do Blog DEMOCRACIA POLITICA E NOVO REFORMISMO
Sergio Lamucci, de São Paulo
DEU NO VALOR ECONÔMICO
O economista Yoshiaki Nakano acha improvável o Brasil escapar de uma contração do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Embora veja uma grande dificuldade para fazer previsões no atual cenário de incerteza, ele acredita que a economia brasileira pode ter uma queda de 2% a 4% em 2009 se a política econômica continuar como está. Diretor da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Nakano diz que é fundamental destravar o crédito, reduzindo muito mais os depósitos compulsórios e os juros básicos. O Brasil, segundo ele, foi atingido com força pela crise principalmente porque "houve uma monumental barbeiragem das autoridades monetárias". O Banco Central demorou a agir e, quando o fez, foi tímido, critica Nakano, ex-secretário da Fazenda paulista.
A variação negativa do PIB, porém, não é irreversível, acredita ele. "É possível reverter essa situação, mas são necessárias medidas corajosas e muito fortes do lado do crédito", afirma Nakano, defendendo reduções mais significativas dos compulsórios e da taxa Selic. Ele vê espaço limitado para uma política fiscal anticíclica, num cenário de queda na arrecadação e aumento expressivo de gastos correntes.
Para Nakano, a crise no Brasil se desenvolveu de modo atípico, por não ter começado com uma contração de demanda. O travamento do crédito afetou imediatamente a oferta, com o tombo da produção, o que ajuda a explicar por que ela não é tão perceptível, diz Nakano. Num segundo momento, porém, a piora do mercado de trabalho afetará o consumo, lembra ele.
Nakano diz que o Brasil vivia uma situação singular antes da eclosão da crise, com a formação de "um novo polo dinâmico baseado na expansão do mercado doméstico". "Nós estávamos caminhando para um modelo de mercado de consumo de massa, que os americanos inventaram no fim do século 19 e no começo do século 20." Se for reativado o crédito, é possível retomar essa dinâmica, acredita Nakano, ressaltando, contudo, que não está defendendo uma economia fechada.
"É necessário expandir obrigatoriamente as exportações para o país poder importar mais porque a nova tecnologia vem sob a forma de novos bens de capital mais modernos." O economista acredita, aliás, que o Brasil pode conseguir aumentar as exportações mesmo com um mundo em recessão. A desvalorização do câmbio tende a ajudar o Brasil a vender mais para o exterior, aumentando a competitividade dos produtos manufaturados especialmente na América Latina e nos EUA, diz ele. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Por que a economia brasileira foi tão atingida pela crise?
Yoshiaki Nakano: A reação foi tão violenta porque houve uma monumental barbeiragem das autoridades monetárias. Há diversos canais por onde a crise chegou aos países emergentes. Um canal é exportação e importação. Esse ainda vai ter mais efeitos, mas ainda não teve um impacto brutal, particularmente porque as exportações já estavam caindo. Há um outro canal que afeta muito que ocorre via contágio, expectativas. Mas o canal por onde realmente a crise veio foi o do crédito. Quando o crédito externo se interrompeu, automaticamente se reverteu o fluxo de capitais. Ela veio pelo crédito externo associado ao contágio, à incerteza, ao medo. Isso fez com que os bancos paralisassem o crédito, o que gerou um quase pânico na indústria. É por causa disso que o investimento foi o componente da demanda que mais caiu. A queda do investimento no quarto trimestre de 2008 dá uma taxa anualizada de 45,3%.
Valor: Mas o BC reduziu bastante o compulsório, estimulou os bancos maiores a comprar a carteira de crédito dos bancos menores...
Nakano: Mas isso não foi suficiente. Ele foi muito tímido, porque, para começar, não conseguiu contrabalançar o travamento do crédito. E, mais do que tímido, o BC reagiu muito mais depois de a crise já ter ocorrido e os pequenos bancos estarem com problemas de recursos. Eles não estavam conseguindo captar recursos. Quando houve o travamento, era necessário imediatamente ter expandido o crédito doméstico para compensar a restrição que vinha de fora.
Valor: O que ele deveria ter feito?
