Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 18, 2009

Entrevista Michel Temer

É preciso reagir agora

O presidente da Câmara dos Deputados diz que a
crise ética atinge uma minoria no Parlamento, mas
que, se nada for feito, arrastará toda a instituição


Otávio Cabral

Ana Araujo

"É vital distinguir os equívocos de A,
B ou C do comportamento correto
da maioria dos parlamentares.
É preciso preservar a instituição
dos erros de poucos"

Na semana passada, o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, assinou, com os presidentes da República, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, um pacto pela agilização da Justiça e pelo combate ao abuso de autoridade. O ato pode ter efeito prático limitado mas carrega um simbolismo forte, o de mostrar que os poderes têm o bem comum como objetivo acima de suas óbvias divergências. Nesta entrevista a VEJA, Temer se mostra preocupado com a dilaceração da imagem do Congresso pelos sucessivos escândalos protagonizados por deputados e senadores. O parlamentar paulista, que também é presidente do PMDB, defende ações imediatas para evitar que prosperem ideias radicais como a aventada pelo senador Cristovam Buarque, para quem, no ritmo que se vai, logo alguém proporá a convocação de um plebiscito para decidir se não é o caso de o Brasil fechar o seu Congresso.

O deputado Fábio Faria levou a ex-namorada, a apresentadora Adriane Galisteu, e a sogra para Miami usando passagens dadas pela Câmara. O senhor defende a punição do deputado? Eu já determinei que ele mandasse uma explicação para a utilização dessas passagens. Vou aguardar a resposta e enviá-la ao corregedor, para que ele examine o caso e uma eventual punição. No dia em que soube da denúncia, procurei o Fábio e disse a ele que, se achasse que tinha usado indevidamente as passagens, devolvesse o dinheiro ao Erário. Foi o que ele fez. O problema da punição é que a ordem jurídica vigente diz apenas que o crédito das passagens é do deputado. Não especifica como deve ser usado. Portanto, na norma legal, não houve um erro.

Esse tipo de escândalo vem se multiplicando nos últimos tempos no Congresso. A falta de parâmetros éticos tomou conta da política? Foram justamente as medidas de transparência que tomei nesses dois meses de gestão, como a divulgação dos gastos dos deputados com a verba indenizatória, que permitiram a revelação desses escândalos. Evidentemente, há confusão entre o que se pode fazer e o que não se pode fazer. Há falhas no controle, mas esses casos vão ser solucionados pouco a pouco. Não dá para chegar arrombando a porta. O patrimonialismo é uma característica da política brasileira, e esses desvios de comportamento são históricos. Quero ressaltar, porém, que há um número mínimo de deputados que praticam atos inadequados. Quem erra precisa ser condenado. Os erros de poucos não podem contaminar a instituição.

Esse excesso de verbas e auxílios sem fiscalização não é um convite às irregularidades? Sem dúvida. Foi por isso que surgiu a ideia de acabar com a verba indenizatória (15 000 reais que os deputados recebem para cobrir despesas de combustível, alimentação, aluguel de escritório) e incorporar a maior parte desse valor ao salário (16 500 reais). Se o salário do deputado for equiparado ao do ministro do Supremo (24 500 reais), haverá uma redução na verba indenizatória de 7 000 reais mensais para cada deputado – o que significa uma vantagem para a Câmara. Mandei fazer um estudo que mostra na ponta do lápis que haverá grande economia para os cofres públicos se esse auxílio for incorporado ao salário dos senadores, deputados federais e estaduais.

"Se elevássemos o salário
dos deputados de 16 000
reais para 24 000 reais,
as manchetes do dia
seguinte certamente diriam
‘Câmara dos Deputados
aumenta os salários’.
O desastre seria inevitável"

Por que, apesar dos escândalos em série, essa proposta nunca avançou? Desisti de levá-la adiante. Imagine se eu promovesse um encontro de todos os presidentes de assembleias para debater o tema. A imagem que ia ficar era que estávamos discutindo aumento salarial de deputados em meio à maior crise dos últimos tempos. Se elevássemos o salário dos deputados de 16 000 reais para 24 000 reais, as manchetes do dia seguinte certamente diriam "Câmara dos Deputados aumenta os salários". Jamais se escreveria "Câmara aumenta salário, mas gera economia". O desastre seria inevitável.

