Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 18, 2009

Dora Kramer Sinuca de bico

O ESTADO DE S. PAULO

As ações políticas - todas, portanto - do presidente Luiz Inácio da Silva sempre precisam ser analisadas por prismas diferentes: levando em conta a ética ou considerando apenas a eficácia imediata do gesto.

Pelo primeiro critério, raras passam pelo controle de qualidade. Já pelo segundo, o grau de aproveitamento é bem superior. Nesse caso enquadra-se o revide do presidente a comentário do governador José Serra sobre o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco.

Serra criticou a falta de investimentos federais em projetos de irrigação às margens do rio. Lula bateu com força ironizando a preocupação do governador com o Nordeste - extemporânea e eleitoreira, segundo ele - e mandou que o tucano ficasse "esperto", pois, daqui em diante haverá muitas inaugurações na região.

Foi a primeira vez desde a campanha eleitoral de 2002 que Lula atacou diretamente seu oponente da época. Apresentou as armas e chamou o adversário para a briga.

Criou para a oposição, para José Serra em particular, uma situação assaz complicada: a escolha entre calar, e parecer covarde ante a popularidade presidencial, ou reagir no mesmo tom e fugir do roteiro previsto de só iniciar a campanha propriamente dita no ano que vem.

Num primeiro momento, a opção de Serra foi fazer o elegante: "Se o que eu disse ajudar a ter um metro a mais de irrigação, fico feliz." Um tanto sutil demais, hermético até para a conversa nos termos propostos por Lula.

Setores mais pragmáticos da oposição, como o DEM, saíram a campo pedindo que o tucanato - senhor da candidatura - deixe de manejar floretes e entre logo no embate com luvas de boxe.

Ponto, portanto, para o presidente, que conseguiu fazer a oposição voltar a expor suas divergências em público, discutir uma mudança de agenda adaptando-a ao ritmo que interessa ao adversário e ainda dar margem à interpretação de que reina o desespero nas hostes oposicionistas.

A oposição tem dois candidatos, um deles posicionado na liderança das pesquisas, e em tese sai na dianteira com o apoio dos dois maiores colégios eleitorais do País.

No entanto, se espreme de ansiedade ante um adversário cuja candidatura é construída a poder de artificialismo e sob o risco de, de repente, sofrer impugnação da Justiça Eleitoral, que cassou mandatos de governadores por delitos até menos evidentes no tocante ao uso da máquina.

Por ora, parece que o governador de São Paulo pretende seguir resistindo às pressões dos correligionários. Impõe a regra do cálculo frio e da lógica pura: "Lula não é candidato e eu não sei se serei candidato", diz.

A questão é até quando a oposição resistirá a entrar na guerra quanto antes como parece desejar o presidente Lula. A resposta seria fácil se consequências fossem senhoras obedientes. Como saber se a estratégia de Serra não fará seu favoritismo minguar? Ou se a mudança de rumo é que renderá prejuízos?

Lula joga seu jogo: não tendo cão, resolveu caçar com gato e, para todos os efeitos, conseguiu transferir a angústia de uma situação adversa para o adversário que, em tese, teria tudo para navegar com o vento a favor.

Filosofia

A definição é de autoria do presidente Lula, exposta durante a franciscana - dando (show) que se recebe (voto) - turnê: "No governo você não pensa, não acredita, você faz ou não faz."

Para todos

O senador João Pedro (PT-AM) fez uma "denúncia" na sessão de sexta-feira de manhã: que parte da imprensa faz oposição ao governo.

Por essa ótica, a crítica, a opinião e até a tomada de posições quando exercidas fora do âmbito partidário se configuram uma ilegalidade.

"A imprensa não permite que o presidente visite um canteiro de obras do seu governo", disse o senador João Pedro.

Não. A imprensa critica o uso partidário que o presidente faz do governo de todos os brasileiros.

E a esse tipo de coisa se opõe sim, com a legitimidade que lhe confere o preceito constitucional da liberdade de expressão.

Não fosse o livre exercício do contraditório, deve se lembrar o senador, o PT não faria carreira nem teria chegado à Presidência.

Eike

De neófitos na área que se movimentam em excesso políticos experientes em geral dizem o seguinte: "Para cachorro novo, fulano está entrando no mato com muita pressa."

Sungão

Diante do uso que se faz do artefato - guarda-volumes de dólares não contabilizados e gabaritos de provas fraudadas -, o desfile do senador Eduardo Suplicy de cuecas vermelhas sobre o terno escuro nos corredores do Congresso só seria quebra de decoro se decoro ainda houvesse para ser quebrado.

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