Nakano: Reduzir o compulsório e reduzir a taxa de juros rapidinho. Em setembro, estava absolutamente claro que a crise estava chegando. Em outubro, as empresas estavam em pânico porque os bancos cortaram o crédito.
Valor: O sr. acha que ele deveria ter cortado os juros em outubro?
Nakano: Não, deveria ter cortado em setembro [em 10 de setembro, cinco dias antes da quebra do Lehman Brothers, o BC elevou a Selic de 13% para 13,75%]. Era uma crise brutal que estava chegando.
Valor: Mesmo com a defasagem da política monetária, o sr. acha que a queda de 3,6% do PIB no quarto trimestre é culpa em parte das autoridades monetárias?
Nakano: Grande parte, ou quase toda. Poderia ter sido muito mais suave. O nosso sistema bancário não tem nenhum problema. O canal da queda nos preços dos ativos teve um impacto relativamente limitado no Brasil. O crucial foi o crédito. Os bancos ficaram apavorados. O BC deveria ter agido com rapidez e expandido o crédito. Houve momentos em que a base monetária dos EUA cresceu 350%. Isso ocorreu em quase todos os países. Os BCs flexibilizaram rapidamente a política monetária, com exceção do nosso.
Valor: No terceiro trimestre, a economia brasileira cresceu 6,8% em relação ao mesmo período do ano anterior. O BC poderia ter reduzido os juros mesmo nesse cenário?
Nakano: O instrumento adequado não era a política monetária, era fiscal. Primeiro, porque os nossos juros já eram muito altos. O governo deveria ter feito uma política fiscal contracionista, inclusive porque nós estávamos com o déficit em conta corrente subindo muito rapidamente. Não deveria usar a política monetária, porque apreciaria o câmbio mais ainda. O instrumento adequado era a política fiscal. Ela não apenas comprimiria a demanda, como ajudaria o problema do setor externo que estava sendo criado. Era melhor conter a demanda agregada com política fiscal, cortando despesa corrente, e não investimento.
Valor: Em janeiro, o BC cortou os juros em 1 ponto percentual e em março, em mais 1,5 ponto. É pouco?
Nakano: É pouco, tem que cortar mais, e reduzir mais o compulsório. As empresas ainda reclamam da dificuldade de obter crédito. Essa crise no Brasil é diferente da crise típica, que começa com a contração da demanda. A demanda cai, o comércio tem redução nas vendas, isso repercute na indústria e depois nos serviços. Essa é a sequência normal nas crises. Nesta crise, não. A demanda continuou alta, mas houve um travamento no lado da oferta, da produção. Tirando os setores que dependem diretamente do crédito, como automóveis, o varejo continuou a operar como se não existisse crise. As vendas dos supermercados, por exemplo, estão bem. Esse desemprego mais para frente vai afetar os supermercados também, mas essa crise não é tão perceptível porque não começa do lado da demanda.
Valor: De que modo se dá o impacto desta crise?
Nakano: Há o bloqueio do investimento, da produção, por um motivo muito simples. O crédito é um elemento fundamental para os circuitos econômicos funcionarem, para as transações econômicas ocorrerem. Se isso se contrai abruptamente, desorganizam-se todas essas ações.
Valor: O país estava num ciclo em que o investimento crescia próximo ou acima de dois dígitos. Essa pausa é temporária ou nós vamos ficar vários trimestres com o investimento estagnado ou em queda?
Nakano: Acho que serão diversos trimestres. Só quando a demanda começar a crescer para valer sistematicamente os empresários voltarão a investir.
Valor: A recuperação da demanda virá pelo mercado interno ou pelo setor externo?
