As finanças são um jogo perigoso e algumas invenções dos homens nesse campo não passam de catástrofes anunciadas.
Uma das invenções é o princípio consagrado nesta crise como "grande demais para falir" (too big to fail). É a ideia de que banco que pode produzir estragos sistêmicos (quebra em cadeia) não deve quebrar. É uma concepção que não tem como acabar bem.
Essa regra parece ter sido formulada nos anos 70. Na crise das pontocom, em 2001, passou a ser objeto de um acordo secreto partilhado entre dirigentes do Grupo dos Sete (G-7). Em março deste ano, os ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais do Grupo dos 20 (G-20) assinaram compromisso formal de que instituições capazes de criar crise sistêmica não podem falir.
No Brasil, essa regra foi a que fundamentou o Proer, o socorro aos bancos nos anos 90, com a particularidade de que foi usado para proteger os depositantes, e não os acionistas. Nesta crise, está sendo colocada em prática tanto nos Estados Unidos como na Europa, com o objetivo de proteger também os acionistas.
O problema está em que os bancos trabalham descasados. Tomam recursos (fazem dívidas) a curto prazo e reemprestam a prazos mais longos. A caderneta de poupança, por exemplo, é devida à vista pelo banco. Mas o dinheiro é repassado para o mutuário da casa própria que tem até 20 anos para devolvê-lo, em suaves prestações mensais.
Esse descasamento produz enorme vulnerabilidade. Se, por algum motivo, um grande número de depositantes pedir ao mesmo tempo seu dinheiro de volta, o banco não terá como pagar porque os recursos não estão lá. Essa é a principal razão técnica que obriga os bancos a trabalhar com grandes reservas. E uma regra de ouro estabelecida pelos acordos de Basileia diz que um banco não pode emprestar dinheiro acima de 12 vezes seu capital.
O problema é que o princípio de que banco grande não pode quebrar abre uma enorme avenida para lambanças: para que ser responsável, se na hora da explosão lá estarão as autoridades para o socorro já previsto?
Hoje, os bancos americanos emprestam até US$ 35 por cada dólar que possuem de capital. Na Europa a média é mais assustadora: US$ 45 por dólar. Somem-se as notórias falhas de supervisão; a falta de critérios com que as agências de classificação de risco distribuíram certificados AAA para títulos de dívida; e a impressionante disposição das empresas de auditoria a fechar os olhos para irresponsabilidades bancárias - e teremos um espantoso arsenal nuclear, prontinho para destruir o mundo financeiro.
A vitoriosa experiência do Proer brasileiro sugere que o problema não está em simplesmente garantir socorro aos bancos nas horas difíceis, mas na maneira como o princípio passou a ser aplicado nos países ricos.
Para dar certo, precisaria, em primeiro lugar, garantir eficácia na fiscalização e na supervisão de modo a assegurar a observância dos critérios de boa governança bancária, tais como consagrados nos Acordos de Basileia.
E, em segundo lugar, jamais estender o socorro aos acionistas e dirigentes dos bancos: abusou, tem de assumir as consequências. O problema é que as novas regras em implantação para prevenir crises financeiras não abrangem isso. Se continuar assim, novas crises já estarão encomendadas.
Luz amarela - O presidente Lula determinou sexta-feira que o Tesouro pague os reajustes do funcionalismo antes suspensos em razão da quebra da arrecadação, que continua em queda.
Esta é uma despesa com características eleitorais. Não é parte de política anticíclica porque cria despesas irreversíveis. Não produzirá riquezas porque não são investimentos.
Além disso, Lula determinou que parte do PAC saia do cálculo do superávit primário. Isso significa que haverá menos dinheiro para pagar a dívida. Ainda não dá para afirmar que as contas públicas estejam desandando. Mas o risco é esse.
Entrevista:O Estado inteligente
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