça num discurso no Parlamento, mas se atrapalhou e confundiu as atrizes Renée Zellweger e Reese Witherspoon. A empatia despertada pelo jeito desalinhado e pelas tragédias pessoais (é cego de um olho, perdeu uma filhinha prematura) secou completamente. Em 2010, antecipa-se que o efeito velcro produzirá uma derrota de proporções históricas para o Partido Trabalhista.

Planeta bizarro

AP

Bill Clinton desceu na Coreia do Norte e pediu: levem-me a seu líder, e assim encontrou Kim Jong-Il, o chefe dos ETs. Piada, claro. Na verdade, aconteceu o contrário. Foi Kim Jong-Il quem exigiu que Clinton fosse levado a sua presença em troca da libertação de duas repórteres americanas, Euna Lee e Laura Ling. Por ingenuidade ou excesso de confiança, em março elas entraram em território norte-coreano via China, foram presas e viraram troféu. Pelos padrões da Coreia do Norte, foram bem tratadas. Comiam até arroz, um luxo para a esfomeada população comum. Kim Jong-Il manipulou seu trunfo direitinho. Deixou que as jornalistas falassem por telefone com as famílias e "fez saber" que uma visita importante como a do ex-presidente seria o preço a pagar pela liberdade delas. Um preço, aliás, pequeno e sem nenhuma consequência. Fora a foto mostrando um constrangido Clinton e um emagrecido Kim (um derrame em 2008, boatos de câncer de pâncreas neste ano), a Coreia do Norte continuou exatamente onde sempre esteve, isolada por vontade própria e por força de seu condenável programa nuclear. Ameaças ou promessas de ajuda, mão estendida ou punho fechado, nada do que já foi tentado para demover o mais fechado regime do planeta funcionou. E o alienígena continuava no poder.

Caça aos alvos

Finbarr O’Reilly/Reuters

De todas as coisas estranhas que aconteceram no mundo em 2009, poucas se comparam às notícias recorrentes sobre uma prática macabra: a caça a albinos de países africanos com fins mágicos. Nem precisa dizer de que tipo de magia. A Tanzânia é o pior lugar para nascer com essa anomalia genética, na qual a ausência de pigmentos no organismo produz pele e cabelos alvíssimos e olhos desbotados. Números sobre um assunto desses são, é claro, altamente não confiáveis – mas falou-se em sessenta vítimas neste ano. Em setembro, três "caçadores" de albinos receberam pena de morte, por enforcamento. Embora os "filhos da lua" sempre tenham causado estranheza e superstição, a crença no poder de feitiços feitos com partes de seus corpos não tem nada de milenar. Apareceu do nada e se propagou com rapidez pelo interior da Tanzânia e países vizinhos. Membros, orelhas, língua, genitais e cabelos são moídos e incorporados a feitiços para fazer a terra produzir boas colheitas ou as redes pegar mais peixes. Há pelo menos uma história hedionda de mãe que viu a filha de 17 anos ser mutilada por homens armados com facões, que cortaram as pernas da adolescente. Já existe até uma espécie de rede secreta de refúgios para os que não podem viver à luz do sol, em nenhum sentido.

Está frio ou quente?

Bob Strong /Reuters

Quente, definitivamente. Pelo menos em termos de discussão das mudanças climáticas. Em alguns casos, até fervendo: a ideologização do assunto provocou extremismos inúteis a ponto de os absolutistas da influência humana no aumento da temperatura global (ou aquecimentonistas) terem transformado a questão em artigo de fé e os céticos (ou brucutus direitistas que querem incinerar o planeta) usarem qualquer nevasca como prova de que o clima está até mais fresquinho. A ciência climática é complexa: a geleira, como a da foto na Groenlândia, que parece derreter uma hora, em outra retorna ao estado glacial; em vez de subir, em alguns lugares o nível do mar parece baixar; tempestades, secas e até tornados, que de repente se tornaram recorrentes no sul do Brasil, são tão impressionantes quanto desconectados das mudanças globais. Mas no fundo, no fundo, todos sabemos que a devastação ambiental que a espécie humana provoca não ficará sem consequências. E nenhuma solução mágica baixará dos céus no último instante. Só nós podemos nos salvar.

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