Nakano: Pelo mercado interno. O Brasil passava por uma situação bastante singular. A recuperação da economia começou de fora, a partir de 2003, com o aumento dos preços de commodities, o boom global, as exportações crescendo. Mas não foi a expansão das exportações que gerou esse crescimento recente. Foi a criação de um novo polo dinâmico baseado na expansão do mercado doméstico. Isso ocorreu por um motivo estrutural. A taxa de natalidade no Brasil atingiu o pico em 1984. A partir de 2000, mais ou menos, começa uma mudança muito significativa. A população em idade de entrar no mercado de trabalho começa a cair, em termos absolutos. O mercado de trabalho fica muito menos pressionado. Com isso, cria-se uma nova dinâmica no mercado de trabalho. As empresas contratam trabalhadores, são obrigadas a formalizá-los e, à medida que tem que elevar os salários, começam a priorizar aumentos de produtividade. Foi criado um círculo virtuoso, em que se geram empregos formais, com salários maiores. A base começa a subir e há esse fenômeno de redistribuição de renda no Brasil. Por sua vez, isso gera uma pressão para os empresários aumentarem a produtividade, o que permite que os salários reais aumentem. Mas a margem de lucros também cresceu, porque os salários cresceram menos que a produtividade. Nós estávamos caminhando para um modelo de mercado de consumo de massa, que os americanos inventaram no fim do século 19 e no começo do século 20.
Valor: É possível retomar essa dinâmica de crescimento?
Nakano: Sim, mas depende de fazer as políticas adequadas. É fundamental retomar o crédito, evidentemente, e ter juros muito menores. Esse processo também foi alavancado por um período curto em que o mercado de capitais fez uma espécie de "by pass" no sistema bancário. Como o sistema bancário está atrelado a juros muito altos, os recursos vieram por meio do mercado de capitais. Nós precisamos retomar esse processo de expandir o mercado financeiro e ter juros bancários menores. Uma outra coisa fundamental é continuar aumentando a produtividade. Eu não estou sugerindo um modelo de economia fechada. É necessário expandir obrigatoriamente as exportações para poder importar mais, porque a nova tecnologia vem sob a forma de novos bens de capital mais modernos.
Valor: Mas dá para exportar mais nesse mundo recessivo?
Nakano: Sim, porque se nós tivermos uma política cambial mais agressiva, a nossa participação em cada um dos mercados é ínfima. Acho que o câmbio ainda vai se desvalorizar mais. O mundo mudou. Aquele período de abundância de capital acabou. Mas é possível ter saldos comerciais maiores, porque nós estávamos com o câmbio valorizado e o que estava gerando déficit em conta corrente era uma expansão muito veloz nas importações. Com o câmbio adequado, você não vai ter isso. Em função do dólar barato, nós estávamos perdendo mercado para os chineses. Com o câmbio mais agressivo, o Brasil compete com chineses, principalmente na América Latina e nos EUA. Nos últimos anos nós descolamos mais da economia americana e colamos mais com a economia chinesa, porque nós estávamos privilegiando exportações de commodities e menos de manufaturados. Com o câmbio mais competitivo, o Brasil volta a exportar para a América Latina, para os EUA, que compram mais produtos manufaturados, e ainda tem a vantagem de poder contar com o mercado chinês, que certamente vai continuar a importar commodities. A China vai desacelerar, mas não vai parar de crescer. Eles têm uma meta de crescimento de 8%, e têm a competência para atingir essas taxas.
Valor: Há uma queda de arrecadação e uma alta forte de gastos correntes. Há espaço para política fiscal anticíclica no Brasil?
Nakano: Muito pouco. Na fase de expansão do ciclo, o melhor teria sido reduzir as despesas correntes, diminuindo a participação das despesas de consumo do governo no PIB, para abrir espaço para a expansão do investimento e das exportações líquidas. Com isso, haveria mais chance de fazer alguma coisa de política fiscal. O espaço para isso hoje é muito limitado.
Valor: O Morgan Stanley prevê queda de 4,5% do PIB e o governo aposta em crescimento de 2%. Quem está certo?
Nakano: Nenhum dos dois, porque fazer previsão nesse quadro de incerteza é impossível. Ainda há instrumentos para o governo brasileiro reagir. Eu já falei em redução de compulsórios e que há muito espaço para reduzir os juros. O futuro neste ano ainda depende muito de decisões de natureza de política econômica. Com isso, é muito difícil fazer previsão. Mas, se tudo permanecer no ritmo atual, a verdade está mais do lado do Morgan Stanley do que do governo. A hipótese de crescer é quase zero.
Valor: Mesmo se adotadas as políticas que o sr. considera corretas?
Nakano: Aí é possível reverter essa situação. Mas são necessárias medidas corajosas e muito fortes do lado do crédito.
Valor: Que crescimento é possível esperar para 2009?
