Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 04, 2009

Aviação Só um sobrevivente na queda do Airbus

VEJA

Milagre em meio à tragédia

A emocionante história da adolescente francesa que é a única 
sobrevivente do Airbus que caiu no Oceano Índico. Ela passou 
treze horas no mar à espera de resgate


Laura Ming

Stephane de Sakutin/AFP
EM SEGURANÇA
Bahia Bakari no hospital: na hora do resgate, estava tão enfraquecida que não conseguia agarrar a boia

VEJA TAMBÉM

Um mês após o desastre com o Airbus da Air France que mergulhou no Atlântico e matou seus 228 ocupantes, entre eles 59 brasileiros, outro acidente com um avião de grande porte ocorreu na segunda-feira passada. Um Airbus A310 da Yemenia Airways, companhia aérea estatal do Iêmen, caiu no Oceano Índico próximo às Ilhas Comores, na costa leste da África, com 153 pessoas a bordo. O espantoso no desastre é que houve um único sobrevivente, uma adolescente francesa de ascendência comorense, Bahia Bakari. As estatísticas mostram que dois terços das vítimas de acidentes aéreos sobrevivem(veja entrevista sobre segurança aérea), mas ser o único sobrevivente de um desastre é um acontecimento raro. Desde 1970, houve apenas treze acidentes aéreos nos quais um único ocupante do avião saiu vivo. Quando a equipe de resgate encontrou Bahia Bakari, de 12 anos, boiando no mar agarrada a um destroço da aeronave, ela estava com hipotermia, tinha escoriações pelo corpo e a clavícula fraturada.

De acordo com o ministro francês de Cooperação Internacional, Alain Joyandet, Bahia teria permanecido sobre as águas por mais de treze horas – um tio da menina diz que foram apenas cinco horas – entre corpos e destroços do avião. Enfraquecida, não conseguiu sequer agarrar a boia que o resgate lhe jogou. Um dos membros da equipe teve de mergulhar e levá-la até o barco, onde foi aquecida com cobertores e tomou água com açúcar. A história é ainda mais surpreendente porque a garota não sabia nadar bem. "Ela teve de superar a desidratação e a perda de temperatura corporal causadas pela água do mar, além do choque emocional pelo acidente", diz Carlos Gerk Filho, especialista em medicina aeroespacial do Rio de Janeiro. Bahia tinha embarcado em Paris com sua mãe rumo às Ilhas Comores, onde pretendiam passar as férias escolares com parentes.

Ainda não se sabem as causas do acidente com o Airbus da Yemenia Airways. A única sobrevivente tem apenas vagas lembranças do ocorrido. Ela se lembra de ter ouvido os comissários de bordo pedir aos passageiros que afivelassem os cintos de segurança e de estar na água por várias horas antes de o resgate chegar. Segundo o relato do pai da menina, Kassim Bakari, ela teria percebido que o avião caía em direção ao mar. "Quando o avião bateu na água, ela achou que tivesse sido eletrocutada", conta Bakari, que não teve coragem de contar à filha que sua mãe, quase certamente, está morta. A maioria dos passageiros do Airbus da Yemenia Airways era de franceses e comorenses, muitos com dupla nacionalidade. O avião estava a 15 quilômetros da costa. Já havia iniciado o procedimento de descida, o que significa que estava reduzindo sua velocidade e altitude. Metade dos acidentes aéreos acontece na aproximação da pista e no pouso. Bahia já consegue andar e conversar. Tudo indica que ela foi projetada ao mar de uma altura baixa, provavelmente quando o avião se chocou com a água. Muitos passageiros podem ter morrido durante o impacto ou presos à fuselagem submersa do avião. A adolescente contou ter ouvido vozes de outras pessoas no mar durante a noite. Isso sugere que, se o resgate tivesse sido mais rápido, haveria mais sobreviventes. Na quinta-feira, Bahia foi levada num avião do governo francês para um hospital em Paris, onde se encontrou com o pai.

Mesmo antes do acidente, as autoridades francesas de aviação já estavam analisando as condições de segurança dos voos da Yemenia Airways. O avião que caiu tinha sido proibido de voar na França em 2007, devido a irregularidades na manutenção. A empresa deixou de usá-lo em voos em território francês, mas continuou a operá-lo em outras rotas. No início da viagem fatídica, os passageiros embarcaram em Paris num modelo melhor e mais moderno, o Airbus A330. Na escala em Sanaa, capital do Iêmen, de onde deveriam alcançar Moroni, capital das Ilhas Comores, foram transferidos para o A310 banido pelas autoridades francesas. A empresa rebate as acusações de que o avião não tivesse condições de voar dizendo que seus defeitos eram desprezíveis e já haviam sido corrigidos. A culpa pelo acidente, alega a Yemenia Airways, foi do mau tempo. O acidente motivou protestos da comunidade comorense em Marselha, formada por 80 000 pessoas. Elas afirmam ter alertado repetidamente as autoridades francesas de que os voos da Yemenia costumam carregar mais passageiros do que comportam os aviões. Além disso, dizem, é comum haver poltronas quebradas e sem cintos de segurança.

