Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 01, 2009

FOLHA DE S PAULO ENTREVISTA FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

15 ANOS DE PLANO REAL

Governo está concedendo muitos subsídios

Medida anticíclica não é elevar gasto, mas, sim, melhorar condições de investimento

GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o principal inspirador e avalista do Plano Real, que hoje completa 15 anos, vê hoje com muita preocupação o excesso de gastos do governo para enfrentar a crise econômica. Para ele, há uma certa "anestesia geral" e o governo pode estar exagerando na distribuição de subsídios. A conta, segundo ele, vai ser paga pelo próximo governo. "Medida anticíclica não é aumentar permanentemente os gastos correntes", diz FHC. "Não se pode fazer generosidade à custa do governo futuro." 

 

FOLHA - A que o sr. atribui o sucesso do Plano Real? 
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
 - Houve várias experiências antes do Real e aprendemos com elas a enfrentar a inflação. Aprendemos com os erros. A sociedade se cansou da inflação. As pessoas sentiram que era necessário mudar e que a mudança era possível. Depois, tomamos a decisão certa de fazermos um plano tecnocrático. Nos planos anteriores, as pessoas acordavam e liam no "Diário Oficial" que tudo tinha mudado. Nós tomamos a decisão oposta. Nós fomos à mídia explicar o plano de uma forma muito didática e a população entendeu.

FOLHA - Houve resistências? 
FHC
 - Meus amigos economistas, na época subordinados, achavam que seria difícil a implementação do plano. Alegavam que o governo era fraco, tinha acabado de ocorrer o impeachment e o Congresso estava desorganizado com a crise dos anões do Orçamento. Minha posição era o contrário. Com o Congresso em desorganização e como o governo não tinha muita unidade naquele momento, foi possível uma certa hegemonia e tocar o plano adiante. O Congresso estava sem força, e o governo, procurando uma tábua de salvação. Havia muita gente, inclusive do governo, que queria o controle de preços e que se prendessem supermercadistas. Muitos defendiam a volta dos fiscais do Sarney. Mas não tiveram força para nos opor. Recebemos um apoio amplo de todos os setores econômicos e da mídia. Foi difícil ficar contra o plano. O PT e a CUT saíram com o slogan "Real é pesadelo, não é sonho", mas imediatamente tiveram que tirar das ruas. As pessoas sentiram logo o aumento do poder aquisitivo, a vantagem de seus salários serem reajustados automaticamente. Logo depois do Real, o consumo cresceu imensamente com a queda da inflação. No início de 1995, a economia crescia a taxas anualizadas acima de 12%. Tivemos até que brecar esse crescimento. Como ocorre agora, se largar demais a economia sem investimento, vai haver problemas lá na frente.

FOLHA - Qual foi a principal marca deixada pelo Real? 
FHC
 - O Real deu sentido de proporção. Ninguém sabia o valor de nada. As pessoas aprenderam, por exemplo, o valor da moeda. Aprenderam que não se pode endividar além de um certo limite. Foi o Real que possibilitou, por exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas as pessoas acham que a estabilização está garantida, e não está. É um trabalho permanente. Quantos anos levamos a chegar a esse ponto? Não houve milagre. Foi preciso trabalhar nos fundamentos, refazer orçamentos, ajustar os gastos públicos, o câmbio. Veja que só agora estamos conseguindo baixar as taxas de juros. Quando se tem uma economia doente e inchada como a nossa, a cura não é rápida. Você faz a operação e tem que ajustar todo o corpo à nova situação. Isso já está mais enraizado, nós aprendemos isso, mas mesmo assim neste exato momento as pessoas não estão prestando atenção aos aumentos de gastos públicos. Há uma certa anestesia geral. Não se pode fazer qualquer coisa na economia.

FOLHA - O governo Lula exagera nos gastos? 
FHC
 - Está arriscado a exagerar, sim. O governo está jogando a conta para o futuro. O governo está concedendo muitos subsídios. O pacote anunciado nesta semana está no limite. Você pode dar subsídio a bens de capital, mas, se não tem mercado, não vai adiantar nada. Uma parte da nossa crise depende da solução global. O Brasil não é uma ilha isolada. Até agora, achamos que temos uma situação especial. Lá fora, o mundo vive uma tragédia, e aqui não. Não podemos brincar com fogo. Medida anticíclica não é aumentar permanentemente os gastos correntes, e sim criar condições para aumentar o investimento. O governo está no limite. Demorou a intervir para baixar o juro e agora resolve dar um choque de liquidez. Só que vai ter que tomar cuidado.

FOLHA - Mas os EUA fazem a mesma coisa? 
FHC
 - Os americanos estão na mesma. Eu não sei se o que está se fazendo é um erro, mas não se pode apagar incêndio com outro incêndio. Se sobraram cinzas, há que ter cuidado para não criar novo vento e causar um novo incêndio. Não se pode fazer generosidade à custa do governo futuro. Vamos ver o que acontece daqui para adiante. Uma hora terá que ser contido esse processo de expansão. O governo vai ter que tomar uma decisão importante agora. Vai-se gastar R$ 20 bilhões ou R$ 30 milhões a mais com o aumento do funcionalismo. Tive que enfrentar esse problema no Real e não demos o aumento de salário. Se isso ocorresse, haveria uma superpressão do consumo e a inflação iria voltar. Às vezes, é necessário aceitar o risco da impopularidade. Vamos ver se o governo vai ter a grandeza de um estadista ou se vai surfar na onda. O estadista tem que pensar na onda positiva do longo prazo.

FOLHA - O que Lula vai fazer? 
FHC
 - Não sei, até agora ele foi surfando na onda, mas nunca foi desafiado. Vamos ver o que ele vai decidir. Não é muito fácil não dar aumento, ainda mais perto da eleição. Mas, de qualquer forma, quem vai pagar o preço maior será o futuro governo. O que parece é que ele não está acreditando muito na continuidade do seu governo depois das eleições, senão ele não seria tão liberal na política de gastos.

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