Nakano: A contração na economia vai ser qualquer coisa de -2% a -4%, se tudo correr como está, sem grandes mudanças na política. Mas 2009 ainda está para ser construído. Nós temos essa enorme vantagem, a de que nós estávamos criando esse círculo virtuoso, baseado no aumento do emprego, do salário real, da produtividade, nessa expansão do mercado. Então é rapidamente reativar isso.
Valor: Há alguma previsão de quando os EUA vão voltar a crescer ou é algo que não devemos contar, porque vai demorar muito?
Nakano: Isso vai demorar. Nós estamos vivendo uma situação de incerteza. Não há informação suficiente, não é possível fazer previsão. Uma crise financeira tem uma série de mecanismos de retroalimentação. Quando um banco tem um prejuízo, ele começa a se desalavancar, sendo obrigado a vender ativos. Quando vende ativos, os preços caem, o que causa um prejuízo adicional. O capital próprio se reduz, é comido pelo prejuízo, sendo necessário vender mais ativos, e assim sucessivamente. Como há um conjunto de bancos fazendo isso, os preços dos ativos começam a desabar. Há uma série de mecanismos que interagem e, mais do que isso, a contração de crédito e a destruição de ativos impactam o setor real da economia. Daí a economia real entra num processo de contração que repercute de volta no setor financeiro. Uma queda de empregos gera outras perdas. As incertezas se difundem para todos os segmentos. Isso torna quase impossível prever o que vai ocorrer com a economia e onde a crise vai parar.
Valor: O mundo enfrenta a maior crise desde os anos 30. O sr. não está atribuindo uma importância muito grande ao papel do BC sobre o desempenho da economia brasileira?
Nakano: Se você olha historicamente e pega a crise de 30, enquanto o mundo estava afundando, o Brasil e a América Latina rapidinho começaram a crescer. Isso ocorreu porque nós deslocamos o polo de crescimento da exportação de café para a criação do mercado doméstico, com substituição de importações. O polo virtuoso que estávamos criando pode ter um papel similar ao da substituição de importações na crise de 30.
DEMOCRACIA POLITICA E NOVO REFORMISMO
DEU NO VALOR ECONÔMICO
O economista Yoshiaki Nakano acha improvável o Brasil escapar de uma contração do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Embora veja uma grande dificuldade para fazer previsões no atual cenário de incerteza, ele acredita que a economia brasileira pode ter uma queda de 2% a 4% em 2009 se a política econômica continuar como está. Diretor da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Nakano diz que é fundamental destravar o crédito, reduzindo muito mais os depósitos compulsórios e os juros básicos. O Brasil, segundo ele, foi atingido com força pela crise principalmente porque "houve uma monumental barbeiragem das autoridades monetárias". O Banco Central demorou a agir e, quando o fez, foi tímido, critica Nakano, ex-secretário da Fazenda paulista.
A variação negativa do PIB, porém, não é irreversível, acredita ele. "É possível reverter essa situação, mas são necessárias medidas corajosas e muito fortes do lado do crédito", afirma Nakano, defendendo reduções mais significativas dos compulsórios e da taxa Selic. Ele vê espaço limitado para uma política fiscal anticíclica, num cenário de queda na arrecadação e aumento expressivo de gastos correntes.
Para Nakano, a crise no Brasil se desenvolveu de modo atípico, por não ter começado com uma contração de demanda. O travamento do crédito afetou imediatamente a oferta, com o tombo da produção, o que ajuda a explicar por que ela não é tão perceptível, diz Nakano. Num segundo momento, porém, a piora do mercado de trabalho afetará o consumo, lembra ele.
Nakano diz que o Brasil vivia uma situação singular antes da eclosão da crise, com a formação de "um novo polo dinâmico baseado na expansão do mercado doméstico". "Nós estávamos caminhando para um modelo de mercado de consumo de massa, que os americanos inventaram no fim do século 19 e no começo do século 20." Se for reativado o crédito, é possível retomar essa dinâmica, acredita Nakano, ressaltando, contudo, que não está defendendo uma economia fechada.