A aeronave acidentada operava havia dezenove anos e, portanto, não era nova. Mas esse não é um fator de risco. Diz Carlos Camacho, diretor de segurança de voo do Sindicato Nacional dos Aeronautas: "É comum que aviões dessa idade sejam usados na aviação comercial. O problema é quando sua manutenção é malfeita". Na semana passada, o comissário de Transportes da União Europeia, Antonio Tajani, propôs criar uma lista negra global das companhias aéreas que não respeitam as normas de segurança. Já existe uma lista negra europeia com cerca de 200 companhias, na maioria africanas e asiáticas, que não podem voar dentro da Europa. A Yemenia Airways não figura nessa lista. Mas, após o acidente, a empresa será reavaliada. Equipes francesas auxiliam nas buscas pela caixa-preta do Airbus A310 e por sobreviventes do desastre, mas especialistas dizem que dificilmente outras pessoas serão encontradas com vida. Tudo indica que Bahia Bakari permanecerá como o milagre em meio à tragédia.


Caiu como uma pedra

FAB/AP
Os destroços falam
A análise feita pela França das partes resgatadas do Airbus A330 indica que o avião só se despedaçou ao colidir com o mar


Os detalhes da queda do voo 447 da Air France, na rota Rio de Janeiro-Paris, no fim de maio, começam a emergir das investigações de seus destroços. O primeiro relatório elaborado pelo Escritório de Investigações e Análises para a Aviação Civil da França (BEA, na sigla em francês), divulgado na semana passada, sustenta que o Airbus A330-200 caiu de barriga nas águas do Oceano Atlântico. Isso significa que, no momento do impacto, boa parte da fuselagem do avião ainda estava inteira. As autoridades francesas basearam suas afirmações na análise dos 640 fragmentos da aeronave resgatados do mar. Há três semanas, VEJA publicou reportagem com uma conclusão idêntica a partir de entrevistas com os legistas e outros profissionais que participaram do reconhecimento dos corpos das vítimas da tragédia. Segundo eles, a maior parte dos cadáveres apresentava o "sinal das quatro fraturas" – expressão usada para classificar vítimas com fraturas nos ombros e nas pernas. No caso das vítimas do voo 447, elas teriam sido causadas pela colisão com a água e pela brusca desaceleração do jato.

O relatório francês corrobora a hipótese de como o avião chegou ao mar, mas não aponta as razões de sua queda. Os franceses argumentam que só a descoberta das caixas-pretas, ainda desaparecidas, pode deslindar as causas da tragédia. Os investigadores continuam a avaliar o papel dos sensores de velocidade, os pitots, no desastre. "Suspeitamos da contribuição dos tubos de pitot para a perda de indicações de velocidade", disse Alain Bouillard, investigador-chefe do BEA. "Mas eles são apenas um fator, não a causa do acidente."

O texto francês também lança suspeitas sobre o controle aéreo brasileiro. Na mais grave delas, acusa os brasileiros de não repassar o plano do voo 447 aos controladores do Senegal. De acordo com a França, essa falha atrasou a busca pelo avião. Para provar que essas denúncias eram infundadas, a Força Aérea Brasileira divulgou a gravação do diálogo no qual o controlador brasileiro informa a seu colega senegalês o momento em que o voo 447 entraria no espaço aéreo do país africano. A Aeronáutica mostrou também que o Senegal levou duas horas para perceber o desaparecimento do Airbus da Air France. Um acordo celebrado por Brasil e Senegal prevê que isso deveria ter ocorrido apenas três minutos depois do sumiço do avião. Não é a primeira troca internacional de farpas neste episódio. Há três semanas, o diretor do BEA, Paul-Louis Arslanian, criticou o Brasil por impedir o acesso de médicos franceses aos trabalhos de autópsia das vítimas. Segundo a Polícia Federal, enquanto Arslanian fazia essa declaração, quatro legistas de seu país participavam das perícias. Só foram deixados de fora os que não se credenciaram para o trabalho junto à Polícia Federal.

Leonardo Coutinho

Arquivo do blog