Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 18, 2009

Sarney, Collor e Renan: companheiros de Lula

da veja

OS NOVOS E BONS COMPANHEIROS

Há alguns anos, seria quase impossível juntar Lula a Collor e Sarney 
em uma mesma frase. Nada tinham em comum. Agora, por um punhado 
de votos, estão no mesmo projeto político. Adivinha quem perdeu?


Otávio Cabral

Hélvio Romero/AE
O PASSADO É PARA SER ESQUECIDO
Lula abraça Collor, seu rival na eleição de 1989, durante evento em Alagoas: 
"Quero fazer justiça ao senador Collor, que tem dado sustentação ao trabalho
do governo no Senado"

 

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Lula está com Fernando Collor e não abre. Para seu passado e para as pessoas que o seguiram com admiração na gloriosa trajetória da liderança sindical até o posto mais alto da hierarquia política do país, a Presidência da República, ele manda "aquele abraço". Os ingleses têm um ditado memorável e adequado a momentos parecidos com esse:"Politics make strange bed-fellows", que se traduz livremente por algo como "a política forma os mais estranhos casais". Mas que casal formam Lula e Collor? Um estranho casal. Lembra um pouco a distinção que o traidor do livro O Fator Humano, do grande romancista inglês Graham Greene, fazia entre o comunismo e o capitalismo. Ele justificava seu trabalho de espionagem em favor da União Soviética com a explicação de que "os pecados do comunismo pertencem ao passado, enquanto os do capitalismo ao presente". Levado ao impeachment em 1992 por corrupção, Collor é o cônjuge cujos pecados pertencem ao passado. Os de Lula são do presente: a vista grossa e a legitimação (dada por sua enorme popularidade) da fisiologia, da corrupção e do coronelismo na política brasileira.

Mais grave talvez do que absolver condutas impróprias ao abraçar certos tipos em público é o objetivo pelo qual Lula se presta a esse papel. Ele abomina derrotas políticas. Toda vez que foi derrotado no Congresso, independentemente da justeza da decisão dos parlamentares, sentiu-se pessoalmente ofendido. A companhia de gente como Collor, José Sarney e Renan Calheiros lhe causa menos desconforto do que derrotas no Congresso. Para evitá-las, ele faz qualquer coisa, até mesmo correndo o risco de passar à história como um democrata com credenciais menos impecáveis do que as que realmente possui. Tamanho é o vigor da Blitzkrieg do Executivo sobre o Congresso que, para muitos analistas, Lula já está desrespeitando o preceito constitucional da independência dos poderes.

Interferências como a ordem dada à bancada do PT para mudar de posição e passar a apoiar José Sarney afrontam a separação dos poderes prevista na Constituição. "Lula comete uma infração ética, política e moral ao interferir em outro poder", afirma o cientista político Octaciano Nogueira. "Essa interferência é um risco à democracia, pois leva ao descrédito o Legislativo, poder soberano, no qual a participação popular é mais efetiva." Com o enfraquecimento do Congresso, o controle do Executivo fica mais frouxo, propiciando até a possibilidade de medidas autoritárias e de exceção.

Roberto Stuckert Filho/Ag. O Globo
AMIGO É PARA ESSAS COISAS Sarney e o jatinho Hawker 800XP, que lhe é emprestado pelo amigo Fecury, ex-assessor feito milionário

 

Todas as constituições brasileiras desde 1824 seguem o preceito da separação dos poderes, o que, é óbvio, não inibiu os governantes de bulir com o Parlamento. Na opinião de Octaciano, todos os governos desde a redemocratização interferiram indevidamente no Congresso. Antes era mais às claras. Getúlio Vargas e os militares simplesmente fecharam o Congresso. O vício recente mais comum é a cooptação de partidos por meio de cargos e verbas para a formação de maiorias. Mas nenhum chegou à obsessão do lulismo, que instituiu o mensalão para controlar a Câmara e, agora, tenta subordinar o Congresso ao Executivo.