"É necessário expandir obrigatoriamente as exportações para o país poder importar mais porque a nova tecnologia vem sob a forma de novos bens de capital mais modernos." O economista acredita, aliás, que o Brasil pode conseguir aumentar as exportações mesmo com um mundo em recessão. A desvalorização do câmbio tende a ajudar o Brasil a vender mais para o exterior, aumentando a competitividade dos produtos manufaturados especialmente na América Latina e nos EUA, diz ele. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Por que a economia brasileira foi tão atingida pela crise?
Yoshiaki Nakano: A reação foi tão violenta porque houve uma monumental barbeiragem das autoridades monetárias. Há diversos canais por onde a crise chegou aos países emergentes. Um canal é exportação e importação. Esse ainda vai ter mais efeitos, mas ainda não teve um impacto brutal, particularmente porque as exportações já estavam caindo. Há um outro canal que afeta muito que ocorre via contágio, expectativas. Mas o canal por onde realmente a crise veio foi o do crédito. Quando o crédito externo se interrompeu, automaticamente se reverteu o fluxo de capitais. Ela veio pelo crédito externo associado ao contágio, à incerteza, ao medo. Isso fez com que os bancos paralisassem o crédito, o que gerou um quase pânico na indústria. É por causa disso que o investimento foi o componente da demanda que mais caiu. A queda do investimento no quarto trimestre de 2008 dá uma taxa anualizada de 45,3%.
Valor: Mas o BC reduziu bastante o compulsório, estimulou os bancos maiores a comprar a carteira de crédito dos bancos menores...
Nakano: Mas isso não foi suficiente. Ele foi muito tímido, porque, para começar, não conseguiu contrabalançar o travamento do crédito. E, mais do que tímido, o BC reagiu muito mais depois de a crise já ter ocorrido e os pequenos bancos estarem com problemas de recursos. Eles não estavam conseguindo captar recursos. Quando houve o travamento, era necessário imediatamente ter expandido o crédito doméstico para compensar a restrição que vinha de fora.
Valor: O que ele deveria ter feito?
Nakano: Reduzir o compulsório e reduzir a taxa de juros rapidinho. Em setembro, estava absolutamente claro que a crise estava chegando. Em outubro, as empresas estavam em pânico porque os bancos cortaram o crédito.
Valor: O sr. acha que ele deveria ter cortado os juros em outubro?
Nakano: Não, deveria ter cortado em setembro [em 10 de setembro, cinco dias antes da quebra do Lehman Brothers, o BC elevou a Selic de 13% para 13,75%]. Era uma crise brutal que estava chegando.
Valor: Mesmo com a defasagem da política monetária, o sr. acha que a queda de 3,6% do PIB no quarto trimestre é culpa em parte das autoridades monetárias?
Nakano: Grande parte, ou quase toda. Poderia ter sido muito mais suave. O nosso sistema bancário não tem nenhum problema. O canal da queda nos preços dos ativos teve um impacto relativamente limitado no Brasil. O crucial foi o crédito. Os bancos ficaram apavorados. O BC deveria ter agido com rapidez e expandido o crédito. Houve momentos em que a base monetária dos EUA cresceu 350%. Isso ocorreu em quase todos os países. Os BCs flexibilizaram rapidamente a política monetária, com exceção do nosso.
Valor: No terceiro trimestre, a economia brasileira cresceu 6,8% em relação ao mesmo período do ano anterior. O BC poderia ter reduzido os juros mesmo nesse cenário?
Nakano: O instrumento adequado não era a política monetária, era fiscal. Primeiro, porque os nossos juros já eram muito altos. O governo deveria ter feito uma política fiscal contracionista, inclusive porque nós estávamos com o déficit em conta corrente subindo muito rapidamente. Não deveria usar a política monetária, porque apreciaria o câmbio mais ainda. O instrumento adequado era a política fiscal. Ela não apenas comprimiria a demanda, como ajudaria o problema do setor externo que estava sendo criado. Era melhor conter a demanda agregada com política fiscal, cortando despesa corrente, e não investimento.
Valor: Em janeiro, o BC cortou os juros em 1 ponto percentual e em março, em mais 1,5 ponto. É pouco?
