Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 11, 2009

Bento XVI: encíclica sobre o trabalho

ATESTADO PROGRESSISTA

Em sua nova encíclica, o papa Bento XVI surpreende 
ao reconhecer o papel do lucro na produçãoda riqueza 
e os méritosdo capitalismo globalizado


Leandro Beguoci

L'Osservatore Romano/AP
MENSAGEM PAPAL
Para Bento XVI, sem a perspectiva de vida eterna, o mundo está
condenado a girar em falso

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Desde Leão XIII, autor da encíclica Rerum Novarum, promulgada em 1891, a primeira a tratar do mundo da economia e do trabalho, os papas debruçam-se sobre o tema. Ele entrou na lista de preocupações da Igreja Católica quando as transformações promovidas pela industrialização, entre as quais a criação de uma classe operária que vivia em condições degradantes, começaram a fornecer combustível farto à expansão das ideologias esquerdistas, ateias e anticlericais. Com a derrocada do comunismo, o Vaticano resolveu fustigar o capitalismo, antes alvo apenas periférico de seus documentos. Em meio à crise financeira que abalou os alicerces da economia mundial, Bento XVI fez conhecer na semana passada sua primeira encíclica a respeito do assunto: Caritas in Veritate (A Verdadeira Caridade), com 127 páginas. É a terceira do seu pontificado, iniciado em 2005 – as duas anteriores são Deus Caritas Est, de 2005, em que fala do amor de Deus pelos homens e busca entender as simetrias e assimetrias entre amor carnal e espiritual, e Spe Salvi, de 2007, em que trata do significado da esperança cristã.

Caritas in Veritate surpreende porque não demoniza o sistema capitalista. No documento, o papa parte da teologia para abordar aspectos concretos que afetam seu rebanho. Ele diz que, "sem a perspectiva de uma vida eterna, o progresso humano fica privado de respiro". E que um mundo que abdica da religião está condenado a girar em falso, de crise em crise, porque não tem base moral. Mas, pouco afeito ao misticismo, Bento XVI afirma que "a religião precisa sempre ser purificada pela razão". As consequências da falta de Deus no dia a dia, segundo o papa, são a precariedade das condições de trabalho para milhões de pessoas espalhadas pelo planeta, o desemprego galopante, a pobreza e a perda de dignidade. "A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos", assinala.

Ao contrário de seu antecessor, João Paulo II, o atual papa reconhece o papel do lucro como motor da economia e que, nas últimas décadas, milhões de pessoas foram tiradas da pobreza e elevadas aos patamares de bem-estar da classe média. A globalização que não nos faz irmãos é elogiada pelos avanços que trouxe em seu bojo e é vista como um fato incancelável. Bento XVI critica os ecoxiitas e sua visão "neopagã" de que a praga do mundo é o homem e de que o desenvolvimento econômico é nocivo. Ao mesmo tempo, claro, defende o bom uso dos recursos naturais. Elogia as ONGs e seu papel em amenizar o sofrimento de milhões de pessoas. Critica as estruturas burocráticas e dispendiosas das Nações Unidas e propõe que a organização dê mais voz aos países pobres. Engrossa o coro dos que pedem o fim do protecionismo, dos subsídios e subvenções abusivas nos países desenvolvidos.

Em todas as passagens, o papa faz questão de afirmar que as sugestões apresentadas pela Igreja teriam consequências positivas para a economia – ou seja, criariam mais riqueza. "A encíclica deixa claro que não há solução, hoje, fora do capitalismo. Durante algum tempo, a Igreja não sabia como lidar com a globalização econômica. Essa encíclica resolve o problema. O desenvolvimento é bom, desde que tenha a humanidade como foco e Deus como fundamento", diz o teólogo Mario de França Miranda, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, que entre 1992 e 2003 integrou a Comissão Teológica Internacional do Vaticano, então presidida pelo cardeal Joseph Ratzinger – hoje Bento XVI.

Financistas e empresários às voltas com custos crescentes e lucros descendentes pensam ainda menos em religião. Mas papas às voltas com uma descrença crescente e número de fiéis descendente passaram a pensar mais em questões econômicas, para além daquelas que afetam os cofres de São Pedro. Como o Vaticano não imprime moeda, não estabelece taxas de juros e não tem capacidade para interferir nos mercados, as opiniões de seu chefe pouco ou nada pesam sobre o que ocorre no universo dos financistas, empresários e trabalhadores que deles dependem. Contudo não deixa de ser bom para o rebanho quando as opiniões de um papa ficam mais próximas da realidade, como demonstra essa terceira encíclica de Bento XVI.

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