Em uma entrevista publicada há dois meses, o senador Jarbas Vasconcelos afirmou que o PMDB é corrupto e só pensa em ocupar cargos para fazer negócios. Tenho muito respeito pelo senador Jarbas, mas ele foi genérico demais naquela entrevista. Fui pressionado para mandá-lo para a comissão de ética do partido, para expulsá-lo do PMDB, mas não fiz nada disso. Apenas pedi que especificasse as acusações, o que ele nunca fez. Como a afirmação é muito genérica, não há condições de apurar essa corrupção.

Afinal, para que o PMDB quer tantos cargos? No primeiro mandato, não estive com o governo Lula. Apenas uma ala do partido aderiu. Quando foi reeleito, o presidente resolveu institucionalizar essa aliança. Como presidente do partido, fechei um acordo programático de sete pontos. Essa é a base da coalizão, aprovada por todo o conselho político do partido, inclusive pelo Jarbas. Essa coalizão conduz à ocupação de cargos, o que é natural para implementar as políticas do partido. É legítimo isso para qualquer governo que queira ter maioria no Parlamento. O PMDB tinha três ministérios, passou a ter seis. Os cargos são consequência desses acordos. Quando há corrupção com esses cargos, é preciso punir os responsáveis, não generalizar.

O partido que o senhor preside é o maior do país, mas não teve candidato a presidente nas três últimas eleições. É um problema de ambição ou de falta de quadros? Minha posição sempre foi ter candidatura própria. Em 2006, promovi uma prévia com dois candidatos: Germano Rigotto e Anthony Garotinho. Havia condição política de ter um candidato, mas a verticalização impediu. Agora, sem a verticalização, há a possibilidade de lançar uma candidatura presidencial própria sem atrapalhar os estados. Concordo que é muito difícil viabilizar um nome, mas em política as surpresas acontecem. Ainda é cedo para definir isso.

Se o PMDB não tiver mesmo candidato, o senhor estará no palanque de Dilma Rousseff ou de José Serra? Não sei. Divulgam muito que vou ser vice da Dilma, como já se falou também da possibilidade de eu ser vice do Serra. Ainda não é o momento de falar de campanha presidencial.

Na semana passada, o senhor participou do lançamento de um pacto entre os poderes para melhorar a Justiça. Há alguma chance de esse pacto sair do papel? O pacto tem mais de trinta projetos, e não dá para aprovar tudo de imediato. Vamos priorizar aqueles que beneficiam diretamente a população, como as medidas que dão celeridade à Justiça e a negociação de dívidas do cidadão diretamente com o estado, sem a intermediação do Judiciário.

Nesse pacto, há a previsão de mudanças no rito das CPIs. Foi graças a essas comissões que se desnudaram escândalos como os do Orçamento, do governo Collor e do mensalão. Não é um retrocesso reduzir o poder das CPIs? Não há possibilidade de limitar o poder das CPIs. Houve essa interpretação porque há no pacto uma vertente de defesa dos direitos individuais. Para algumas pessoas, há abuso nas CPIs, mas eu discordo dessa tese. Além de não haver excesso, as conclusões das CPIs são remetidas ao Ministério Público para evitar qualquer abuso.

A CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas mostrou a existência de um estado policial paralelo responsável por espionagem, escutas e grampos. Como barrar essas ações ilegais? Essa CPI teve um efeito muito positivo para o país que não vem sendo ressaltado, o de evidenciar que há uma constante agressão a direitos fundamentais do cidadão. Sou autor de um artigo da Constituição que deu inviolabilidade à profissão dos advogados. Tempos atrás, a pedido dos advogados, tive de apresentar um projeto que tornava inviolável o local de trabalho deles. Os projetos são redundantes, mas o segundo foi necessário porque a lei não era respeitada e os escritórios de advogados eram devassados. Agora, mesmo com as duas leis em vigor, o juiz da Operação Castelo de Areia permitiu que a polícia devassasse totalmente escritórios de advocacia. É por essas situações que aponto o benefício que essa CPI está criando ao país. As gravações indiscriminadas acabam com o sigilo pessoal. Essa Operação Satiagraha gravou todo mundo. Quando se fazem arquivos pessoais, cria-se uma grande arma para chantagens. Não posso dizer que isso está sendo feito agora, mas criou-se a possibilidade. Tanto que o investigador acabou sendo investigado.