Nakano: É pouco, tem que cortar mais, e reduzir mais o compulsório. As empresas ainda reclamam da dificuldade de obter crédito. Essa crise no Brasil é diferente da crise típica, que começa com a contração da demanda. A demanda cai, o comércio tem redução nas vendas, isso repercute na indústria e depois nos serviços. Essa é a sequência normal nas crises. Nesta crise, não. A demanda continuou alta, mas houve um travamento no lado da oferta, da produção. Tirando os setores que dependem diretamente do crédito, como automóveis, o varejo continuou a operar como se não existisse crise. As vendas dos supermercados, por exemplo, estão bem. Esse desemprego mais para frente vai afetar os supermercados também, mas essa crise não é tão perceptível porque não começa do lado da demanda.
Valor: De que modo se dá o impacto desta crise?
Nakano: Há o bloqueio do investimento, da produção, por um motivo muito simples. O crédito é um elemento fundamental para os circuitos econômicos funcionarem, para as transações econômicas ocorrerem. Se isso se contrai abruptamente, desorganizam-se todas essas ações.
Valor: O país estava num ciclo em que o investimento crescia próximo ou acima de dois dígitos. Essa pausa é temporária ou nós vamos ficar vários trimestres com o investimento estagnado ou em queda?
Nakano: Acho que serão diversos trimestres. Só quando a demanda começar a crescer para valer sistematicamente os empresários voltarão a investir.
Valor: A recuperação da demanda virá pelo mercado interno ou pelo setor externo?
Nakano: Pelo mercado interno. O Brasil passava por uma situação bastante singular. A recuperação da economia começou de fora, a partir de 2003, com o aumento dos preços de commodities, o boom global, as exportações crescendo. Mas não foi a expansão das exportações que gerou esse crescimento recente. Foi a criação de um novo polo dinâmico baseado na expansão do mercado doméstico. Isso ocorreu por um motivo estrutural. A taxa de natalidade no Brasil atingiu o pico em 1984. A partir de 2000, mais ou menos, começa uma mudança muito significativa. A população em idade de entrar no mercado de trabalho começa a cair, em termos absolutos. O mercado de trabalho fica muito menos pressionado. Com isso, cria-se uma nova dinâmica no mercado de trabalho. As empresas contratam trabalhadores, são obrigadas a formalizá-los e, à medida que tem que elevar os salários, começam a priorizar aumentos de produtividade. Foi criado um círculo virtuoso, em que se geram empregos formais, com salários maiores. A base começa a subir e há esse fenômeno de redistribuição de renda no Brasil. Por sua vez, isso gera uma pressão para os empresários aumentarem a produtividade, o que permite que os salários reais aumentem. Mas a margem de lucros também cresceu, porque os salários cresceram menos que a produtividade. Nós estávamos caminhando para um modelo de mercado de consumo de massa, que os americanos inventaram no fim do século 19 e no começo do século 20.
Valor: É possível retomar essa dinâmica de crescimento?
Nakano: Sim, mas depende de fazer as políticas adequadas. É fundamental retomar o crédito, evidentemente, e ter juros muito menores. Esse processo também foi alavancado por um período curto em que o mercado de capitais fez uma espécie de "by pass" no sistema bancário. Como o sistema bancário está atrelado a juros muito altos, os recursos vieram por meio do mercado de capitais. Nós precisamos retomar esse processo de expandir o mercado financeiro e ter juros bancários menores. Uma outra coisa fundamental é continuar aumentando a produtividade. Eu não estou sugerindo um modelo de economia fechada. É necessário expandir obrigatoriamente as exportações para poder importar mais, porque a nova tecnologia vem sob a forma de novos bens de capital mais modernos.
Valor: Mas dá para exportar mais nesse mundo recessivo?