Formalmente, diga-se, a separação e a independência entre os poderes não são precondições para o funcionamento de uma democracia. Para ficarmos com um único exemplo, a Inglaterra tem um regime democrático modelar, mas no seu sistema de governo parlamentarista os poderes se embaralham. O chefe do Executivo inglês, o primeiro-ministro, é sempre um membro da Câmara dos Comuns, a câmara baixa do Parlamento – e ele é elevado ao poder ou é apeado dele não pela vontade popular expressa pelo voto direto, mas por decisão da maioria de seu partido. O Poder Judiciário na Inglaterra, por sua vez, é função dos lordes da câmara alta do Parlamento. Se não é, como a Inglaterra demonstra, o voto direto no chefe do Executivo nem a separação ou a independência dos poderes, o que mesmo define a democracia? A garantia de que nenhum grupo político se perpetue no poder.

Sob a pressão do Executivo, o Senado, como profetizou o senador Jarbas Vasconcelos em março passado, vai assumindo a forma de seu atual presidente. Na semana passada, um dos filhos de Sarney, Fernando, foi indiciado pela Polícia Federal por lavagem de dinheiro e falsificação de documentos para favorecer suas empresas em contratos com estatais. Começou a chamar atenção também um dos mimos mais vistosos cultivados pela família Sarney, o jatinho Hawker 800XP, matrícula PP-ANA, com valor de mercado estimado em 7 milhões de dólares. Formalmente, ele pertence à faculdade de Mauro Fecury, ex-funcionário do Palácio do Planalto quando Sarney era presidente e hoje senador (suplente de Roseana Sarney). A política forma mesmo estranhas parcerias.

 

Demissão sem justa causa

Marcello Casal/ABR
PAREDÃO A secretária da Receita Federal, Lina Vieira, caiu por seus defeitos ou por suas virtudes?


É folclórica a dificuldade que o presidente Lula tem de demitir seus auxiliares, mesmo alguns envolvidos em denúncias graves, como corrupção. Talvez por isso tenha sido considerada tão surpreendente a súbita exoneração, na semana passada, da secretária da Receita Federal, Lina Maria Vieira, depois de apenas onze meses no cargo. Há várias especulações quanto aos motivos que provocaram a queda da secretária. O governo ajudou a difundir que um deles seria a paralisia do órgão diante das sucessivas quedas de arrecadação de impostos, o que teria desagradado à equipe econômica. A segunda versão tem um viés político e envolve a Petrobras. Em maio passado, a Receita Federal instaurou procedimento administrativo para apurar uma manobra contábil que teria permitido à estatal deixar de recolher 4,6 bilhões de reais em tributos. A suspeita de fraude serviu de combustível para que a oposição criasse uma CPI para investigar a empresa – intenção que, por alguma razão ainda não muito bem explicada, é tratada como uma grande dor de cabeça para o governo.

O procedimento teria desgastado Lina Vieira junto a seu superior, o ministro Guido Mantega, da Fazenda, que também é membro do conselho de administração da Petrobras. Na semana passada, um dia depois da instalação da CPI no Senado, a secretária foi oficialmente demitida. A Petrobras garante que fez tudo dentro da legalidade. Ainda assim, tanto o governo quanto a Petrobras já mostraram que não estão dispostos a facilitar o trabalho dos parlamentares. Talvez por ser a maior empresa do país e a maior contribuinte do Fisco, a petrolífera se considere merecedora de alguns privilégios. Mas, como qualquer empresa que recolhe tributos, ela deve ser fiscalizada pela Receita Federal. Como qualquer empresa de capital aberto, precisa ser controlada pela Comissão de Valores Mobiliários. Como qualquer empresa que lida com recursos federais, tem de ser auditada pelo Tribunal de Contas da União e, é claro, pode e deve ser investigada pelo Congresso.

A comissão foi instalada com oito membros da base governista e apenas três da oposição. O presidente será o senador João Pedro, do PT do Amazonas, e o relator, Romero Jucá, do PMDB de Roraima, ambos expoentes de primeira grandeza da tropa de choque federal. Não foram eleitos por acaso. Com uma maioria tão ampla e o comando nas mãos de aliados, a CPI investigará apenas o que o governo permitir. "Em um país com democracia plena e economia de mercado, o Congresso e a Receita têm todo o direito de auditar as contas da maior companhia brasileira. Se não tiver nada de errado, a empresa sai fortalecida. Aqui vale o ditado de que quem não deve não teme", avalia Adriano Pires, consultor do Centro Brasileiro de Infraestrutura.

 

Com reportagem de Leonardo Coutinho

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