Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 11, 2009

Conflito sangrento com minoria muçulmana

AS VÍSCERAS DO DRAGÃO

Protestos da minoria uigure são o pesadelo da China, onde 
a repressão já não é suficiente para abafar as tensões étnicas


Thomaz Favaro

Peter Parks/AFP
OS MUÇULMANOS QUE ASSUSTAM PEQUIM 
Uigures protestam contra a prisão de parentes nos tumultos

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Um protesto de uigures – minoria muçulmana de língua turca da província de Xinjiang, no extremo ocidental da China – foi o estopim de uma disputa com chineses étnicos na semana passada que deixou um saldo de 184 mortos e mais de 1 000 feridos, o conflito mais sangrento desde o massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989. O governo de Pequim foi rápido e brutal na repressão dos distúrbios, mas não conseguiu desfazer a impressão de que o país padece do mesmo desarranjo nacional que levou ao esfacelamento do Leste Europeu. Em ambas as regiões, a mão dura do comunismo abafou diferenças étnicas e uma multiplicidade de aspirações nacionais durante décadas. Com a queda do Muro de Berlim, a panela de pressão explodiu em guerras e na contínua fragmentação dos antigos satélites soviéticos em nações cada vez menores – Kosovo, o último país a declarar a independência, tem território equivalente ao da cidade de Manaus.

O temor na China deve-se justamente ao fato de, por baixo da imagem de homogeneidade propagandeada pelo Partido Comunista, haver uma miríade de povos, línguas e religiões. Os membros da etnia han compõem 92% da população do país e são os chineses propriamente ditos. Outros 112 milhões de chineses pertencem a alguma das 55 etnias minoritárias. Há 9 milhões de uigures, o equivalente à população da Suécia. Durante dois breves momentos no século XX, eles formaram um país independente, sob o nome de Turquestão Oriental. De resto, sua história é basicamente a de um povo subjugado pelo Império do Meio e pelos mongóis. Há semelhanças entre os uigures e os tibetanos. Os dois povos vivem nas regiões montanhosas e desérticas, e ambos se ressentem do domínio exercido pelos chineses. Mas o resto do mundo dá ouvidos aos tibetanos – e as costas à minoria uigure. O nacionalismo uigure talvez seja mais preocupante para Pequim. O fim da União Soviética encheu a Ásia Central de países com povos aparentados aos uigures: Cazaquistão, Quirgistão, Tadjiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão. Por que não um Uiguristão? A violência na província é intermitente. No ano passado houve vários atentados terroristas, um dos quais matou dezessete policiais. Os uigures também não são imunes aos apelos da jihad, que inflama muçulmanos em escala global. O estopim do conflito da semana passada – o linchamento de dois uigures por colegas han numa fábrica de brinquedo no sul da China – e a multidão chinesa que, armada de paus e facas, saiu a perseguir uigures em Xinjiang dão a medida da gravidade das tensões étnicas.

Se os uigures e os tibetanos declarassem independência, os chineses acordariam com um território 30% menor. A tática de Pequim tem sido enviar chineses para essas regiões e promover uma integração forçada. Em Xinjiang, 45% da população é uigure – em 1949, eram 75%. A mesma "política do liquidificador" foi adotada pela União Soviética, que mandava russos para povoar as repúblicas sob o jugo de Moscou. Os uigures ganharam alguns poucos privilégios do governo – não são obrigados a seguir a política de filho único – e muitas proibições. Embora sejam muçulmanos, não podem jejuar no mês do Ramadã nem fazer a peregrinação a Meca. Eles são tratados como cidadãos de segunda classe e, nos últimos anos, assistiram à ascensão de uma nova classe média han na região, que cresceu à custa da exploração dos recursos naturais de Xinjiang, província que concentra 20% das reservas de gás e 15% das de petróleo.

Para os han, os uigures são ingratos, pois não reconhecem o progresso econômico que Pequim trouxe para a região. Tanto a selvageria em Xinjiang como os distúrbios em Lhasa, a capital do Tibete, no ano passado, mostram, na verdade, que a modernização não é suficiente para abafar os sentimentos antichineses. "Para a liderança do Partido Comunista, é consenso que a repressão aos movimentos separatistas funciona", disse a VEJA o analista político americano Russell Leigh Moses, da Universidade de Renmin, em Pequim. Os chineses têm a história a seu lado. Na Europa, as nações comunistas viveram sob o domínio de Moscou por muito menos tempo. Depois de séculos de dominação han, a maior parte das etnias convive em relativa harmonia: uigures e tibetanos são praticamente os únicos que ainda não abdicaram de uma nação independente. Se depender de Pequim, seus sonhos serão destruídos mais cedo ou mais tarde, nem que seja à força de paus e pedras.

Com reportagem de Renata Moraes


Luta esquecida

Rebiya Kadeer, de 62 anos, presidente do Congresso Uigur Mundial, é a principal porta-voz de seu povo no exterior. Desde que deixou a prisão na China, ela vive nos Estados Unidos. Rebiya Kadeer conversou com a repórter Renata Moraes.

Pablo MartineZ Monsivais/AP


O que querem os uigures?
 A maioria dos uigures não é separatista, só quer ter liberdade religiosa e maior autonomia. Nossa cultura, língua e religião estão sendo massacradas. Mas o governo chinês só responde com prisões arbitrárias, tortura e execuções.

Por quê? O Partido Comunista encara a diferença cultural como uma ameaça e quer uniformizar toda a população. Quem se mostra insatisfeito com o governo é tachado de separatista ou terrorista.

Por que os uigures não recebem a mesma atenção que o Tibete? Não temos um líder carismático como o Dalai-Lama. A opressão aos budistas também tem mais apelo que a repressão aos muçulmanos, principalmente após o 11 de Setembro.

A senhora nasceu pobre e se tornou uma das mulheres mais ricas do país. Como foi sua trajetória? Eu enriqueci nos anos 70 e 80, quando a China queria manter um bom relacionamento com as minorias. Só cheguei a ser uma empresária tão bem-sucedida porque o governo me transformou em símbolo da "tolerância" étnica. Na China, você só prospera com o apoio estatal.

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