Nakano: Sim, porque se nós tivermos uma política cambial mais agressiva, a nossa participação em cada um dos mercados é ínfima. Acho que o câmbio ainda vai se desvalorizar mais. O mundo mudou. Aquele período de abundância de capital acabou. Mas é possível ter saldos comerciais maiores, porque nós estávamos com o câmbio valorizado e o que estava gerando déficit em conta corrente era uma expansão muito veloz nas importações. Com o câmbio adequado, você não vai ter isso. Em função do dólar barato, nós estávamos perdendo mercado para os chineses. Com o câmbio mais agressivo, o Brasil compete com chineses, principalmente na América Latina e nos EUA. Nos últimos anos nós descolamos mais da economia americana e colamos mais com a economia chinesa, porque nós estávamos privilegiando exportações de commodities e menos de manufaturados. Com o câmbio mais competitivo, o Brasil volta a exportar para a América Latina, para os EUA, que compram mais produtos manufaturados, e ainda tem a vantagem de poder contar com o mercado chinês, que certamente vai continuar a importar commodities. A China vai desacelerar, mas não vai parar de crescer. Eles têm uma meta de crescimento de 8%, e têm a competência para atingir essas taxas.
Valor: Há uma queda de arrecadação e uma alta forte de gastos correntes. Há espaço para política fiscal anticíclica no Brasil?
Nakano: Muito pouco. Na fase de expansão do ciclo, o melhor teria sido reduzir as despesas correntes, diminuindo a participação das despesas de consumo do governo no PIB, para abrir espaço para a expansão do investimento e das exportações líquidas. Com isso, haveria mais chance de fazer alguma coisa de política fiscal. O espaço para isso hoje é muito limitado.
Valor: O Morgan Stanley prevê queda de 4,5% do PIB e o governo aposta em crescimento de 2%. Quem está certo?
Nakano: Nenhum dos dois, porque fazer previsão nesse quadro de incerteza é impossível. Ainda há instrumentos para o governo brasileiro reagir. Eu já falei em redução de compulsórios e que há muito espaço para reduzir os juros. O futuro neste ano ainda depende muito de decisões de natureza de política econômica. Com isso, é muito difícil fazer previsão. Mas, se tudo permanecer no ritmo atual, a verdade está mais do lado do Morgan Stanley do que do governo. A hipótese de crescer é quase zero.
Valor: Mesmo se adotadas as políticas que o sr. considera corretas?
Nakano: Aí é possível reverter essa situação. Mas são necessárias medidas corajosas e muito fortes do lado do crédito.
Valor: Que crescimento é possível esperar para 2009?
Nakano: A contração na economia vai ser qualquer coisa de -2% a -4%, se tudo correr como está, sem grandes mudanças na política. Mas 2009 ainda está para ser construído. Nós temos essa enorme vantagem, a de que nós estávamos criando esse círculo virtuoso, baseado no aumento do emprego, do salário real, da produtividade, nessa expansão do mercado. Então é rapidamente reativar isso.
Valor: Há alguma previsão de quando os EUA vão voltar a crescer ou é algo que não devemos contar, porque vai demorar muito?
Nakano: Isso vai demorar. Nós estamos vivendo uma situação de incerteza. Não há informação suficiente, não é possível fazer previsão. Uma crise financeira tem uma série de mecanismos de retroalimentação. Quando um banco tem um prejuízo, ele começa a se desalavancar, sendo obrigado a vender ativos. Quando vende ativos, os preços caem, o que causa um prejuízo adicional. O capital próprio se reduz, é comido pelo prejuízo, sendo necessário vender mais ativos, e assim sucessivamente. Como há um conjunto de bancos fazendo isso, os preços dos ativos começam a desabar. Há uma série de mecanismos que interagem e, mais do que isso, a contração de crédito e a destruição de ativos impactam o setor real da economia. Daí a economia real entra num processo de contração que repercute de volta no setor financeiro. Uma queda de empregos gera outras perdas. As incertezas se difundem para todos os segmentos. Isso torna quase impossível prever o que vai ocorrer com a economia e onde a crise vai parar.
Valor: O mundo enfrenta a maior crise desde os anos 30. O sr. não está atribuindo uma importância muito grande ao papel do BC sobre o desempenho da economia brasileira?
Nakano: Se você olha historicamente e pega a crise de 30, enquanto o mundo estava afundando, o Brasil e a América Latina rapidinho começaram a crescer. Isso ocorreu porque nós deslocamos o polo de crescimento da exportação de café para a criação do mercado doméstico, com substituição de importações. O polo virtuoso que estávamos criando pode ter um papel similar ao da substituição de importações na crise de 30.
DEMOCRACIA POLITICA E NOVO REFORMISMO