O governo Lula já passou por uma série de escândalos e crises. Mesmo assim, ele é o presidente mais popular de todos os tempos. Qual é o segredo do sucesso do governo? Os grandes segredos do Lula são a espontaneidade e a intuição política extraordinárias. Ele tem uma linguagem que o povo entende diretamente. E também conseguiu feitos significativos. Para um país que era todo endividado, passar a emprestar dinheiro ao FMI é extraordinário. Ele se comportou bem na área econômica e na área social, com o Bolsa Família, que lhe deu grande projeção. E na política externa ele teve grande sucesso. Convenhamos: o Obama dizer que ele é o cara foi uma coisa estupenda.

E os pontos fracos do governo? O que falta é pegar o pessoal que se alimentou do Bolsa Família, passando das classes D e E para a classe C, e dar um espaço de trabalho para incorporá-lo à nacionalidade. Esse é o ponto que deve ser a sequência do governo. Não se pode ficar só no Bolsa Família. É preciso qualificar essa parte da população para que ela não retorne à classe E.

"O Legislativo só é
enaltecido quando o
país está saindo de
um regime autoritário.
Na história brasileira
sempre foi assim.
Em 1964, o Congresso
estava com sua imagem
no chão, o que deu no regime militar"

Por outro lado, a reprovação ao Congresso só aumenta. Segundo o Datafolha, 37% dos brasileiros consideram a atuação dos parlamentares ruim ou péssima. O Legislativo só é enaltecido quando o país está saindo de um regime autoritário. Na história brasileira sempre foi assim. Em 1964, o Congresso estava com sua imagem no chão, o que deu no regime militar, que foi instaurado com o aplauso da maior parte da população. O Legislativo praticamente não existiu até 1982, quando vieram a redemocratização, as Diretas Já, a eleição de Tancredo, a Constituição de 1988, o impeachment do presidente Fernando Collor. O Congresso, desde então, voltou a ser aclamado com uma força e um prestígio estupendos. Passado esse período, o Congresso, infelizmente, tem sua pior imagem.

Mas não é exatamente este o problema: a impressão generalizada de que ninguém é punido no Congresso, de que o corporativismo sempre prevalece? O processo penal e o processo político são duas coisas totalmente distintas. E, de uma maneira ou outra, todos os deputados envolvidos em escândalos foram punidos. Veja o caso do mensalão. Alguns estão respondendo a processos no Supremo e alguns foram cassados. Mesmo os que foram absolvidos tiveram um dano político irreversível. A avaliação política é muito pessoal. Há influência psicológica para cassar e para não cassar. No caso do Judiciário, o processo se baseia nas provas dos autos. No processo político, tudo se baseia na hipótese da conveniência. Dou o exemplo teórico clássico de um presidente que esteja sendo julgado por crime de responsabilidade. Verifica-se que ele praticou o crime, mas verifica-se também que, se ele perder o cargo, isso poderá levar o país a uma guerra civil. O que fazer nesse caso? A meu ver, seria conveniente evitar o caos institucional mesmo que isso significasse a interrupção do processo de cassação do presidente.

O senhor vê hoje ameaça real de retrocesso democrático? Não, de jeito algum. As instituições estão sólidas como nunca. Apesar das críticas, há uma grande harmonia entre os três poderes. O Congresso, porém, precisa reagir e promover uma recuperação ética para que ideias como a do senador Cristovam Buarque, de fazer um plebiscito para que a população defina a própria existência do Legislativo, não ganhem força na sociedade. É vital distinguir os equívocos de A, B ou C do comportamento correto da maioria dos parlamentares. É preciso preservar a instituição dos erros de poucos.

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