"Já não existe falha de mercado que exija um BB
estatal. A ingerência do governo indicou que é preciso
protegê-lo definitivamente. A saída mais óbvia é a privatização"
A recente ingerência no Banco do Brasil frustrou quem achava que ele estava protegido contra o populismo inconsequente. Ao emitir a ordem para baixar os juros e expandir o crédito, o governo agiu como se fosse dono do banco e não o seu acionista controlador, condição que não inclui o poder de ditar políticas prejudiciais à instituição e aos acionistas minoritários.
Bancos estatais se justificam se o mercado não é capaz de prover o crédito e o sistema de pagamentos. A Inglaterra e os Estados Unidos, onde não havia essa falha de mercado, enriqueceram sem dispor de bancos públicos. Países europeus criaram bancos comerciais estatais para se industrializar, mas praticamente todos já foram privatizados.
Nas suas três encarnações, o BB supriu falhas de mercado. Na primeira (1808), ofertava moeda divisionária para atender às necessidades do comércio do Rio de Janeiro, que se expandia com a chegada da família real. Na segunda (1851) – quando foi fundado pelo barão de Mauá e depois estatizado –, concedia crédito, modestamente (no fim do século XIX, possuía cinquenta funcionários).
Foi na terceira fase (1905) que o BB começou a funcionar como poderoso instrumento do governo. A criação da Carteira de Redescontos em sua estrutura (1921) lhe deu funções de banco central, que manteria até 1986. Era o começo de uma sucessão de arranjos institucionais que lhe garantiriam fartos recursos oficiais para cumprir sua missão. A arrancada para o longo período de glórias ocorreu na era Vargas.
Nessa terceira encarnação, o BB se tornou o maior banco do país e o principal supridor de crédito para a agricultura, a indústria e o comércio. Com o advento do Banco Central, em 1965, um defeito de interpretação da respectiva lei permitiu que passasse a receber recursos ilimitados, a custo zero, por uma "conta de movimento" do BC. Adquiriu, assim, a capacidade de conceder subsídios creditícios em larga escala.
Durante três décadas, o crédito do BB se expandiu sem parar. Seus lucros cresceram. Tornou-se um dos oito maiores bancos do mundo. Tudo isso cobrando juros muito abaixo dos de mercado e com uma onerosa estrutura para atender à orientação do governo. A situação, pouco lógica e muito custosa para os brasileiros, era disfarçada pelos ganhos do BB com a "conta de movimento" e a inflação.
A "conta" ficou insustentável e, em 1986, foi extinta. Por isso, o BB foi autorizado a operar e buscar receitas em todas as áreas do sistema financeiro. Era preciso tempo, mas em meio à transição, em 1994, veio o Plano Real, eliminando as rendas inflacionárias. O BB quebrou na prática, mas foi salvo da falência com bilhões dos contribuintes.
Sem suas duas grandes fontes de lucros, mas capitalizado pelo Tesouro, o BB deparou com o desafio de se viabilizar. Enxugou seus quadros, modernizou a gestão, diversificou-se e investiu fortemente em tecnologia. Foi a grande revolução de sua história. O BB perdeu as vantagens do suprimento de recursos do governo, mas continuou com os ônus de organização estatal: sede em Brasília, indicações políticas para o seu conselho diretor, fiscalização do Tribunal de Contas, submissão às regras de concorrência pública e mudança frequente de administração.
Era impossível livrar-se desses custos, mas cumpria blindar-se contra a ingerência política nas operações. Criou-se um departamento de análise de risco de crédito. O crédito foi segregado da área comercial. Aperfeiçoou-se a área de finanças para reforçar o caráter técnico de suas recomendações. As decisões se tornaram colegiadas em todos os níveis. O Tesouro assumiu os custos de subsídios creditícios.
Viu-se agora que essas barreiras eram frágeis. Seu desmonte para atender a "obsessões" do governo (ou objetivos eleitorais?) conta com um forte incentivo: uma nova ruína do banco somente aconteceria em próximas administrações.
Já não existe falha de mercado que exija um BB estatal. A ingerência do governo indicou que é preciso protegê-lo definitivamente. A saída mais óbvia é a privatização, embora a sociedade ainda não a perceba. A mudança mental requer tempo, talvez mais de uma geração, mas parece ter chegado a hora de começar a discutir a ideia.