CULTURA DA PEDOFILIA
O caso do juiz do Trabalho que promovia orgias com
crianças dentro do próprio gabinete, no Amazonas, mostra
que isso ainda é visto como um crime menor no Norte
Diego Escosteguyr
Fotos Vidal Cavalcante/AE e Ana Araujo |
ABUSOS |
Tio Branquinho gosta de meninas – quanto mais novas, melhor. Ele mora na pequena Tefé, no interior do Amazonas, cidade de 65 000 habitantes esquecida no meio da selva, aonde só se chega de barco, numa aventura que se prolonga por quatro horas partindo de Manaus. Tio Branquinho, como é chamado pelas alunas da Escola Estadual Frei André da Costa, comunga de uma mentalidade tristemente comum nos estados do Norte e do Nordeste, a qual tolera, quando não incita, a iniciação sexual de meninas, sejam crianças ou adolescentes, por homens mais velhos. Todo mundo em Tefé conhece há anos os hábitos sexuais de Tio Branquinho. No Brasil, contudo, não importa em qual estado, fazer sexo com menores de idade chama-se pedofilia – e, embora não tenha esse nome nas leis do país, é crime, passível de prisão. Tio Branquinho, ou Antônio Carlos Branquinho, sabe bem disso. Ou deveria saber: ele é um homem da lei, juiz do Trabalho em Tefé. Deveria saber que não pode fazer sexo com meninas, muito menos, creia, nas dependências da Justiça em Tefé, como o Ministério Público Federal descobriu. Há duas semanas, o tempo fechou para Tio Branquinho. Ele foi preso pela Polícia Federal – numa demonstração de que a força dessa mentalidade não é mais a mesma.
A permanência do magistrado na prisão limitou-se a meros cinco dias. Ele foi solto na segunda-feira da semana passada, depois de a polícia ter cumprido os mandados judiciais em busca de mais provas contra ele. As primeiras evidências sobre os abusos sexuais cometidos por Branquinho surgiram em março deste ano. Uma moradora de Tefé enviou um e-mail ao Tribunal Regional do Trabalho, em Manaus. Nele, além de fazer a denúncia de pedofilia, anexou fotos tiradas pelo próprio Branquinho, nas quais crianças estão nuas e o magistrado aparece fazendo sexo com algumas delas, na sede da Vara de Trabalho de Tefé. As fotos acabaram no Ministério Público Federal, que detém a prerrogativa de investigar o juiz – ele tem foro privilegiado no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que fica em Brasília. Assim que perceberam a gravidade do caso, os procuradores regionais de Brasília viajaram para Tefé. Ao lado de policiais federais, descobriram duas testemunhas, antigos funcionários da Justiça trabalhista, que confirmaram a constância e a natureza das práticas sexuais do magistrado. Um deles, que teme represálias (Branquinho tem sete armas registradas em seu nome), narrou que via frequentemente, nas dependências da Justiça de Tefé, as meninas que eram recrutadas por funcionários de confiança do juiz.
Nas buscas feitas nas casas de Branquinho e no local de trabalho do magistrado, os procuradores encontraram muito mais do que esperavam. Ao todo, foram apreendidos 22 HDs de computador, quase todos repletos de arquivos com as orgias do juiz – nas quais também havia mulheres mais velhas. Descobriram-se câmeras de vídeo para gravações secretas e álbuns com fotos de meninas da cidade, quase sempre completamente nuas, algumas fazendo sexo com adultos. No fundo de um armário na residência oficial do magistrado, os investigadores depararam com 101 fitas de vídeo lacradas contendo cenas de sexo, todas devidamente organizadas por data e nome das meninas. A Polícia Federal já começou a periciar o material apreendido. Num relatório preliminar, os peritos identificaram nas fotos meninas de 9 anos de idade. A PF descobriu indícios de que o juiz manteve relações sexuais com pelo menos oito menores.
Na terça-feira da semana passada, Branquinho prestou depoimento ao desembargador Carlos Olavo, relator do caso. Admitiu a autenticidade das fotos, mas disse que as meninas, ao que sabia, eram maiores de idade. Agora, será denunciado criminalmente pelo Ministério Público Federal. Enquanto isso não ocorre, ele conta com o corporativismo dos colegas de tribunal, a quem pediu autorização para se aposentar. A julgar pelo modo como os desembargadores de Manaus trataram seu caso até o momento, Branquinho pode ficar esperançoso. A desembargadora Luiza Maria Veiga, presidente do TRT do Amazonas, recebeu as fotos do juiz em abril – e nada fez. Não encaminhou as evidências à Polícia Federal nem ao Ministério Público, como determina a lei. Tampouco pediu explicações a Branquinho. Sua única decisão consistiu em convocar os demais desembargadores do tribunal, para discutir o assunto numa reunião extraordinária de "caráter reservado". Nesse encontro, os desembargadores limitaram-se a abrir um "procedimento interno" para investigar o caso. Na próxima reunião extraordinária, os senhores desembargadores deveriam convidar a moradora de Tefé, aquela que expôs o juiz. Ela poderia lembrá-los de que as leis do país servem para todos.