Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 12, 2009

Suely Caldas -Na contramão da pobreza

O Estado de S. Paulo - 12/07/2009
 


A população brasileira é pobre, mas 35,8% de tudo o que produz ela entrega ao governo em forma de impostos - a carga tributária é de país rico, a maior de todo o mundo em desenvolvimento.

A arrecadação de impostos caiu com a crise, mas o governo gastou mais do que podia e elevou suas despesas em 18,6% este ano, causando desequilíbrio nas contas públicas e déficit primário de R$ 120,2 milhões em maio - o primeiro em muitos anos;

Brasília é a cidade com o maior PIB per capita (R$ 37.600/ano, o dobro de São Paulo e nove vezes mais do que o Piauí), porque seus habitantes - os funcionários públicos - recebem os melhores salários do País. Este ano as despesas com a folha de pessoal do governo federal cresceram 22,6% e vão crescer novamente no segundo semestre, porque o presidente Lula quer elevar ainda mais os salários do funcionalismo e garantir seus votos nas eleições do ano que vem;

O governo federal liberou R$ 1 bilhão para suprir emendas ao Orçamento feitas por deputados para gastos paroquiais e eleitoreiros em seus Estados. Inconformados com o valor, os deputados pedem mais;

Depois de empregar parentes e apadrinhados por atos secretos e favorecer um neto com a intermediação de empréstimos a funcionários do Senado, o senador José Sarney é agora alvo de mais uma acusação: a Fundação José Sarney desviou R$ 500 mil de uma doação de R$ 1,3 milhão feita pela Petrobrás para um projeto (tudo indica) fantasma, já que até agora não apareceu. Como no caso dos empregos protegidos, da casa não declarada à Justiça Eleitoral e em tudo de negativo que ocorre no Senado que ele preside, também neste caso Sarney diz não ser responsável, não é com ele, não sabia de nada...

A lista é interminável, caro leitor. Vamos parar por aqui e examinar a ligação entre os itens descritos acima.

O governo de um país que se apropria de 35,8% de toda a riqueza produzida tem um poder imenso de implementar políticas para distribuir ou concentrar a renda, por meio das escolhas que faz ao manejar o dinheiro público. Ao longo de seis anos e meio de mandato, o governo Lula mais concentrou do que distribuiu renda. Manteve intactas todas as formas de apropriação de verbas públicas por grupos que delas não precisam e ainda criou novas ao inventar convênios com uma profusão de ONGs suspeitas, que fazem evaporar o dinheiro que recebem do governo, aplicando em projetos invisíveis que acabaram por gerar uma CPI no Senado.

Até agora a única escolha acertada de Lula foi ampliar o cadastro e o orçamento do programa Bolsa-Família, mas ele erra ao não oferecer alternativas e meios (ou não sabe como fazer) às famílias beneficiadas para construírem sua autonomia, seu próprio sustento. Nascido como Bolsa-Escola, na gestão FHC, o Bolsa-Família está próximo de completar dez anos. As crianças da época já são, hoje, jovens em idade de trabalhar e o governo não tem a menor ideia do resultado nem sequer fez uma pesquisa para avaliar a eficácia do programa: se, passados dez anos, alcançou ou não seu objetivo; se precisa ou não corrigir seu rumo.

Outros programas sociais, criados no governo Lula, como o Primeiro Emprego, fracassaram. E, enquanto o Minha Casa, Minha Vida não apresentar resultados concretos, o Bolsa-Família será o único bem-sucedido no objetivo de distribuir renda, transferir dinheiro aos mais pobres com a intermediação do governo.

E o que tem ou não feito o governo Lula para agravar a concentração da renda na parcela mais rica da população? O governo aumentou em 18,6% seus gastos correntes, ou seja, gastou o que deveria economizar no funcionamento da máquina pública - em cartões de crédito, passagens aéreas, diárias de viagens, convênios com terceiros, aumento salarial e novas contratações de funcionários. Como a receita tributária não acompanhou isso - pelo contrário, caiu -, o governo decidiu reduzir verbas para investimentos e tomar dinheiro no mercado, expandindo a já enorme dívida pública.

Aplicar dinheiro para melhorar a infraestrutura é um meio eficaz de beneficiar a população inteira, porque atrai progresso, projetos privados e gera empregos. Mas o governo só investe 1% dos 35,8% de que se apropria. Aplicar em saúde, educação, transporte, segurança e habitação também são formas de distribuir renda, já que a população mais pobre é também a mais carente desses serviços. Mas a verba para esses itens não cresceu e a saúde pública continua o caos de sempre.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, argumenta que o aumento de gastos faz parte da política anticíclica para enfrentar a crise econômica. Só que política anticíclica se faz aplicando em investimentos ou em projetos que possam ser revertidos quando a crise passar. E o governo tem aplicado em gastos fixos, que não podem ser suspensos no futuro, como o aumento do funcionalismo a partir de agosto, que vai subtrair R$ 6 bilhões do Orçamento.

Gastar com aumento salarial para quem já ganha o triplo do que ganha o resto da população e com supérfluos para fazer andar a máquina pública é uma forma de concentrar a renda em grupos que já têm mais do que o suficiente para atravessar a crise sem dificuldades.

Sarney e as emendas - Mas o que têm que ver as emendas de parlamentares e as traquinagens da Fundação José Sarney com o poder do governo de distribuir ou concentrar a renda da parcela de 35,8% que lhe cabe da riqueza do País? Quando o Orçamento da União chega ao Congresso, os deputados tratam de fazer emendas e garantir verbas para supostos projetos em seus Estados, quase sempre realizados por empresas fantasmas, ou familiares ou ONGs com eles comprometidas. Não há nenhuma fiscalização da aplicação das verbas. Na verdade, é dinheiro disfarçado para a campanha eleitoral, com o governo federal escolhendo os felizardos. Dinheiro de que governo e parlamentares conscientes se sentiriam obrigados a abrir mão em conjunturas de crise econômica para garantir serviços de saúde e educação. Trocando em miúdos: mais uma vez, o governo federal privilegia os mais ricos.

O caso da Fundação José Sarney é apenas um entre centenas que corriqueiramente ocorrem País afora. Recebeu da Petrobrás R$ 1,3 milhão, desviou pelo menos R$ 500 mil e Sarney ainda é premiado com o apoio político incondicional do presidente Lula. Mais um caso de captura da renda pública em detrimento dos pobres.

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